sexta-feira, abril 10, 2009

Desertos Verdes

Um velho axioma keynesiano da Economia, se assim o podemos chamar, determina que numa economia simples o investimento é também igual à poupança. Numa economia ligeiramente mais sofisticada os investidores financiam o seu investimento através do recurso a empréstimos de indivíduos que poupam (Dornbush, Fisher, Startz, 1998). Logo, para que o equilíbrio se mantenha e para que a identidade seja satisfeita, o crédito concedido deve igualar a poupança. Nas sociedades de consumo, fundadas cada vez mais no crédito ao consumo, esta premissa deixou de se verificar. Os indivíduos passaram a afectar a maior parte do seu rendimento, se não todo, ao consumo. O crédito concedido deixa de ter correspondência com a poupança. Os bancos, contudo, em vez de apelarem à poupança, continuam no entanto a apelar à contracção de crédito aumentando o desequilíbrio no “sistema”económico. O crédito concedido passa então a fundamentar-se, não nas poupanças, mas na produção de dinheiro nas rotativas dos bancos centrais e no endividamento dos estados. Mas esse crédito tem de ser ressarcido através de um acréscimo do investimento. Tem de haver crescimento económico. E o que faz o investidor? A necessidade aguça o engenho. O investidor vira-se para o mundo e parte em busca do capital necessário ao pagamento do juro e que lhe garanta simultaneamente o lucro que almeja. É desta forma que florestas inteiras desaparecem no Paraguai para darem lugar a vastas extensões de campos de soja: os desertos verdes.
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Dornbush, R.; Fischer S.; Startz R. (1998); Macroeconomia; McGraw Hill, 7ª edição, pág. 28.

sexta-feira, abril 03, 2009

A Economia Fundada no Crédito e o Saque do Mundo

«Os europeus de 1500 não são mais ávidos, nem mais cruéis, nem mais capazes do que qualquer linhagem antes deles. Mas têm um gosto pelo risco – quer dizer, têm mais desejo de conceder crédito, do lado dos credores, e estão mais dependentes do crédito do lado dos devedores, o que corresponde a uma mudança de paradigma económico, que passa da exploração antiga e medieval dos recursos a economias mais fundadas no investimento. Com este tipo de acção económica, a ideia dos juros a pagar dentro do prazo é convertida em assunções de risco práticas e em invenções e técnica. A empresa é a poesia do dinheiro. Tal como a necessidade aguça o engenho, o crédito estimula a empresa.

Ora, como o exterior é também o futuro e o futuro pode ser apresentado
post mundum inventum como espaço de onde provém o saque, a riqueza e a bem-aventurança, os primeiros empresários comerciais excêntricos desencadearam essa tempestade de investimentos em direcção ao exterior que, no espaço de um milénio, havia de dar origem ao desenvolvimento do ecúmeno capitalístico-informático actual. (…) O lucro significa doravante [desde a época de Colombo] o dinheiro que alguém arriscou e que regressa à sua conta original após ter dado a volta aos oceanos.»

Peter Sloterdijk (2005), Palácio de Cristal, Para Uma Teoria Filosófica da Globalização, Relógio de Água, pág. 59.

quinta-feira, abril 02, 2009

A Crise da Burguesia

«Nas crises declara-se uma epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas anteriores – a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se de repente retransportada a um estado de momentânea barbárie; parece-lhe que uma fome, uma guerra de destruição generalizada lhe cortaram todos os meios de subsistência; a indústria, o comércio parecem-lhe aniquilados. E porquê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, indústria em excesso, comércio em excesso. (…)

E como supera a burguesia as suas crises? Por um lado, pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de mercados velhos. Como então? Preparando crises mais generalizadas e mais graves, e reduzindo os meios para prevenir as crises. »

Marx, Karl (1848); «Manifesto do Partido Comunista» in Braga da Cruz (org.) Teorias Sociológicas (Antologia de Textos), Fundação Calouste Gulbenkian, 4ª edição, pág.66.
Vivemos na era em que se assiste à capitalização de quase tudo. Já não existem novos mercados a conquistar. Essa válvula de escape da burguesia investidora desapareceu.

domingo, março 15, 2009

Das Guerras Distantes

«Com efeito, poucas grandes expedições, seja de helenos, seja de bárbaros, quando efectuadas contra lugares muito distantes das cidades que as empreendem foram bem sucedidas.»

Palavras de Hermócrates, habitante de Siracusa, no século V a.C., alertando os seus conterrâneos para a vinda da expedição de Atenas. Citado por Tucidides em História da Guerra do Peloponeso

«Embora os regimes dos talibãs e de Saddam Hussein tenham sido rapidamente derrubados, nenhuma das duas guerras levou a uma vitória, e os objectivos anunciados no início não foram de modo algum alcançados: o estabelecimento de regimes democráticos em sintonia com os valores ocidentais, transformando-os numa luz ao longe para outras sociedades da região ainda não democratizadas. Ambas, mas sobretudo a catastrófica guerra no Iraque, revelaram-se longas, sangrentas e destruidoras em massa, e continuam ainda, à data do presente escrito, sem uma previsão de conclusão

Hobsbawm (2007); Globalização, Democracia e Terrorismo, Editorial Presença

sábado, março 07, 2009

A Era Global


«Cruzar-se contra a “mundialização” ou mesmo contra a “globalização” tem o mesmo sentido que lutar contra a lei da gravidade. Estamos nela e vivemos nela e dela. A única questão é conciliá-la com a democratização do mundo…»

Eduardo Lourenço, entrevista ao Diário de Notícias, 27 de Julho de 2001

«Com o estabelecimento do sistema monetário internacional de Bretton Woods, em 1944, a globalização terrestre pode considerar-se completa; mas, seja como for, ficou terminada o mais tardar nos anos 60 e 70 com a instalação de uma atmosfera electrónica e uma envolvência de satélites na órbita terrestre.»
Peter Sloterdijk (2005), Palácio de Cristal – Para Uma Teoria Filosófica da Globalização, Relógio D’Água

A globalização passou à história. A história passou à história. A modernidade passou à história. O choque de civilizações, contudo, prossegue. Tratam-se de fricções tão imperceptíveis como o deslizar das placas tectónicas. Por vezes, lá surge um foco de tensão, um ponto de ruptura, um sismo, um tsunami, aqui e ali…

Esta é a Era Global, pós-histórica, pós-moderna e do conflito civilizacional.

sábado, fevereiro 28, 2009

Socialismo bichoso

Três anos de neoliberalismo e um para tirar apressadamente o “socialismo” da gaveta, que os tempos mudaram. São estes os nossos “socialistas” e o seu “socialismo” já bichoso de tanta traça.

São indisfarçáveis os efeitos da sua governação neoliberal. Agora de nada lhes adiantará bater no peito e acenar novas bandeiras, como se nada tivessem com o neoliberalismo que nos trouxe até aqui.

domingo, fevereiro 08, 2009

O regresso dos anos sombrios

O desemprego alastra como uma peste e nós agora, nem sequer podemos abandonar a cidade e procurar lugares mais sadios, como noutros tempos. A praga é geral. Eis o fruto do capitalismo tardio, essa forma de organização económica e social que já nos trouxe paz, prosperidade e segurança, em tempos idos, quando tinha sido corrigido nas suas crises cíclicas, após a de 1929. Chegados os anos 70 do século XX, apagou-se a memória, abraçou-se o neoliberalismo e o monetarismo. Resultado: voltámos às velhas crises cíclicas. Os governantes dos países desenvolvidos estão em pânico: já não conseguem assegurar os interesses dos poderosos que os colocaram nos governos dos Estados. Utilizam agora os contribuintes como fiadores e transferem avultadas quantias para esse buraco negro, insaciável e ganancioso, que se tornou o mundo da alta finança e da especulação bolsista.

Há que procurar uma nova forma de organização económica e social, nem que seja abalando o status quo. Este capitalismo, que se alimenta do desemprego de milhões já não nos serve.

domingo, janeiro 11, 2009

Faixa de Gaza

Sob um céu azul,
Grito amor!
Não reparas na dor que sinto,
Tão perto que estás?

A liberdade é um navio,
E tu viajas amarrada ao seu mastro.

Quanto a mim,
Não existem amarras que me prendam.
Ainda que o tempo seja um tormento,
E os dias um torpor.

Mas a viagem é a minha casa,
E os teus lábios o meu luar.

Da vida não me arrastarão. Lutarei.
A terra é fria.
A morte que espere.

Ainda que os tiros varram este céu,
É só pelos teus lábios que morro.

quarta-feira, dezembro 31, 2008

O Dever de Ser Feliz

«O que se desenha no horizonte? – Um século das horas extraordinárias, da dúvida, da fuga massiva. Mas não vale a pena lamentar-se e é indecoroso baixar a cabeça. O dever de ser feliz é mais válido do que nunca em tempos como os nossos. O verdadeiro realismo da espécie consiste em não esperar menos da inteligência do que se exige dela.»

Peter Sloterdijk (1993), O Estranhamento do Mundo, Relógio D’Água, pág. 220.

Seria fácil demais virar o olhar para o lado sombrio dos nossos tempos e relembrar todas as desgraças. Seria fácil demais embrenharmo-nos na noite escura e questionar a ousadia da nossa festa. Festejemos! Iluminemos a noite com os nossos fogos, fátuos ou não. Lancemos alguma luz no céu sombrio e dancemos até ao raiar da aurora.

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