segunda-feira, fevereiro 21, 2011

A avançada neoliberal sobre a educação

A ideologia neoliberal defende que deverá ser o mercado a ditar as regras da sociedade e não o contrário (Encyclopedia of Human Geography, Sage, 2006, pág. 330).

Neste momento a educação universitária está na mira de grupos de interesses neoliberais, em particular, nos países do Ocidente, com destaque para a Itália e Reino Unido. A grande questão que se coloca é a seguinte: quem deverá suportar os custos com a educação dos jovens universitários e investigadores: os contribuintes, ou seja, a sociedade no geral, ou os próprios estudantes e investigadores? Acontece que esta segunda hipótese – a de serem os próprios estudantes e suas famílias a terem de suportar os custos dos seus estudos – vem acentuar as desigualdades de oportunidade entre estudantes ricos e estudantes pobres e veda o acesso ao ensino superior a muitos jovens dos grupos socialmente mais desfavorecidos que não terão outra escolha a fazer senão a de trabalhar, abandonando dessa forma os estudos. Além disso, contribui para perpetuar uma estrutura social desigual e para obstaculizar a mobilidade social.

Aventa-se a hipótese, no Reino Unido e em Itália, dos estudantes das famílias sem condições financeiras contraírem dívidas juntos dos bancos para prosseguirem estudos. À entrada da vida profissional, estes estudantes, ao contrário dos mais abastados, terão de suportar o fardo da dívida, mais os juros, a pagar aos bancos, como se fossem escravos ou servos da gleba.

Neste domingo que passou (20-02-2011), na TVI, o professor Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado por três estudantes de 18 anos sobre o prosseguimento de estudos, a uma das quais o professor disse que actualmente a licenciatura de três anos equivale a um antigo bacharelato, tendo-a aconselhado a realizar o mestrado, dado que esse grau, actualmente, equivale a uma antiga licenciatura. Ora tal significa uma coisa muito simples: o ensino superior degradou-se na sua qualidade a partir do momento em que o Tratado de Bolonha implicou a redução do período da licenciatura para três anos e os Estados se furtaram a terem de suportar a educação superior dos estudantes por mais um ano.

Mas o que é mais significativo foi o professor ter dito à estudante que, se não tivesse condições financeiras para realizar o mestrado, então teria de trabalhar em simultâneo, ou então, uma outra hipótese, dizemo-lo agora nós, passaria pela contracção de uma dívida junto a um banco ou instituição financeira para poder pagar os seus estudos. Pressupõe-se, por outro lado, que se a estudante, ou a sua família, tivessem condições financeiras, ou seja, se pertencessem às elites ou a “boas famílias”, então a jovem poderia dedicar 100% do seu tempo ao estudo e à investigação, o que a colocaria em vantagem relativamente aos jovens que não se encontram a estudar a tempo inteiro, por terem de trabalhar.

Ora este sistema favorece os mais ricos e penaliza os mais pobres. O filho do rico, tem o caminho aberto e o do pobre (aquele a que a nossa sociedade apelidou tristemente de “borra botas”, porque os que borravam as botas trabalhavam a terra e eram rudes) só tem pela frente obstáculos e está condenado a ser pobre e endividado.

Quem ganha com tudo isto? É simples: as elites, que perpetuam desta forma a sua posição no topo da estrutura social, e os bancos, que ganham novos mercados, à custa destes novos escravos do século XXI que são os endividados.

Quem perde? Os pobres e a maior parte da sociedade.

[Ao que um neoliberal responderá: A sociedade? O que é isso? Isso existe? Para a neoliberal Margaret Tatcher a sociedade era uma construção artificial, ou seja, não existia.]

domingo, fevereiro 13, 2011

A cidade moderna e a modernidade

A Spring Morning, Haverstock Hill, George Clausen, 1881

Diferentes grupos sociais partilham os novos espaços construídos da cidade em modernização.

A cidade moderna era uma “cidade de mobilidade social, lugar de contrastes entre riqueza e privação, das residências espectaculares dos burgueses noveaux riches aos cidadãos que contavam apenas consigo próprios para viverem entre os detritos da vida urbana. Era também uma cidade caracterizada pela perpétua transformação, com novas ideias, tecnologias e práticas que constantemente transformavam a relação entre as pessoas bem como o seu lugar, situado num ambiente de rápida transformação urbana.”

Phil Hubbard, The City, Routledge, 2006, pág. 12.

«Ser moderno é encontrarmo-nos num ambiente que nos promete aventura, poder, regozijo, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo – e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que possuímos, tudo o que conhecemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernas atravessam todas as fronteiras geográficas e de etnicidade, de classe e de nacionalidade, de religião e de ideologia: neste sentido, a modernidade, pode dizer-se, une toda a humanidade. Mas é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade; lança-nos a todos num turbilhão de perpétua desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte do universo acerca do qual Marx disse: “tudo o que é sólido dissolve-se no ar”.»

Berman, All That is Solid Melts into Air: The Experience of Modernity. Verso. 1983 [citado por Phil Hubbard, The City, Routledge, 2006, pág. 13.]

sábado, fevereiro 05, 2011

O outro lado do Mediterrâneo

Nos idos anos 90, mais precisamente em 1990, a revista Nação e Defesa reproduzia um artigo de José Manuel Nazareth em que o demógrafo já alertava para os tempos que se avizinhavam no Norte de África. A região, nessa altura, enchia-se de gente jovem, à custa de índices de fecundidade elevadíssimos, da ordem dos seis filhos por mulher, e o emprego e a qualidade de vida eram (e continuam a ser) comparativamente menores em relação ao Norte do Mediterrâneo. Estavam então reunidos os ingredientes para que daí a uns anos ocorresse a explosão social a que agora se assiste.


Volvidos 20 anos, e num momento de crise económica, quando a válvula de escape da emigração já não funciona, o Norte de África transforma-se numa panela de pressão social em explosão. Tunísia e Egipto já explodiram, mas para quando a Argélia, Marrocos e a Líbia? É preciso lembrar também que há muito, a margem oriental do Mediterrâneo fervilha de agitação, no Líbano, na faixa de Gaza (Palestina) afectando também o estado vizinho de Israel. Mas agita-se também a Jordânia e o Iémen, este na península Arábica.


Toda esta importante região projecta ondas de choque que alastram ao mundo. E é para esta região que se voltam os olhares do mundo.

***

Encontrado o artigo de José Manuel Nazareth, cá vai um excerto:

«A Europa ainda não tomou consciência da evolução demográfica contrastada que existe de um lado e de outro do Mediterrâneo. Existe um autêntico colapso demográfico no norte (a fecundidade da Europa dos doze é de 1,6 filhos por mulher) e uma expansão sem precedentes no lado sul (em média seis filhos por mulher).

Alguns números absolutos começam a ser preocupantes sob o ponto de vista europeu…a Europa dos doze tem anualmente 3,8 milhões de nascimentos para 321 milhões de habitantes, ou seja, o mesmo número de nascimentos da Turquia e do Egipto, que totalizam apenas 97 milhões de habitantes. Em 1950, a parte Norte do Mediterrâneo tinha um total de 140 milhões de habitantes, ou seja, metade dos habitantes da região que se estende de Marrocos ao Bósforo. Nos dias de hoje estas duas regiões têm o mesmo número de habitantes – cento e setenta milhões de habitantes de cada lado – mas já está escrito o que será o futuro, ou seja, o início do próximo século, quando nascem por ano cerca de dois milhões de crianças ao norte e mais de sete milhões no sul. Ficaremos amanhã com cento e setenta milhões de habitantes para fazer face a trezentos e sessenta milhões de habitantes “do outro lado do Mediterrâneo” aos quais se juntará a pressão dos restantes povos do continente africano, que será superior a um milhar de milhão de habitantes nos próximos trinta anos.

É neste enquadramento que teremos de situar a Europa, a CEE e o nosso país face à África do Norte. Esta última região, considerada no seu todo, tem por ano mais um milhão de nascimentos do que a Europa dos Doze, numa população que globalmente representa um terço. Dentro de algumas dezenas de anos a sua população ultrapassará a da Comunidade.

Evolução da População da Comunidade Económica Europeia e da África do Norte, de 1960 ao ano 2025 (em milhões)

Ano

CEE

África do Norte

1960

1975

1985

2000

2025

279,9

312,2

321,6

323,8

306,4

51,8

93,8

123,0

175,6

260,8

Fonte: Ramsés 87/88

Também são igualmente preocupantes os contrastes estruturais…que podem conduzir à tentação da complementaridade forçada: por um lado, temos um excedente enorme de idosos em relação às capacidades de financiamento dos sistemas de segurança social; por outro lado, temos, no Norte de África, um excedente de jovens em relação à capacidade de absorção do sistema produtivo.

(…)

Se, nos dias de hoje, a região de maior imigração é os Estados Unidos da América do Norte, amanhã essa região poderá ser a Europa. Não é uma novidade. Porém, a pressão demográfica será incomparavelmente superior devido à disparidade existente nos níveis de vida.»

José Manuel Nazareth, “A problemática demográfica portuguesa no contexto europeu”, Nação e Defesa, Agosto, 1990


domingo, janeiro 30, 2011

"Enfim, livres!"

O que se está a passar agora no Norte de África, mais precisamente na Tunísia e no Egipto, não nos surpreende. Há muito que demógrafos e geopolíticos nos vinham avisando desta eventualidade. Recordo-me de um texto de José Manuel Nazareth, na revista Nação e Defesa, do início dos anos 90 (que infelizmente não encontro agora) em que o excelente demógrafo, agora jubilado, já então alertava para a futura instabilidade política do Norte de África, associando os elevados índices de fecundidade registados com as elevadas taxas de desemprego entre os jovens.

E não é que tudo agora começou com a auto-imolação de um licenciado desempregado na Tunísia, num momento de crise económica generalizada…

Mas observemos atentamente a foto acima: são os jovens que seguram as bandeiras da revolução. “Enfim, livres!”, escrevem eles nas paredes. Esperemos que desta vez os revolucionários não sejam tragados pela sua própria revolução.

Atentemos.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

Ainda Sevilha

Sevilha, 15 de Janeiro de 2011

domingo, janeiro 16, 2011

Sevilha é uma torre

Sevilha, 15 de Janeiro de 2011

Laranjas de Sevilha

Sevilha, 15 de Janeiro de 2011


Poema de la saeta: Sevilla

Sevilla es una torre
llena de arqueros finos.

Sevilla para herir.
Córdoba para morir.

Una ciudad que acecha
largos ritmos,
y los enrosca
como laberintos.
Como tallos de parra
encendidos.

¡Sevilla para herir!

Bajo el arco del cielo,
sobre su llano limpio,
dispara la constante
saeta de su río.

¡Córdoba para morir!

Y loca de horizonte,
mezcla en su vino
lo amargo de Don Juan
y lo perfecto de Dioniso.

Sevilla para herir.
¡Siempre Sevilla para herir!

Frederico Garcia Lorca

***

Poema da seta: Sevilha

Sevilha é uma torre
plena de arqueiros finos.

Sevilha para ferir.
Córdova para morrer.

Uma cidade que espreita
por longos ritmos,
e os enrosca
como labirintos.
Como talos de parra
acesos.

Sevilha para ferir!

Debaixo do arco do céu,
sobre o seu plaino limpo,
dispara a constante
seta do seu rio.

Córdova para morrer!

E louca de horizonte,
mistura no seu vinho
a amargura de Don Juan
e a perfeição de Dioniso.

Sevilha para ferir.
Sempre Sevilha para ferir!

Frederico Garcia Lorca

terça-feira, janeiro 11, 2011

Floresceram, uma vez mais

Ouvi!

Soturnos homens das cidades

Que avançais cabisbaixos,

Temerosos com o F.M.I.


As amendoeiras que povoam o vosso solo pátrio

Ousaram florescer uma vez mais,

À revelia dessas coisas banais

Que vos atormentam a alma.


Em breve,

Os campos do Sul

Explodirão em flores multicolores.

Só faltarão os amores.


Pois que venham também

Passear entre as flores...

Antes que cheguem os homens

Do F.M.I.


domingo, janeiro 09, 2011

O FMI, os credores e as boas notícias do PM

Penso que toda a gente já percebeu que os credores de Portugal, os especuladores financeiros, os “mercados”, farão tudo o que estiver ao seu alcance para forçar a entrada do FMI no país, nem que para isso tenham de fabricar um aumento artificial das taxas de juro da dívida. É a forma que têm de ver garantido o pagamento dessa mesma dívida, com o menor risco possível e atempadamente. Se Portugal ameaça não poder pagar, então que pague o FMI e Portugal depois que se entenda com o FMI. E é óbvio que se estão nas tintas para as “boas notícias” que o primeiro-ministro deu no Parlamento.

Eles querem é o dinheirinho e rapidamente.

São uns pândegos, estes credores de Portugal.

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