Quanta história se
cruza nas ruas de Tânger – até a fruta que recebeu nome da cidade fala de
séculos de intercâmbios comerciais e choques culturais. E por causa das frutas,
e da geografia cultural que representam, vem-me à memória uma conversa uma vez
num mercado do Irão. Eu que explicava que era de Portugal. O vendedor de fruta
mostrou-me uma laranja e sorriu: “Ah, portugália”. O nome para “laranja” em
persa era “portugália”.
Tangerinas de Tânger,
laranjas de Portugal – e pelo meio um estreito de mar com a largura de um
milénio de desconfianças, preconceitos, ódios e guerras. Que estúpidos que são
os homens e as coisas em que acreditam.
Gonçalo Cadilhe, África Acima, Oficina do Livro, 2007,
pp. 197-198
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O livro de Gonçalo Cadilhe é para
ler com o auxílio de um bom atlas ou mapa e de uma lupa, para podermos acompanhá-lo no
seu percurso e localizarmos as cidades que atravessa. Li-o num ápice. Consegue
transportar-nos para África, é divertido e faz pensar. Agradeço ao autor.
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Curiosamente acabei de ler o
livro numa semana marcada pela tragédia (mais uma) que se abateu sobre centenas
de africanos que tentavam alcançar a ilha de Lampedusa num barco que ardeu e se
afundou. Morreram centenas de imigrantes, incluindo mulheres grávidas.
Prenhes de África, esperançosas de Europa. Que problema este. Que tragédia.
Estamos pois, muito longe desse
tão apregoado mundo plano, aplanado pela globalização, onde supostamente
existiria igualdade de oportunidades para todos. A globalização capitalista não
é solução porque gera enormes desigualdades socio-económico-espaciais –
polarizações, chamam-lhe os sociólogos - e são estes diferenciais que estão na
origem de todos fluxos, no caso, fluxos de desesperados que pagam muitas vezes
com a vida, a ousadia de sonharem com outra existência, mais promissora do que
a que lhes é oferecida nos poeirentos campos de África.
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