terça-feira, fevereiro 21, 2023

Os dias do fim

Canção

O último pássaro

canta nos álamos.

A luz fatigada

 tropeça nos ramos.

A terra é apenas

 memória de lábios.

Ah, canta, canta,

rouxinol da água.

 

                                   Eugénio de Andrade (1961)

 

***

Um dos poemas para estes dias é a canção do último pássaro. É difícil discernir o espírito do tempo em que vivemos quando vivemos neste tempo. O que virá? O precipício sobre o mar rumorejante ou a luz dos prados verdejantes? Já cantarão os últimos pássaros neste planeta fatigado, de solo ressequido? Um último rouxinol canta antes da longa noite escura? 


O que virá?

 

O silêncio.

 

A Terra nem memória será.

 

Epílogo

 

Devastámos a Terra, conspurcámos o mar, poluímos o céu. Nem as profundezas e os abismos escaparam ao fluxo e refluxo das nossas cloacas. Nem as mais altas montanhas.

 

A Terra devastada. O mar conspurcado. O céu poluído. A vida à beira da extinção.

 

Depois do canto do último pássaro, sabemos que advirá o silêncio. Daremos entrada no reino sombrio das criaturas da noite, enquanto remanescerem criaturas. Uma longa noite, repleta de horrores. Os últimos seres, almas, espíritos e medos. Mutantes sem memória. E por fim, nem a memória restará.


Soprará o vento nas ruínas das cidades.

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