sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Talvez o maior saque da história, a seguir ao resgate de Atahualpa


David Landes na sua magnífica obra, A Riqueza e a Pobreza das Nações, narra o destino do Madre de Deus, um navio português do tempo em que a Ibéria era hiperpotência:


«Os Romanos tinham um aforismo, Pecunia non olet – “O dinheiro não cheira”. As pessoas podem não gostar do modo como ele é arranjado ou da pessoa que o conseguiu, mas gostam do dinheiro e irão aceitá-lo.
Num outro sentido, porém, o dinheiro cheira fortemente e o seu odor atrairá gente de toda a parte.

Em 1592, a Inglaterra estava em guerra contra a Espanha e Portugal, que, como já vimos, fora unido à coroa espanhola pelo jogo do casamento e da herança. Cerca de quatro anos antes, os Ingleses tinham repelido uma invasão espanhola e puseram a pique as embarcações inimigas (a pretensa Armada Invencível). Agora, uma esquadra inglesa estava a postos ao largo dos Açores para interceptar e capturar navios espanhóis provenientes do Novo Mundo, talvez carregados com tesouros do México e do Peru, quando lhe surgiu uma carraca portuguesa. Era a Madre de Deus, de regresso da Índia e que rumava para Lisboa.
Era maior do que qualquer navio em que os Ingleses já tivessem posto os olhos: 165 pés de comprimento, 57 pés de boca, 1600 toneladas, três vezes o tamanho da maior embarcação existente na Inglaterra; sete cobertas, 32 canhões e outras armas, superstrutura em talha dourada; e porões repletos de tesouros.
Ali estava a matéria-prima dos seus sonhos - arcas abarrotadas de jóias e pérolas, moedas de ouro e de prata, âmbar mais velho do que a Inglaterra, peças do mais fino tecido, tapetes dignos de um palácio, 425 toneladas de pimenta, 45 de cravo-da-índia, 35 de canela, 3 de macis, 3 de noz-moscada, 2,5 de benjoim (resina balsâmica, altamente aromática, usada como base para perfumes e preparados farmacêuticos), 25 de cochinilha (corante feito dos corpos secos das fêmeas de um insecto encontrado em climas semitropicais), 15 de ébano. Mesmo antes que o comandante da esquadra inglesa pudesse tomar a presa a seu cargo, a sua alvoroçada tripulação já tinha atulhado os bolsos com tudo o que era possível.
Quando o navio apresado entrou no porto de Dartmouth, destacou-se muito para além dos outros navios e dos telhados das pequenas casas ao longo do cais. Comerciantes, correctores, vigaristas, batedores de carteiras e ladrões surgiram de muitos quilómetros em redor, vindos até de Londres e de mais longe, atraídos como abelhas para o mel - para visitar o barco (os pescadores locais trafegaram incessantemente, e por alto preço, entre o barco e a margem) e procurar marinheiros bêbados nas tabernas e espeluncas, com a intenção de comprar, roubar, furtar e saquear a presa. Pela lei Inglesa, uma grande parcela dos bens apreendidos era devida à rainha e, quando Elizabeth soube o que estava a acontecer, mandou Sir Walter Raleigh até lá para resgatar o seu dinheiro e punir os saqueadores. «Tenciono deixá-los tão nus como estavam ao nascer», prometeu o valente Sir Walter, «pois Sua Majestade foi roubada e das mais raras e valiosas coisas».
Quando Sir Walter ficou senhor da situação, um carregamento avaliado em meio milhão de libras - quase metade de todo o dinheiro do erário - tinha sido reduzido a 140 000 libras. Mesmo assim, foram necessários dez cargueiros para transportar o tesouro, contornando a costa e subindo o Tamisa até Londres. Depois do resgate de Atahualpa, este foi talvez o maior saque da história. Esse naco de fortuna, essa prelibação das riquezas do Oriente, galvanizaram o interesse inglês por essas terras distantes e colocaram o país (e o mundo) num novo rumo.
Os Ingleses aprenderam outra lição com o Madre de Deus. Quando, alguns anos depois, um rico navio apresado foi conduzido ao Tamisa para ser descarregado, os homens que executaram a tarefa receberam como roupa de trabalho “gibões de tela sem bolsos”».

David Landes, A Riqueza e a Pobreza das Nações, Por que são algumas tão ricas e outras tão pobres, 6ª ed. Gradiva, 2002, pp. 165-167

***

Curiosamente o subtítulo da obra “Por que são algumas [nações] tão ricas e outras tão pobres” acaba por ser muito bem elucidado no trecho acima. Tudo se baseia na guerra, no comércio, no roubo, no furto e no saque. E assim se fez a glória dos impérios.

O saque prossegue entretanto, assumindo novas formas, mantendo porém a sua velha essência.

E assim se constroem as riquezas e as pobrezas do mundo.

Mas no que nos toca, tem a palavra Fernando Pessoa n’Os Colombos:

Os Colombos


Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

Fernando Pessoa, Mensagem

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