«Os nossos corpos fluem rapidamente como a
corrente dos rios. Tudo quanto vês acompanha o veloz fluir do tempo; nada do
que vemos permanece idêntico; eu mesmo, enquanto falo na mudança das coisas, já
mudei.
É este o sentido da frase de Heraclito: “podemos
e não podemos mergulhar duas vezes no mesmo rio”. O nome do rio permanece o mesmo, a água essa já passou adiante. Num
rio o fenómeno é mais sensível aos olhos do que num homem, mas não é menos
rápido o curso do tempo em nós; por isso me espanta a loucura que nos leva a
tanto amarmos essa coisa fugidia que é o corpo, e a temer morrermos um dia
quando cada momento é a morte do estado imediatamente anterior. Dispõe-te,
portanto, a não recear que ocorra um dia aquilo que continuamente está
ocorrendo.»
Séneca, Cartas a Lucílio, Livro VI, Carta 58,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, pág. 205.
***
Ler os
estóicos. O pensamento de Séneca atravessa o tempo e atinge-me quase dois mil anos
depois. Ecoa no meu pensamento. Intemporal, conforta-me no meio desta
tempestade contemporânea que atravessamos. Nasceu em Córdova, não muito longe
daqui, viveu e escreveu no tempo do Império, no meio da pax romana, mas o seu pensamento adequa-se a todas as tempestades.
Ajuda-nos a enfrentá-las, sem medo, de cabeça erguida e em paz connosco e com o
mundo, com estoicidade.
Depois da sua
breve explicação, alguém duvida ainda que todos
os dias nasce um sol novo, como dizia Heraclito? Aquela fornalha a oito
minutos-luz daqui, também muda, e não só todos os dias, mas a todos os
nanosegundos, e o hidrogénio que queima converte-se em hélio e amanhã, quando voltar
a raiar (como se alguma vez tivesse deixado de raiar), já não será por isso o
mesmo. Mudará sempre, porque tudo muda. Tudo flui.