sábado, novembro 05, 2016

Profundo

Caminho durante horas a fio, desviando-me esporadicamente de um borrão de merda de cão.

Don Delillo, Zero K, Sextante, 2016, pág. 264

Delillo caminha pelas cidades, de mãos nos bolsos, ensimesmado, de olhos postos no passeio onde grassa a merda de cão. Leio noutro lugar que os animais domésticos superam já os animais selvagens (*), em número e em massa (omite o narrador, por certo, os insectos, nessa assumpção desesperante). Triste humanidade, rendida a uma natureza artificial que ela mesma criou. Homo Deus nos tornámos! Um pesadelo! Há seres humanos em excesso à superfície da Terra e animais domésticos também. O próprio Homem é já um animal doméstico. E ainda há quem defenda a paródia do Humanismo - esse ser prodigioso que é o Homem - mesmo depois de constatar todo mal que o homem (sim, com letra pequena!) faz a si mesmo e toda a destruição que inflige no jardim que lhe foi legado. Sim, venham de lá agora dizer que este discurso apoia a acção de genocidas que se entretêm a erradicar seres humanos da face Terra. Não se trata disso. Para melhorar o mundo, não tenhamos dúvidas, o primeiro passo é erradicar os genocidas.
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(*) Yuval Harari, Homo Deus: A Brief History of Tomorrow, Harper Collins Publishers, 2016

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