domingo, maio 05, 2013

Quem nos governa?


Foi o Inverno do nosso descontentamento.
É já a Primavera do nosso descontentamento.
Será o Verão do nosso descontentamento.
E depois o Outono do nosso descontentamento.

(Sempre que ele aparece ao fim da tarde, vem semear descontentamento).

Que diabo! Ser descontente é ser homem, mas isto é demais.
Um ano de descontentamento! (mais um)
Um ano desconcertante.
Um desconcerto!
Um país desconcertado.

Triste fado!

Lembram-se da nossa longa história e quando foi assim?
Nunca foi assim! Nem Napoleão, nem Filipe II...
Sempre nos erguemos.

Que Portugal somos nós?
Para onde vamos?
(Não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde vai.)
Para onde vamos?
Que mãos seguram o timão do nosso destino,
Que nas nossas mãos não está?

Quem nos governa?

sábado, maio 04, 2013

A servidão ou a partida

1/05/2013 - Manifestação contra o capitalismo, em Seattle, acaba em motim.


Vós que cegamente votastes nestes,
Sabeis agora o que o neoliberalismo é?
Sabeis agora que o Estado pode ser um instrumento da luta de classes?
Que uma vez conquistado para as classes dominantes, estas o usam para transferir a riqueza da base para o topo?
E uma vez conquistado pelas classes exploradas, estas o usam para transferir a riqueza do topo para a base?
Para subtrair riquezas outrora subtraídas.

De que vos queixais agora?
É a vez deles! Fostes vós que os colocastes lá.
Destes-lhes o pleno: um presidente, uma maioria parlamentar, um governo.
Que esperáveis?

Bem podeis aguardar que caiam por si. Não cairão!
Resta-vos a rua ou o desespero,
a servidão ou a partida.

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quinta-feira, maio 02, 2013

A Era do Mercado ou da Exploração



«O verdadeiro problema não é que o dinheiro possa levar as mulheres “de honra” e homens “de palavra” a fraquejar, como se diz. O escândalo começa, sim, quando, para funcionar, o dinheiro enquanto capital pressupõe sistematicamente a fraqueza de homens e mulheres que têm de se colocar no mercado. Eis o fundamento funcional-imoralista da economia industrial de mercado. Esta inclui sempre no seu cálculo o estado de necessidade dos mais fracos. Funda a circulação contínua do lucro na existência de grandes grupos que não têm praticamente outra opção senão “comer ou morrer”. A ordem económica capitalista assenta na possibilidade de espremer os que vivem constantemente em situações de excepção actuais ou virtuais, isto é, de espremer os seres humanos que terão fome amanhã se não trabalharem hoje, e que amanhã não terão trabalho, se não aquiescerem hoje ao que impudentemente se exige deles.»

Peter Sloterdijk (1983), Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 401

quarta-feira, maio 01, 2013

O trabalho no "maravilhoso mundo plano"

(Kevin Frayer/Associated Press)

Tem sido um ano duro para os trabalhadores e trabalhadoras, em particular nos países do Sul, onde o trabalho pode chegar a assumir características de escravatura e está, por isso, longe de ter qualquer função dignificadora. O trabalho só dignifica se não escravizar, nem explorar. Quando o salário é de 38 euros mensais, é de exploração e escravatura que falamos. Era esse o salário das operárias bengalis que morreram sob os escombros do prédio onde eram exploradas. Soubemo-lo hoje.

Enfim, é este o “maravilhoso mundo plano” de que nos falam os deslumbrados da globalização e do capitalismo.

domingo, abril 28, 2013

Arquíloco

«Os heróis homéricos teriam sentido a perda do escudo como a ruína da sua honra e prefeririam sacrificar a vida a sofrer semelhante afronta. O novo herói de Paros [Arquíloco] exprime as suas reservas neste ponto e está certo de provocar o riso dos seus contemporâneos quando diz:

Um dos Saios, nossos inimigos, regozija-se agora com o meu escudo, arma impecável que sem querer deixei ficar num matagal. No entanto escapei à morte, que é o fim de tudo. Quero lá saber deste escudo! Comprarei outro melhor.

A deliciosa mescla do moderno humor naturalista (alheio a qualquer tipo de ilusões, e segundo o qual até um herói só tem uma vida para perder) com a nobre ressonância da retórica épica, que nos fala de “arma impecável” e da morte que “é o fim de tudo”, é fonte inesgotável de efeitos cómicos. Protegido por eles, o esforçado desertor pode aventurar a sua insolente conclusão e afirmar com sinceridade desconcertante:

Comprarei outro melhor! Que é um escudo afinal, senão um pedaço de pele de boi curtida, com uns adornos de metal brilhante!»

Werner Jaeger, Paidéia, A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, 2003, pp 152-153.

***

Arquíloco também tem o seu general modelo, e com a mesma “sinceridade desconcertante” afirma:

Não gosto de um general alto, nem de pernas bem abertas, nem orgulhoso com os anéis do seu cabelo, nem barbeado. Para mim, quero um que seja pequeno e de pernas tortas, que mexa os pés com firmeza, e cheio de coragem.”

Arquíloco de Paros, séc. VII a. C.

in Maria Helena da Rocha Pereira (org.) - Hélade, Antologia da Cultura Grega, 8.ª edição, Edições Asa, 2003, pág. 125  

sexta-feira, abril 26, 2013

Um homem é pouca coisa


«A tragédia de um quarto vazio. A tragédia de encher quatro paredes do sentido da nossa intimidade. Mas, afinal, bastou abrir a mala, espalhar pelas cadeiras o pijama e a gabardine, e pôr em cima da mesa a pasta dentífrica e o pente. Com mais um cobertor na cama e duas toalhas limpas, considerei-me aninhado. Um homem é pouca coisa. O tacão da bota ou a direcção da risca do cabelo podem resumi-lo.»

Miguel Torga, Coimbra, 1 de Julho de 1940
Miguel Torga (1967), Diário I, 5ª ed. revista, pág. 154.

***

Não sabia muito acerca de Torga, nem sei. Por isso a leitura do Diário I está a ser uma agradável surpresa. Escuto a voz do Torga. Desilude-se numa viagem à Europa gélida e triste, no Inverno de 1937. “Andar mais era entristecer e desanimar mais ainda”, diz ele, ansioso por regressar à Península, enquanto aguardava na estação de comboio de Bruxelas. A Europa anoitecia e ele, nesse desencanto, já parecia pressenti-lo. Três anos depois ressoariam as botas da tropa alemã, em marcha cadenciada, nos Campos Elísios que ele visitou.

A páginas tantas, dou com o Torga nas prisões. Escreve poemas na cadeia de Leiria e no Aljube, em Lisboa. O Torga na prisão. Que surpresa! O que teria feito? Estaria a dar consultas aos presos, tendo ficado por ali? Não há qualquer alusão no Diário I às razões que o levaram à prisão. Só por outras fontes descubro que esteve mesmo preso por razões políticas. Na prisão, liberta o espírito em poemas. Nada de prosa. Mas sofre. A prová-lo, o seu primeiro poema da prisão escrito no Diário:

«EXORTAÇÃO

Meu irmão na distância, homem
Que nesta cama hás-de sofrer:
Que nem a terra nem o céu te domem;
Nenhuma dor te impeça de viver!»

     Miguel Torga, Cadeia de Leiria, 30 de Novembro de 1939, Diário II, pág. 121.

Muitos outros haveriam de suceder-lhe nas prisões e Torga já lhes antevia o sofrimento, a tortura e a dor. Talvez porque o tenha também sentido na pele. Apelava à indomabilidade, à resistência e à vida dos prisioneiros políticos vindouros. 
Grande Torga!

quinta-feira, abril 25, 2013

domingo, abril 21, 2013

Uma tarde bucólica.

© AMCD

© AMCD

© AMCD

© AMCD

O objectivo era fotografar um pássaro magnífico que se deixa avistar por estas bandas, o charneco (Cyanopica cyanus), também chamado pega-azul ou rabilongo. Deixa-se avistar, mas não se deixa fotografar, principalmente quando o zoom é fraco.

Esteve uma tarde bucólica nas margens do baixo Guadiana. Pássaros, agricultores, pastores e rebanhos. Até burros avistámos. Parecia o velho Algarve.

Quanto a fotografias de pássaros, ficámos pela destemida cotovia-de-poupa (Galerida cristata). Nada a assusta! Esta estava tranquilamente a ver passar o trânsito (que por aqui, diga-se de passagem, raramente passa).

© AMCD

© AMCD

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