quinta-feira, janeiro 05, 2012

Tony Judt no ano da sua morte, acerca do neoliberalismo. Lê isto ó Gaspar.

“Hoje em dia, ainda se ouvem ecos atabalhoados da tentativa de reacender a Guerra Fria em torno de uma cruzada contra o «islamo-fascismo». Mas o verdadeiro cativeiro mental dos nossos tempos está alhures. A nossa fé contemporânea no «mercado» segue nos mesmíssimos trilhos da sua sósia radical oitocentista – a crença cega na necessidade, no progresso e na História. Tal como o infeliz chanceler trabalhista britânico entre 1929-1931, Philip Snowden, desistiu perante a Depressão e declarou que não valia a pena contrariar as leis inelutáveis do capitalismo, assim os dirigentes da Europa de hoje se refugiam à pressa em medidas de austeridade orçamental para acalmar «os mercados».
Mas o «mercado» - tal como o «materialismo dialéctico» - é apenas uma abstracção: simultaneamente ultra-racional (a sua argumentação supera tudo) e o apogeu do absurdo (não pode ser questionado). Tem os seus verdadeiros crentes – pensadores medíocres quando comparados com os pais fundadores, mas ainda assim influentes; os seus compagnons de route – que em privado podem duvidar dos princípios do dogma, mas não vêem alternativa a pregá-lo; e as suas vítimas muitas das quais nos EUA, em especial, engoliram pressurosamente o seu comprimido e proclamam aos quatro ventos as virtudes de uma doutrina cujos benefícios nunca verão.
Acima de tudo, a servidão em que uma ideologia mantém a sua gente mede-se melhor pela sua incapacidade colectiva para imaginar alternativas. Sabemos muito bem que a fé ilimitada nos mercados desregulados mata: a aplicação estrita do que até há pouco tempo, em países em desenvolvimento vulneráveis, se chama o «consenso de Washington» - que punha a tónica numa política fiscal rigorosa, privatizações, tarifas baixas e desregulamentação – destruiu milhões de meios de subsistência. Entretanto, os «termos comerciais» rígidos em que estes remédios são disponibilizados reduziram drasticamente a esperança de vida em muitos locais. Mas na expressão letal de Margaret Thatcher, «não há alternativa».

Toni Judt, O Chalet da Memória, Edições 70. 2011.Páginas 180-181.
(os sublinhados são nossos)
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Onde estão os verdadeiros sociais-democratas como Tony Judt? É certo que um dia, quando o dogma neoliberal for desacreditado (ou derrubado) pelos resultados de pesadelo a que nos irá conduzir, muitos dos nosso falsos “sociais-democratas”, esses do intitulado “Partido Social Democrata”, irão aparecer aos magotes, batendo com a mão no peito, afirmando a alta voz que sempre foram verdadeiros sociais-democratas, renegando o neoliberalismo – essa teologia do “mercado” que agora apregoam. Hoje, nas fileiras desse partido, verdadeiros sociais-democratas é coisa que não encontramos: todos se converteram ao dogma que não acredita em alternativas; todos se submeteram, inclusive os nossos auto-intitulados “socialistas” que, tal como o Dr. Jekyll and Mr. Hyde, fazem uma coisa quando estão no Governo e defendem outra quando na Oposição.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.


No país socialmente mais polarizado da Europa Ocidental, onde “todos somos responsáveis” pela situação a que isto chegou (diz Cavaco Silva), parece que afinal se exige mais esforço pelas medidas de austeridade aos mais pobres do que aos mais ricos. Com certeza, devem ser os mais pobres os verdadeiros responsáveis. [Clicar para ver a notícia na Agência Financeira. Aqui.]

Um dia depois do Presidente ter apelado a todos os portugueses para que combatessem pelo futuro de Portugal, não estando nenhum Português dispensado desse combate, parece que existem alguns empresários e empresas que julgam combater melhor pelo futuro do País, mudando a sede social da empresa para a Holanda. Eia patriotas! E já lá vão 19 empresas das que estão cotadas no PSI 20!  [Clicar para ver a notícia na Agência Financeira. Aqui.]

Mas porque nos admiramos? Não sabíamos já que o capital não tem pátria e os negócios não têm ética?

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Somos todos responsáveis?!


«A crise que Portugal atravessa é uma oportunidade para nos repensarmos como País. Orgulhamo-nos da nossa história e queremos continuar a viver de cabeça erguida. Durante muito tempo vivemos a ilusão do consumo fácil, o Estado gastou e desperdiçou demasiados recursos, endividámo-nos muito para lá do que era razoável e chegámos a uma “situação explosiva”, como lhe chamei há precisamente dois anos, quando adverti os Portugueses para os riscos que estávamos a correr. Agora temos de seguir um rumo diferente, temos de mudar de vida e construir uma economia saudável. Somos todos responsáveis. Esta é a hora em que todos os portugueses são chamados a dar o seu melhor para ajudar Portugal a vencer as dificuldades. Trabalhando mais e apostando na qualidade, combatendo os desperdícios, preferindo os produtos nacionais. Deixando de lado os egoísmos, a ideia do lucro fácil e o desrespeito pelos outros. Nenhum Português está dispensado deste combate pelo futuro do seu País.»



O Presidente convoca-nos para o combate pelo futuro do País, dizendo-nos que “somos todos responsáveis”. Somos todos responsáveis?! Nem somos todos responsáveis e entre os responsáveis, alguns são mais responsáveis do que outros. Esta atribuição da responsabilidade a todos os cidadãos é uma forma de diluir a responsabilidade, desresponsabilizando, dessa forma, os verdadeiros responsáveis: os timoneiros que, ao longo dos anos, nos conduziram até aqui.[1]

Uma auditoria à dívida serviria para apurar as responsabilidades da situação a que chegámos e por isso alguns cidadãos defendem-na. Mas, à parte do apuramento das responsabilidades, a verdade é que Portugal se encontra em apuros, pelo que o empenho de todos os portugueses no combate pela salvação do País, se sobrepõe à questão do apuramento das responsabilidades. Por outras palavras: se um navio está a meter água, é melhor que os tripulantes se concentrem no escoamento da água, em vez de perseguirem pelo convés os responsáveis pelo rombo.

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Nota: [1] acerca dos responsáveis pelo “rombo”, este gráfico do blogue Douta Ignorância é muito interessante.

sábado, dezembro 31, 2011

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Um Bom Ano de 2012!

Little Brown Jug by Glenn Miller Orchestra on Grooveshark

sexta-feira, dezembro 30, 2011

Aldeia de Montesinho (Trás-os-Montes)

© AMCD

Quando a tendência global aponta para a compressão do espaço-tempo, ou seja, para a redução das distâncias relativas (distância-custo e distância-tempo) e dessa forma para a aproximação de todos os lugares do planeta entre si, eis que Portugal decide rumar no sentido oposto, perseguindo o velho hábito medieval da colocação de portagens em quase tudo quanto é via. E assim, a região de Trás-os-Montes torna a ficar mais distante da capital pelo aumento da distância-custo. E se nos quisermos furtar ao custo da distância, calcorreando vias não portajadas para lá chegar, então aumentará a distância-tempo. Não há como escapar. Quando todo o planeta encolhe, Portugal dilata-se. É obra!

segunda-feira, dezembro 26, 2011

sábado, dezembro 24, 2011

Feliz Natal

Gentile Da Fabriano, Nascimento de Jesus, 1423

God Rest Ye Merry Gentlemen by Loreena McKennitt on Grooveshark

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Ficar ou partir?


Ninguém pode escolher a terra onde nasce e o povo a que pertence. Ninguém pode aceitar o passado do seu país a benefício de inventário, rejeitando os erros e apropriando os êxitos. Mas escolher ficar é um acto de amor.
Adriano Moreira, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. INCM. 2011. Página 82

“Que fazer? Marginalizar-se ou cooperar? «Fugir ou aguentar?»
(…)
Mas importa ver os momentos de verdade nas expressões desta alternativa. A marginalização justifica-se, porque quem tem olhos para ver não quer implicar-se nos cinismos insuportáveis de uma sociedade que perde a distinção entre produzir e destruir. Cooperar justifica-se porque o indivíduo tem o direito de se orientar para a autopreservação a médio prazo. Fugir justifica-se, porque com isso se recusa uma coragem estúpida e só loucos se esgotam em batalhas perdidas se houver espaços de refúgio mais favoráveis à existência. Aguentar justifica-se porque a experiência nos diz que todo o conflito meramente evitado acaba por nos apanhar em qualquer ponto de fuga.”

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica. Relógio D’Água. 2011. Página 168.

(Os negritos em ambas as citações são nossos.)

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Adriano Moreira repete até à exaustão essa ideia de que ficar é um acto de amor. Di-lo expressamente nas páginas 46, 67, 82, 95 e 173 da obra supra citada. Neste país, que desaproveita os seus recursos físicos e, em particular, humanos, ficar é não só um acto de amor, como um acto de coragem. Mas partir, principalmente nas circunstâncias em que partiu a grande maioria dos emigrantes portugueses, nos anos 60 e no início dos anos 70 do século XX, e também naquelas em que hoje muitos partem, é um acto de coragem que está muito muito longe de ser um acto de desamor. Alguém põe em causa o amor que os cinco milhões dos nossos conterrâneos que vivem lá fora nutrem pelo país natal? Partir, faz parte da nossa condição, aliás, sempre fez (por isso a Saudade cresceu entre nós). “Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”, já dizia o Padre António Vieira.

Salazar, a dada altura, tentou estancar a hemorragia humana que abandonava o país porque precisava da gente que estava a escapar-lhe para a enviar para a Guerra Colonial ou para o Tarrafal. Hoje, estamos perante um Governo igualmente cínico, senão o mais cínico de todos (o cinismo parece ser o traço mais vincado deste Governo), que se aproveita desta nossa condição para oportunamente nos apontar a porta de saída. Só falta dizer-nos expressamente: quem está mal que se mude! E fá-lo-á, depois de nos ter esvaziado os bolsos e o futuro.

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