Viviane Forrester (1925-2013)
Eis-nos ainda imersos no horror económico. Cada vez mais profundo, na Era de todas as incertezas,
desbaratada que foi toda a confiança. O bom povo, desempregado e envergonhado,
ou sai do país, ou da vida (houve quem se suicidasse, alguns levando os filhos), ou então, resignado, torna-se presa de uma exploração que é, a cada
dia que passa, mais insuportável. Paralisante até. Enquanto isso, um banqueiro, um macho
alfa da nossa Era, profere cinicamente, referindo-se ao povo, “ai aguenta, aguenta”, ao mesmo tempo
que os seus conterrâneos definham…O horror económico é isto. É isto e muito mais...
Viviane
morreu viveu. Fica a sua obra e, infelizmente, o horror económico, que ela tão bem retratou.
***
«Brincadeiras engenhosas! Como a de um
governo anterior que, meses atrás, cantava vitória, delirante, impando:
diminuição do desemprego? Não, de facto. Pelo contrário, aumentara – mais
lentamente, contudo, do que no ano transacto!
Mas enquanto assim se diverte o pagode, milhões de pessoas, e refiro-me mesmo a pessoas, postas entre parênteses, têm direito, por
um período indefinido, talvez sem limite que não a própria morte, à miséria ou
à sua ameaça mais ou menos próxima, e muitas vezes à perda de um tecto, à de
toda a consideração social e mesmo a toda a autoconsideração. Ao drama das
identidades precárias ou naufragadas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha.
Visto que cada um se julga (é encorajado a julgar-se) senhor falido do seu
próprio destino, quando não passou de um número metido por acaso numa
estatística.
(…)
A ignomínia desencoraja qualquer reacção da
sua parte que não seja uma resignação dolorida.
Porque nada enfraquece ou paralisa mais do
que a vergonha. Ela altera radicalmente, deixa sem recurso, permite qualquer
subjugação, reduz os que dela sofrem à condição de presas. Daí o interesse dos
poderes em servir-se dela e impô-la; permite legislar sem oposição e
transgredir a lei sem receio de protestos. É ela que cria o embaraço, impede
qualquer resistência, faz renunciar a todas as clarificações, a todas as desmistificações,
a qualquer confronto da situação. Desvia de tudo o que possibilitaria a recusa
da ignomínia e a exigência de uma responsabilização política do presente. É ela
que permite também a exploração dessa resignação, assim como a do pânico virulento
para cuja criação contribui.
A vergonha devia ter cotação na Bolsa; é um
elemento importante do lucro.»
Viviane
Forrester, O Horror Económico,
Terramar, 1997, pp. 10-13.
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