Em nenhuma parte da Europa o
Alemão me aparecera tão nu, tão descoberto, como na Polónia. No decorrer da
minha longa experiência de guerra, tinha-me convencido de que o Alemão não tem
medo do homem forte, do homem armado que o enfrenta com coragem e que lhe faz
frente. O Alemão tem medo dos desarmados, dos débeis, dos doentes. O tema do
«medo», da crueldade alemã como efeito do medo, tornara-se o tema fundamental
de toda a minha experiência. Para quem olhar bem, com inteligência moderna e
cristã, este «medo» inspira piedade e horror, e nunca me tinha suscitado tanta
piedade e tanto horror como na Polónia, onde me aparecia em toda a sua
complexidade o elemento mórbido, feminino, da sua natureza. O que move o Alemão
para a crueldade, para os actos mais fria, mais metódica, mais cientificamente cruéis
é o medo. O medo dos oprimidos, dos desarmados, dos débeis, dos doentes, o
medo dos velhos, das mulheres, das crianças, o medo dos judeus.
Curzio Malaparte (1944), Kaputt, Publicações
Europa-América, 1979, pág. 88.
O desconhecimento e o
desconhecido escondem-se sempre por trás do medo. O medo do outro, esse
desconhecido, pode conduzir, em situação extrema, à agressão, quando pressentimos
no outro uma potencial ameaça, um risco, um perigo. Colocamo-nos em guarda ante
o desconhecido. O outro é um abismo.
Os Alemães pouco participaram das grandes
navegações e dos encontros entre povos e civilizações, iniciadas no século XV. Só quanto os europeus
partilharam a África, no final do século XIX, lhes coube a Togolândia, o
Camarões, a África Oriental (actual Tanzânia) e o Sudoeste Africano (actual
Namíbia). Neste último território ensaiaram o extermínio de povos autóctones e o
funcionamento de campos de concentração*, “solução” que viriam mais tarde a adoptar
largamente na Europa, durante a IIª Guerra Mundial, para fins de extermínio, não
só de judeus, mas principalmente de judeus.
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(*) Sobre as atrocidades dos
Alemães no Sudoeste Africano, ver Niall Ferguson, Civilização: o Ocidente e
os Outros, Civilização Editora, 2012, pp. 205-213.
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