domingo, novembro 18, 2012

A negação da negação


«Pedro Passos Coelho garantiu esta segunda-feira [junto a Merkel] que o caminho que está a ser seguido por Portugal, no que respeita ao processo de ajustamento, é “o único possível”.»  AQUI

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E Passos Coelho insiste, insiste e insiste… desde que chegou ao Governo que nos confronta, sempre, com o discurso tatcheriano da suposta ausência de alternativas (Sócrates já o tinha feito, como referimos aqui). Muitos comentadores neoliberais alimentam este discurso do “não há alternativa”, e até Cavaco Silva aponta nessa direcção quando defende que Portugal só tem um caminho, muito estreito, para a saída da crise. Ou seja, encontramo-nos perante qualquer coisa inevitável como a morte.

Face a esta constatação brutal, alguns comentadores, na sua análise, aplicam agora com agrado e fé, o modelo de Kübler-Ross à sociedade portuguesa. Face à inevitabilidade dos sacrifícios e ao empobrecimento forçado, a sociedade portuguesa encontrar-se-á numa das cinco fases sequenciais do referido modelo que se aplica às pessoas, quando confrontadas com doenças terminais. São elas: negação, fúria, negociação, depressão e aceitação. Ou seja, de acordo com este modelo, a sociedade portuguesa acabaria, como se de uma pessoa em estado terminal se tratasse, por, mais tarde ou mais cedo, aceitar os sacrifícios que lhe são impostos, deixando por fim de lutar. As reacções violentas e as manifestações de repúdio às medidas orçamentais corresponderão, segundo alguns comentadores, já à fase da manifestação da fúria, outros referem ainda que estamos na fase de negação, uma vez que a peleja ainda não assumiu uma maior virulência. Mas, mais tarde, pensam esperançosamente alguns, a sociedade amansará, depois de um longo período de depressão e por fim, como dissemos, submeter-se-á.

Ora a psicologia parece que está na moda. Merkel na sua breve visita lembrou que “a política económica é 50 por cento psicologia”, e o jornalista Perez Metelo pegou na deixa e concluiu, por sua vez, que a visita de Merkel a Portugal foi, na verdade, 100% psicologia. A questão é então a seguinte: como poderemos escapar a esta ditadura da psicologia e também à outra, a que dita que não há alternativa?

Ao relermos um capítulo da obra de Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, deparámos, por acaso, com uma resposta, na seguinte passagem a propósito da necessidade de criar um novo campo numérico – o campo racional -, visando a resolução de problemas até então insolúveis:

Uma generalização passa sempre, por consequência, pelo ponto fraco de uma construção, e o modo de passagem é a negação da negação; tudo está em determinar e isolar, com cuidado, esse ponto fraco. O campo desta operação não se limita às ciências matemáticas; ele abrange não só as denominadas ciências da natureza como as ciências sociológicas; duma maneira geral, pode dizer-se que – onde há evolução para um estado superior, é realizada a negação duma negação.

Bento de Jesus Caraça,
  Conceitos Básicos da Matemática, Gradiva, 1998. Pág. 37

Percebemos bem? A sociedade portuguesa está em negação? Pois é preciso passar a um estado superior, nem que seja criando uma coisa nova, como fizeram os matemáticos com o campo racional, e romper de vez com essa generalização da “alternativa única”, que nos querem impor irracionalmente. Como? Negando a negação e encarando a realidade de frente. Não dar sequência a esse modelo funesto da cientista Kübler-Ross. Que coisa nova seria essa? Por exemplo, uma saída do Euro, ou, uma resposta educada à Sr.ª Merkel para que ficasse ela com a tranche que nos garantiu que viria, e que a guardasse onde bem entendesse, que nós por cá nos governaríamos, para bem ou para mal, como fizemos sempre ao longo de quase 900 anos. Isso sim, seria corajoso! Seria trágico? Talvez. O céu cair-nos-ia em cima da cabeça? Talvez. Mas sempre ouvimos dizer e acreditamos que mais vale morrer de pé do que viver de joelhos. E assim, também essa última fase do modelo da senhora Kübler-Ross ficaria comprometida na sua realização. Em vez de aceitação, luta! Luta sempre, até ao fim!

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