A intolerância, sugere [Umberto]
Eco, «chega antes de qualquer doutrina. Assim, a intolerância possui uma raiz
biológica, manifesta-se no reino animal sob a forma de territorialidade,
baseia-se em reacções emocionais que são, frequentemente, superficiais – não conseguimos
suportar aqueles que são diferentes de nós, por a sua pele ser de outra cor;
por falarem numa língua que não compreendemos; por comerem sapos, cães,
macacos, porcos ou alho; por fazerem tatuagens…»
Umberto Eco citado por
Zygmunt Bauman, “Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017,
pág. 38
"No
one is born hating another person because of the color of his skin or his
background or his religion..."
Nelson Mandela citado
por Barack Obama no Twitter a 13 de
Agosto, em reacção aos confrontos e agressões de Charlottesville entre
supremacistas brancos e manifestantes anti-racismo. @BarackObama
***
O racismo não é inato, como dizia
Mandela, o que faz dele uma questão cultural. O racismo encontra, no entanto,
solo fértil nesse sentimento de intolerância com raízes biológicas, a que se
refere Eco, e que cada um de nós sente de forma primária e superficial. Há quem
explore esse medo perante o desconhecido, essa intolerância, para incutir no
outro a doutrina que proclama a superioridade racial de uns em relação aos
outros. Saber que o racismo tem raízes em reacções emocionais superficiais é
meio caminho andado para erradicá-lo. Os demagogos porém, como refere Bauman,
exploram esse medo perante o desconhecido para expandirem ideologias de ódio:
Os demagogos fundamentalistas,
integralistas, racistas e etnicamente chauvinistas podem, e precisam de, ser
acusados de alimentar uma «intolerância rudimentar» pré-existente e de com ela
lucrar, propagando, assim, as suas reverberações e exacerbado a sua morbidez –
mas não podem ser acusados de causar
o fenómeno da intolerância.
Onde procurar, então, a origem e a força
motriz desse fenómeno? Esta última, a meu ver, será o medo perante o desconhecido – de que os «estranhos» ou «forasteiros»
(por definição insuficientemente conhecidos, muito menos compreendidos, e praticamente
imprevisíveis nas suas condutas e reacções face às nossas próprias jogadas) são
o símbolo mais proeminente, o mais tangível, porque próximo e notório.
Zygmunt Bauman,
“Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017, pág. 39.
Curiosamente esse medo perante o
desconhecido também tem sido ao longo da história explorado para fins de gestação
e propagação religiosa, estando na raiz das religiões que dividem os seres
humanos em diferentes credos. O medo perante o desconhecido é hoje ainda mais dramático,
pois o contexto social e económico em que vivemos aponta no sentido da individualização do individualismo, da quebra dos laços comunitários e sociais e atomização, em que cada indivíduo se
apresenta aos olhos do outro, cada vez mais, como um elemento estranho e suspeito,
alguém que pode ou não encerrar todos os males do mundo (é uma incerteza, um
risco), como uma caixa de Pandora, ou um terrorista. E a questão torna-se ainda
mais paradoxal quando vivemos na era da omnipresença informacional. Cada vez
mais informados mas desamparados perante o desconhecido à nossa porta, na nossa
rua, ao nosso lado.
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