quarta-feira, dezembro 19, 2012

Postos de lado

«As sociedades modernas excluem por definição os fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos. O grande princípio do thatcherismo era essa ideia que estipulava que dadas a igualdade de condições e oportunidade, todos pisaríamos forte pelo amanhã que canta do sucesso e do trabalho remunerado. O thatcherismo esqueceu-se dos que precisam de muletas para caminhar pela vida fora. A sociedade portuguesa dos últimos anos enriqueceu, e pôs de lado. Chamou-lhe o custo social do progresso, e pôs de lado

Clara Ferreira Alves, 06/01/96 (*)

Em 1996, quando governava Guterres, quando a classe média engrossava (apetece dizer, “quando havia classe média”) e a sociedade portuguesa enriquecia (sabemos agora que esse “enriquecimento” afinal correspondeu a “endividamento”, ou seja, à projecção dos custos da crescente acumulação material e do consumo para o futuro, e o futuro é agora) a taxa de desemprego era cerca de 7,2%, e já então se começava a sentir no país a brisa do thatcherismo (curiosamente, outra palavra para neoliberalismo). Os “fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos” foram postos de lado, dizia Clara Ferreira Alves, e já então as políticas começavam a questionar a continuidade do Estado-Providência, pelo menos nos moldes até aí praticados. Actualmente a taxa de desemprego mais que duplicou. Já não são só os desgraçados a ser postos de lado. Hoje é a classe média que caiu em desgraça e que está a ser posta de lado e do lado dos desgraçados. Em suma, uma desgraça, e como diz o povo, uma desgraça nunca vem só. Sopram fortes, os ventos do neoliberalismo. Será a reacção desesperada que antecede o último estertor que prenuncia o fim de um certo tipo de capitalismo? Ainda está viva a democracia que o debelará?

P.S. - Curiosamente, hoje, no contexto comunitário, é Portugal que está a ser posto de lado (e à venda). Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, Chipre, etc.



(*) Clara Ferreira Alves (1996), “O Desejo de Ano Novo” in A Pluma Caprichosa, 2ª ed., Publicações Dom Quixote, 2002, p. 107.

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