domingo, outubro 09, 2011

Um livro: Da Utopia à Fronteira da Pobreza

O mais lúcido e experiente perscrutador português da realidade mundial no campo das relações internacionais, da geopolítica e da situação portuguesa no mundo, entre outras realidades, publicou agora um pequeno livro cuja leitura deveria ser incontornável para todos aqueles que se iniciam no estudo destas coisas e também para os que gostam de dar opiniões fundamentadas na blogosfera e nos media. Podemos não trilhar os mesmos caminhos ideológicos ou políticos, contudo há que reconhecer que Adriano Moreira, agora com a provecta idade de 89 anos, e tendo atravessado vários regimes (ditatorial, democrático) e vários contextos – guerra mundial e colonial, guerra fria, queda do bloco comunista a Leste, ascensão unilateral da hiperpotência americana, decadência da Europa, com os países ditos periféricos do sul a serem agora abrangidos pelo limite abarcador da pobreza do mundo, emergência de novas e velhas potências na primeira década do século XXI – possui um capital de experiência e saber que não se compadece com as leituras ligeiras e superficiais que alguns jovens realizam actualmente sobre Portugal, a Europa e o Mundo. Adriano não é um menino. O livro em causa, sendo uma colecção das mais recentes palestras (à excepção de um artigo de 1973), sintetiza de forma brilhante os conceitos e ideias dos quais o autor se serve para ler o mundo. E que bem ele o lê! Uma voz a ouvir com atenção portanto.

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Um excerto:


O mundo habitual voltou a desaparecer, e ainda que os rituais do costume permaneçam, as balanças de poder – poder económico, poder financeiro, poder científico, poder militar – individualizam-se de maneira que dificilmente qualquer Estado os poderá ter todos à sua disposição.

(…)

Lembremos que a ciência deu as maiores contribuições para a mudança, a começar, infelizmente, pelo domínio do poder nuclear, mas essa mudança final tem corolários extremamente inquietantes: a população mundial cresce; a distância entre pobres e ricos aumenta; a fome e a má nutrição inquietam; a educação é uma fronteira entre o sul e o norte do mundo; as megapoles caminham para 25 com 7 a 25 milhões de habitantes; poucos países têm acesso aos resultados da investigação científica; a chamada «life industry» apodera-se do património genético da humanidade; mais de cinquenta milhões de refugiados vivem penosamente em refúgios sem condições; o poder da chamada cultura mundial afecta o singular e o universal, de tal modo que a queda do antigo domínio do mundo alimentou neste campo a tese do choque de civilizações; os ocidentais dividem-se sobre o tipo de ordem no mundo (europeísmo versus americanismo); a disseminação de armamentos, potenciada pela privatização da segurança e da guerra, cresce; as finanças e a economia, livres de poderes reguladores, conduziram ao desastre económico e financeiro que todo o globo enfrenta, sem responsáveis assumidos, invocando uma ciência que culpa o sistema, mas não a falta de ética, por esta espécie de caos mundial.

A natureza manifesta a inquietante ira dos Deuses que parecem vingar-se das agressões que o abuso da tecnologia, sem valores, produziu no globo; o nacionalismo defensivo cresce contra a sonhada democracia mundializada; a informação mundial produz opiniões públicas frequentemente sem relação com os factos, e provocando conflitos; as igrejas institucionalizadas vêem diminuir os que afirmaram pertencer-lhes, aumenta todavia um apelo descontrolado às transcendências; a confiança entre governantes e governados é atingida em número excessivo de países, e também atingida gravemente nas sociedades civis ocidentais.”

Adriano Moreira (2011), Da Utopia à Fronteira da Esperança, INCM, 2011. Pág. 75-76.

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Não esquecemos aqui o facto de Adriano em tempos idos, salvo erro, nos anos 60 do século passado, se ter deslocado ao Brasil para condecorar Agostinho da Silva, que então ensinava na Universidade de Brasília, pela obra feita em terras de Vera Cruz. É que Agostinho da Silva andava, na altura, de candeias às avessas com o Regime, e Adriano era um homem do Regime e, no entanto, foi lá. Fica aqui a minha homenagem, portanto, a homenagem de um simples mortal, mas também com os olhos postos no mundo, a um dos maiores intelectuais vivos do nosso país.

sábado, outubro 08, 2011

A gargalhada universal

Os deuses parecem vingar-se sempre que o Homem ousa tentar ser também um deus. E no fim proclamam: “Com que então era inafundável esse navio?” “E essas torres: eram as tais que riscavam o céu e tocavam o Olimpo?”

E para além das esferas soa a gargalhada universal.

sexta-feira, outubro 07, 2011

As sugestões do economista Campos e Cunha

Estou farto de economistas, em particular, de economistas como o senhor Doutor Campos e Cunha. Esses economistas que teimam em considerar o trabalho como um fim e não como um meio. Propõe o dito economista que se abulam alguns feriados, que se reduzam as férias e que se trabalhe mais umas horas semanais. Mas já não propõe que, nesse caso, se deva remunerar o trabalho na devida proporção. Propõe então o Sr. Doutor Campos e Cunha que se desvalorize o trabalho porque, de acordo com a sua sugestão, se passará a trabalhar mais tempo, recebendo o mesmo vencimento. Ora não me parece que o trabalho de hoje valha menos que o trabalho de ontem, mas o que o Sr. Doutor Campos e Cunha sugere é que se pague menos pelo mesmo trabalho (ou dito de outra forma, que se trabalhe mais, pela mesma remuneração). Ora para onde vai então o valor das horas adicionais de trabalho, se não for pago ao trabalhador na devida proporção no seu vencimento? Parece que aquilo que o Sr. economista, Doutor Campos e Cunha propõe, tem um nome: exploração!

Sugestões dessas, não muito obrigado.

Estará ele nessa disposição? Estará disposto a vender o seu trabalho por menos dinheiro? Porque não segue então as suas próprias sugestões, e se priva dos feriados, das férias e trabalha mais umas horas, pela mesma remuneração?

quarta-feira, outubro 05, 2011

Jovens, acordem!

Setecentos indignados, como esta jovem da fotografia, foram detidos no sábado passado quando protestavam em Wall Street, o olho do furacão financeiro que varre as economias mundiais. As novas gerações e as mulheres encontram-se entre as primeiras vítimas da actual crise económica. Se não se mobilizarem, se não lutarem, então o mundo em que terão de viver será mais adverso que o dos seus pais e avós. Serão mais pobres.

Segundo a revista Courrier Internacional do presente mês, “actualmente 20,4% dos europeus entre os 15 e os 24 anos continua sem emprego. É mais de um terço do que em 2008. Esta taxa, no entanto, é apenas a média europeia. Esconde números ainda mais preocupantes. Como os 42% de jovens desempregados em Espanha, 30% nos Países Bálticos, Grécia e Eslováquia e 20% na Polónia, Hungria, Itália e Suécia.” (Courrier Internacional, Outubro 2011, pág. 26). E em Portugal? Mais de 50% dos assalariados com menos de 25 anos trabalham com contratos prazo, de acordo com a mesma revista.

A vida nem sequer está fácil para os mais bem qualificados academicamente e cientificamente. Hoje pode ler-se no jornal Público que os dois jovens investigadores portugueses que participaram numa das equipas que ganhou o Prémio Nobel da Física (!), se encontram, um deles, a trabalhar fora do país, e a que resolveu ficar, trabalha numa área que não está relacionada com a ciência (Público, quarta-feira, 5 de Outubro, pág. 15). Em Portugal nem sequer existem oportunidades para os mais qualificados e os bolseiros dos estudos pós-graduados são atirados para uma situação precária. Ora isto tem de mudar.

É hora das novas gerações começarem a abrir os olhos, sob pena de, se não o fizerem e se não lutarem por outra organização social e económica, serem paulatinamente empurrados para as novas hordas de explorados, sem sequer se darem conta. E quando se derem conta poderá ser tarde demais. Os jovens americanos, esses, estão a acordar.

domingo, outubro 02, 2011

A Virgem Negra da Fome


(Pascal Maitre/Cosmos)

Esta jovem mulher chama-se Howa Ali e faz parte de um grupo de uma centena de famílias somalis recentemente chegadas a Mogadíscio após uma marcha de vinte dias que custou a vida a trinta dos seus filhos. Olhando para cima, ela claramente não espera nada dos homens, nem mesmo aqueles que vêm a este abrigo improvisado para distribuir alguns alimentos ou para dar testemunho da imensidão das suas angústias. Instalados nas ruínas da catedral - destruída por militantes islâmicos em 1990 após o assassinato do bispo - os refugiados dormem sobre os escombros, sem instalações sanitárias ou tecto, e muitos deles sofrem de sarampo.
Le Figaro (tradução minha)
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Tanto sofrimento estampado nos rostos. Onde está o brilho irradiante, como nas aparições salvíficas? Ali, vislumbramos apenas a sombra da morte.
Pobres mulheres, pobres crianças.

sexta-feira, setembro 30, 2011

quinta-feira, setembro 22, 2011

Portugal no pântano

Comigo não há risco. Tenho bastante de Barca D’Alva e de Porto, de América Latina e de África, de Nagasaqui e de Macau e de Timor, para que me dê qualquer tentação de afogar-me nos pântanos de leite da sobredita Europa.” (Agostinho da Silva, Caderno de Lembranças, Zéfiro, 2006, pág. 71).

Agostinho da Silva sabia que a adesão à C.E.E. nos iria ficar cara. Que muito provavelmente nos iríamos afogar num oceano de dívidas devido a um consumismo para o qual não estávamos historicamente vocacionados. Na frase que imediatamente antecede a supracitada, Agostinho termina dizendo que não nos esquecesse-mos “de ir o País de Camões entrar no supermercado da C.E.E. e ir ser consumista sem dinheiro, o que quero ver”.

Volvidos 25 anos, um quarto de século, o resultado está à vista. Acabámos por consumir com o dinheiro que não tínhamos, recorrendo ao crédito. Portugal está agora afogado, não num pântano de leite, mas num mar de dívidas. Chegámos então a um impasse: ou nos emancipamos e voltamos ao escudo, ou nos federamos, nos Estados Unidos da Europa, e então, Portugal passará a ser outra coisa, directamente governado a partir de uma cidade distante, no centro político e económico dessa federação.

Como estamos, agonizamos.

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PS – É certo que uma saída da Zona Euro, e nisso os economistas menos ortodoxos também concordam, teria como resultado uma recessão prolongada e o País seria conduzido a uma depressão. Teríamos um efeito recessivo da queda da procura interna, diz Francisco Louçã (Louçã, Portugal Agrilhoado, Bertrand Editora, 2011 pág. 97). Mas sempre podemos colocar a questão: não estamos já aí? Como se pode aguentar uma Zona Euro, com 17 ministros das finanças e dezassete sistemas fiscais diferentes? A integração europeia foi profunda ao nível económico, ligeira ao nível político, mas não existiu ao nível social e financeiro. Por isso estamos num impasse, sem fim à vista.


quinta-feira, setembro 15, 2011

Desemprego jovem dispara no Reino Unido


Agora façam o favor de agradecer ao Sr. Camarão e à sua maravilhosa política.

O neoliberalismo é o horror económico.

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