Canção
O último pássaro
canta nos álamos.
A luz fatigada
tropeça nos ramos.
A terra é apenas
memória de lábios.
Ah, canta, canta,
rouxinol da água.
Eugénio de Andrade (1961)
***
Um dos poemas para estes dias é a canção do último pássaro. É difícil discernir o espírito do tempo em que vivemos quando vivemos neste tempo. O que virá? O precipício sobre o mar rumorejante ou a luz dos prados verdejantes? Já cantarão os últimos pássaros neste planeta fatigado, de solo ressequido? Um último rouxinol canta antes da longa noite escura?
O que
virá?
O silêncio.
A Terra nem memória será.
Epílogo
Devastámos a Terra, conspurcámos o mar, poluímos o céu. Nem
as profundezas e os abismos escaparam ao fluxo e refluxo das nossas cloacas.
Nem as mais altas montanhas.
A Terra devastada. O mar conspurcado. O céu poluído. A vida à
beira da extinção.
Depois do canto do último pássaro, sabemos que advirá o
silêncio. Daremos entrada no reino sombrio das criaturas da noite, enquanto remanescerem
criaturas. Uma longa noite, repleta de horrores. Os últimos seres, almas,
espíritos e medos. Mutantes sem memória. E por fim, nem a memória restará.
Soprará o vento nas ruínas das cidades.
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