«As sociedades modernas excluem
por definição os fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos. O
grande princípio do thatcherismo era essa ideia que estipulava que dadas a
igualdade de condições e oportunidade, todos pisaríamos forte pelo amanhã que
canta do sucesso e do trabalho remunerado. O
thatcherismo esqueceu-se dos que precisam de muletas para caminhar pela vida
fora. A sociedade portuguesa dos últimos anos enriqueceu, e pôs de lado. Chamou-lhe
o custo social do progresso, e pôs de lado.»
Clara Ferreira Alves, 06/01/96 (*)
Em 1996, quando governava
Guterres, quando a classe média engrossava (apetece dizer, “quando havia classe
média”) e a sociedade portuguesa enriquecia (sabemos agora que esse “enriquecimento”
afinal correspondeu a “endividamento”, ou seja, à projecção dos custos da crescente
acumulação material e do consumo para o futuro, e o futuro é agora) a taxa de
desemprego era cerca de 7,2%, e já então se começava a sentir no país a brisa
do thatcherismo (curiosamente, outra palavra para neoliberalismo). Os “fracos,
os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos” foram postos de lado, dizia
Clara Ferreira Alves, e já então as políticas começavam a questionar a
continuidade do Estado-Providência, pelo menos nos moldes até aí praticados.
Actualmente a taxa de desemprego mais que duplicou. Já não são só os
desgraçados a ser postos de lado. Hoje é a classe média que caiu em desgraça
e que está a ser posta de lado e do lado dos desgraçados. Em suma, uma
desgraça, e como diz o povo, uma desgraça nunca vem só. Sopram fortes, os ventos do neoliberalismo.
Será a reacção desesperada que antecede o último estertor que prenuncia o fim de
um certo tipo de capitalismo? Ainda está viva a democracia que o debelará?
P.S. - Curiosamente, hoje, no contexto comunitário, é Portugal que está a ser posto de lado (e à venda). Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, Chipre, etc.
P.S. - Curiosamente, hoje, no contexto comunitário, é Portugal que está a ser posto de lado (e à venda). Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, Chipre, etc.
(*) Clara
Ferreira Alves (1996), “O Desejo de Ano Novo” in A Pluma Caprichosa, 2ª ed., Publicações Dom Quixote, 2002, p. 107.