domingo, janeiro 16, 2011

Sevilha é uma torre

Sevilha, 15 de Janeiro de 2011

Laranjas de Sevilha

Sevilha, 15 de Janeiro de 2011


Poema de la saeta: Sevilla

Sevilla es una torre
llena de arqueros finos.

Sevilla para herir.
Córdoba para morir.

Una ciudad que acecha
largos ritmos,
y los enrosca
como laberintos.
Como tallos de parra
encendidos.

¡Sevilla para herir!

Bajo el arco del cielo,
sobre su llano limpio,
dispara la constante
saeta de su río.

¡Córdoba para morir!

Y loca de horizonte,
mezcla en su vino
lo amargo de Don Juan
y lo perfecto de Dioniso.

Sevilla para herir.
¡Siempre Sevilla para herir!

Frederico Garcia Lorca

***

Poema da seta: Sevilha

Sevilha é uma torre
plena de arqueiros finos.

Sevilha para ferir.
Córdova para morrer.

Uma cidade que espreita
por longos ritmos,
e os enrosca
como labirintos.
Como talos de parra
acesos.

Sevilha para ferir!

Debaixo do arco do céu,
sobre o seu plaino limpo,
dispara a constante
seta do seu rio.

Córdova para morrer!

E louca de horizonte,
mistura no seu vinho
a amargura de Don Juan
e a perfeição de Dioniso.

Sevilha para ferir.
Sempre Sevilha para ferir!

Frederico Garcia Lorca

terça-feira, janeiro 11, 2011

Floresceram, uma vez mais

Ouvi!

Soturnos homens das cidades

Que avançais cabisbaixos,

Temerosos com o F.M.I.


As amendoeiras que povoam o vosso solo pátrio

Ousaram florescer uma vez mais,

À revelia dessas coisas banais

Que vos atormentam a alma.


Em breve,

Os campos do Sul

Explodirão em flores multicolores.

Só faltarão os amores.


Pois que venham também

Passear entre as flores...

Antes que cheguem os homens

Do F.M.I.


domingo, janeiro 09, 2011

O FMI, os credores e as boas notícias do PM

Penso que toda a gente já percebeu que os credores de Portugal, os especuladores financeiros, os “mercados”, farão tudo o que estiver ao seu alcance para forçar a entrada do FMI no país, nem que para isso tenham de fabricar um aumento artificial das taxas de juro da dívida. É a forma que têm de ver garantido o pagamento dessa mesma dívida, com o menor risco possível e atempadamente. Se Portugal ameaça não poder pagar, então que pague o FMI e Portugal depois que se entenda com o FMI. E é óbvio que se estão nas tintas para as “boas notícias” que o primeiro-ministro deu no Parlamento.

Eles querem é o dinheirinho e rapidamente.

São uns pândegos, estes credores de Portugal.

domingo, janeiro 02, 2011

Pôr-de-Sol, Primeiro de Janeiro, Cabo Raso

Não te deixarei só.

Agora que o mundo exulta

E os sinos dobram

E os relógios marcam a hora

De um novo amanhecer.

No quarto vazio, (se estiveres num quarto vazio),

Observa a lua da tua janela (mesmo que não tenhas uma janela).

Asseguro-te daqui:

Não estarás só ao dobrar da hora.

Também eu estarei por aqui.

sexta-feira, dezembro 31, 2010

Grandes aberturas: Ilíada


Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.”

Homero, Ilíada, Edições Cotovia, 2005

A cólera, como bem notou Sloterdijk*, vem no princípio desse poema-força que é a Ilíada, logo no “início da primeira frase do património europeu”. É ela que move as acções dos heróis, que, por ela possuídos, se lançam na fogueira da violência extrema. É ela que move Aquiles, um prodígio em combate. O herói, na verdade, é a cólera personificada. Mas não só Aquiles: Ajax, outro herói de Tróia, é um Quixote da Era Clássica que degola os animais saqueados pelo exército, num acesso de loucura colérica, julgando ver neles os chefes gregos que lhe negaram a herança de Aquiles, como nos conta Sófocles na sua tragédia.

***

Pois bem, a cólera nunca abandonou a Europa. Sempre viveu aqui. Que o digam as vítimas dos conflitos do século XX, por exemplo, quando ela tomou novamente conta dos povos e os lançou, uns contra os outros. Que o digam as vítimas da Revolução Francesa e as vítimas de todas as revoluções e rebeliões. As explosões revolucionárias são movidas pela cólera: mais uma vez, como nos lembra Sloterdijk, “não são os seres humanos que possuem as suas paixões, mas antes as paixões que possuem os seus seres humanos” (p. 19).

Na Europa, por vezes, a cólera mantém-se durante um longo tempo adormecida, é certo, mas torna sempre a acordar ou é acordada pelos homens, inadvertidamente. Agora que 2011 se aproxima, receio que estejamos ante um desses momentos. Poderá ser um ano de rebeliões (porque em democracia), porque os europeus estão a ser empurrados para a acção e para o desespero, resultado de políticas neoliberais abraçadas pelos seus governos e impostas por um directório não democrático com sede em instituições não democráticas da União Europeia.

Será 2011, um ano de rebeliões na Europa e de revoluções fora dela?

Aguardemos placidamente que o vento comece a soprar.
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(*) Peter Sloterdijk, Cólera e Tempo, Relógio D’Água, 2010

quarta-feira, dezembro 29, 2010

O último tratado de Tony Judt (1948-2010)

Como cidadãos de uma sociedade livre, temos o dever de olhar o mundo criticamente.

Toni Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, Edições 70, 2010, p. 219

Um pequeno livro. Um portento!

Obrigado Tony Judt.

Que descanse em paz.

terça-feira, dezembro 28, 2010

Grandes aberturas: Viagem ao Fim da Noite


«Isto começou assim. Eu não tinha dito nada. Nada. Foi Artur Ganate quem me fez falar. Artur, estudante de medicina, como eu, um camarada. Encontrámo-nos, por sinal, na Praça de Clichy. Depois do almoço. Quer-me falar. Escuto-o. «Não fiquemos cá fora! – diz-me. – Entremos!» E pronto, entro com ele. «É que esta esplanada, sabes, é para gente bem! Vamos por aqui!» Nesse momento reparamos ainda que as ruas estão desertas por causa do calor. Nem um carro, nada. Quando faz muito frio também não se vê ninguém nas ruas. Fora ele próprio, lembro-me bem, a dizer a tal respeito: «Os habitantes de Paris dão-me sempre a impressão de estarem ocupados, mas na verdade passeiam de manhã à noite; a prova disso é que logo que o tempo não está bom para passear, muito frio ou muito quente, ninguém mais os vê, todos eles recolhidos a tomar cafés-creme ou cervejas. É como te digo. O século da velocidade! – afirmam. Onde está ela? Grandes transformações! – anunciam. Onde? Na realidade nada mudou. Continuam todos a admirar-se mutuamente e pronto. E também isto não é novo. As palavras, e assim mesmo não muitas, é que mudaram! Duas ou três aqui e ali, insignificantes…» Então, muito orgulhosos por termos feito repicar estas úteis verdades, ali continuámos sentados e encantados a olhar as mulheres, dentro do café.»
(…)
«A guerra aproximava-se de nós sem que tivéssemos dado conta disso, e a minha cabeça também já não estava muito boa.»
(…)
«Foi então que mesmo ali à frente do café onde estávamos sentados começou a passar um regimento, com o coronel à frente, a cavalo, e por sinal tinha esse coronel um ar simpático e bastante folgazão! Senti logo um impulso de entusiasmo.»
(…)
«Depois marchámos durante muito tempo. Havia ruas e mais ruas e também, dentro das casas, os civis e as suas mulheres que nos gritavam encorajamentos, que nos atiravam flores, das esplanadas, das estações e das igrejas repletas. Quantos patriotas por ali havia! Mas depois passou a haver menos patriotas…A chuva começou a cair, e então cada vez menos e por fim nenhum encorajamento, nem um só pelo caminho.
E não é que estávamos já sozinhos? Uns atrás dos outros? A música parou. «Em resumo – disse para mim próprio quando vi como a coisa estava a correr -, já não tem graça! É mesmo de voltar para trás!» Ia safar-me, porém demasiado tarde! Haviam tornado a fechar a porta de mansinho atrás de nós, civis. Fôramos apanhados que nem ratos.»

Céline, Viagem ao Fim da Noite, Círculo de Leitores, 1989

***

Céline e a sua grande obra introduzem-nos no espírito do tempo pouco antes do início da Grande Guerra. A história começa nos cafés de Paris, na iminência de uma guerra para onde marcharam alegremente os jovens soldados da velha Europa, entre os quais Bardamu. Nem sabiam o que os esperava. Caíram na guerra, como quem cai numa ratoeira. Desta forma, foi fácil entrar na guerra; difícil foi sair dela. O século XX, confirmou-se depois, foi também o século da velocidade e das grandes mudanças. Após a Grande Guerra o mundo jamais seria o mesmo, tal foi a mudança induzida. Mas nos primeiros anos da Grande Guerra, os soldados e os carros atolavam-se nos lamaçais e nas trincheiras. Só com a entrada da América na guerra é que a velocidade chegou e o impasse das trincheiras foi vencido.

Não tenham medo!

«Começámos uma época de medo. A insegurança voltou a ser um ingrediente activo da política nas democracias ocidentais. Insegurança gerada pelo terrorismo, é claro; mas também, e mais insidiosamente, medo do ritmo incontrolável da mudança, medo de perder o emprego, medo de perder terreno para os outros numa redistribuição de recursos cada vez mais desigual, medo de perder o controlo das circunstâncias e rotinas da nossa vida diária. E talvez, sobretudo, medo de que talvez não sejamos só nós que já não conseguimos moldar as nossas vidas, mas que também que quem manda tenha perdido o controlo, para forças fora do seu alcance.»

Toni Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, Edições 70, 2010, p. 203

Ao ler este trecho do excelente texto de Tony Judt, escrito no ano da sua morte, lembrei-me das palavras de João Paulo II, no discurso inaugural do seu pontificado: “Não tenham medo!”. Actual, portanto. Se nos querem amedrontar, sejamos bravos e corajosos. Oponhamos a coragem ao medo. Agora, mais do que nunca.

Coragem contra a repressão. Coragem contra a opressão. Coragem contra a reacção, agora mais forte do que nunca. Coragem contra a supressão do debate democrático. Coragem contra esta política do medo. Coragem para questionar este caminho único que nos querem impor. Coragem para viver.

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