REUTERS/ANSA/ALESSANDRO DI MEO
Agora que a poeira assentou, a
excepcional situação criada pela resignação do Papa levanta um conjunto de questões
sensíveis, em particular, aos católicos. Logo após a resignação do Papa pelos
motivos que se conhecem, ouviram-se vozes enaltecendo o acto, como sendo um
feito corajoso e perfeitamente aceitável, dadas as circunstâncias pessoais (físicas)
em que o Santo Padre se encontra. Poderíamos dizer contudo, que coragem seria
o Papa ficar no seu lugar até à morte, não obstante o seu sofrimento. A verdade
é que nunca, nos últimos 598 anos, um Papa abandonou a sua cruz. A verdade é
que a Paixão de Cristo encerra a mensagem de que cada um tem a sua cruz para
carregar, que o Salvador carregou a dele
(nas palavras do filósofo Miguel de Unamuno, na sua obra Do Sentimento Trágico da Vida). Que viver também é sofrer*. Assim,
esta abdicação não deixa de ser um sinal de grande fraqueza e crise no seio do
catolicismo. Por isso se compreende a pressa dos sacerdotes em normalizarem uma
situação irregular e que só enfraquece a Igreja.
_______________________________
(*) Consta que, num suposto certame, Homero foi questionado relativamente à melhor coisa que poderia acontecer aos
mortais, ao que o Poeta respondeu que “o
melhor para os mortais que habitam sobre a terra é não nascer; mas tendo
nascido, ultrapassar sem demora os portões do Hades.” (Já aqui fizemos referência a esta questão). O que queria dizer Homero com tão desgraçada
resposta, que não o favoreceu no referido certame? Que viver implica sofrer e
depois morrer, e que, quanto menor for a duração da vida, menor será o
sofrimento. É um ponto de vista difícil de aceitar nos nossos hedónicos tempos,
mas assim é. Viver implica carregar com essa cruz do sofrimento. Ora o Papa não
morreu, mas alijou a sua carga ao descer da cruz. Porém, do ponto de vista de um
católico, não se pode descer da cruz. Ou por outras palavras, não é lá muito
católico descer da cruz.
Quanto à cruz da Igreja, outro a
carregará, pois em breve teremos Papa, mas fica sempre a questão relativa ao
exemplo do Papa que abandonou a cruz antes do momento
habitualmente determinado por Deus – o momento da morte. Terá o Papa contrariado os desígnios de
Deus ao resignar por decisão pessoal e portanto, por decisão humana? Ter-se-á o Homem antecipado a Deus?
Consta que já relampejou na alta cúpula da basílica de São Pedro. Estará Deus zangado?
Como é que se sabe qual é a "cruz" concreta deste Papa? Quem é que sabe? É definida pelos media? Por maioria opinativa? E também tem assim tanta certeza sobre aquilo que chama dos "desígnios de Deus"?
ResponderEliminarGabo-lhe as certezas (tantas. Eu sou um homem de questões e dúvidas: ensinaram-me que a fé é isso mesmo ... Boa semana.
Caro Mar(io) (Ara)ujo
EliminarCertezas também não as tenho assim tantas como diz. Uma que tenho reside no facto de ter passado mais de meio milénio, sem que tal circunstância tenha ocorrido, o que naturalmente poderá constituir uma situação melindrosa numa instituição milenar que é a Igreja.
A questão que coloco, relativa aos "desígnios de Deus", entre outras, não é retórica (de mim para mim), mas é provocatoriamente dirigida aos que crêem.
Eu sei lá se Deus tem desígnios, ou sequer se existe. Mas quem crê, não duvida. Ou duvida? A mim ensinaram-me que a fé move montanhas. Com dúvidas não se movem montanhas.
Com dúvidas hesita-se ante a montanha.
Boa semana também para si.
«A fé em Deus não suprime a procura da verdade. Pelo contrário, dá-lhe alento.» (Bento XVI)Só procura quem ainda não encontrou (a tal certeza ...) Para os católicos a fé não é um dado, é um caminho (de procura, racional e razoável)
ResponderEliminar