quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Viver à sombra da morte

A maior descoberta feita pela espécie humana, descoberta que a tornou tão especial e sua paz de espírito, sua sensação de segurança, tão difícil de alcançar, foi a da fatalidade da morte, universal, inevitável e intratável, a aguardar todos os indivíduos. O ser humano é a única criatura viva que sabe que vai morrer e que não há como escapar da morte. Nem todos os homens devem necessariamente “viver para a morte”, como afirmou Heidegger, mas todos vivem à sombra da morte. O homem é a única criatura viva que sabe da sua transitoriedade; e como sabe que é apenas temporário, pode — tem que — imaginar a eternidade, uma existência perpétua que, ao contrário da sua, não tem começo nem fim. E uma vez imaginada a eternidade, fica evidente que os dois tipos de existência têm pontos de contato, mas não dobradiças nem rebites.

Zygmunt Bauman, Em busca da Política, Zahar Editores, 2000

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O ser humano parece ser a única criatura viva que presume saber que vive. Mas não sabe quantas criaturas vivas este universo encerra. Sabe que vai morrer, sabe da sua transitoriedade, mas, curiosamente, para si mesmo, o ser humano é um eterno desconhecido. Nem a si mesmo se conhece, o desgraçado. Conhece-te a ti mesmo, dizia o dito do Templo de Apolo. Alguns, mais ousados, ousam dizer ser feitos à imagem e semelhança de Deus. Ora já diziam os antigos, que se os seres humanos tivessem a aparência de asnos diriam o mesmo na sua infinita vaidade.

O ser humano é um presunçoso desconhecido!

Na verdade pouco sabe o ser humano, se é que alguma coisa sabe.
Grande foi Sócrates, que admitiu só saber nada saber.

E o que faz o homem que vive à sombra da própria morte? O que haveria ele de fazer? A única coisa que lhe é concedida fazer: vive! Alimenta-se, dorme, procria, defeca! Tudo à sombra da própria morte! Como se fosse um prisioneiro encerrado na cela da vida.

O ser humano vive, como os outros bichos, quer saiba, quer não saiba da sua própria transitoriedade. Há que viva sem dar por nada e há quem morra sem o saber. O ser humano mais sincero sente a ligeira desconfiança de que a vida lhe oculta uma infinidade de segredos e que são ínfimas as duvidosas certezas que julga possuir.

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