Boaventura de Sousa Santos (2020), A Cruel Pedagogia do Vírus, Edições
Almedina.
óóóóó
Uma pandemia desta dimensão provoca justificadamente comoção mundial. Apesar de se justificar a dramatização, é bom ter sempre presente as sombras que a visibilidade vai criando. Por exemplo, os Médicos Sem Fronteiras estão a alertar para a extrema vulnerabilidade ao vírus por parte dos muitos milhares de refugiados e imigrantes detidos nos campos de internamento na Grécia. Num desses campos (campo de Moria), há uma torneira de água para 1300 pessoas e falta sabão. Os internados não podem viver senão colados uns aos outros. Famílias de cinco ou seis pessoas dormem num espaço com menos de três metros quadrados. Isto também é Europa – a Europa invisível.
Boaventura de Sousa Santos (2020), A Cruel Pedagogia do Vírus
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Antes de mais diga-se que o livrinho
de Boaventura de Sousa Santos é excelente, porque convida à reflexão. Mas não
concordamos com tudo.
O facto de cairmos de paraquedas em
solo europeu não nos torna automaticamente europeus. Estar na Europa não implica
necessariamente ser da Europa ou ser europeu. Para contrariarmos Boaventura de Sousa Santos, quando refere que “Isto também é Europa – a Europa invisível.”
diremos que não é Europa, é antes na Europa. Na fronteira sul da Europa,
no caso. A constatação deste facto deverá aliviar as nossas consciências? Talvez
não. A Europa encontra-se perante um desafio e Boaventura de Sousa Santos
desafia-nos.
Digamos que entre os recém-chegados
à nossa casa há os que fogem do pesadelo da guerra (os refugiados) e há os que
perseguem com ambição um sonho europeu (os imigrantes económicos, muitos deles ilegais). E para tornar as coisas
ainda mais complexas há ainda os que fogem dum pesadelo bélico e acalentam, ao
mesmo tempo, o sonho europeu. Ora defende-se aqui que devem ser acolhidos todos
os que fogem ao pesadelo da guerra, independentemente de acalentarem ou não o
sonho europeu. Defende-se aqui, também, que a dívida moral dos europeus para
com os outros povos do mundo, pelas malfeitorias que os europeus realizaram no
passado, entre as quais se contam a exploração colonial e a escravatura, não é
eterna, ao contrário do que muitos parecem defender, para justificarem a defesa de políticas migratórias de
porta escancarada.
Não, não é Europa, é na
Europa. E sim, é invisível, mas na Europa invisível, porque ninguém para lá vira
o rosto*.
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(*) Temos vergonha em dizer que de lá toda a gente desvia o rosto porque nos vem à memória o gesto que os civis alemães esboçavam quando eram obrigados, pelas tropas aliadas no final da IIª Guerra Mundial, a caminhar entre as pilhas de cadáveres dos campos de concentração: desviavam o rosto.
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