quarta-feira, outubro 08, 2014

O menino é o alvo

Jean Fouquet. Madona e Menino, painel direito do Díptico de Melun. ca. 1450

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Caramba! Um seio prestes a rebentar, e logo no século XV!
Já o menino, tem um ar estranho o menino.
Insuflado de uma alma adulta, perscruta ao colo, carrancudo.
Guarda o alvo seio o menino.
E aponta sub-repticiamente o menino.
E o alvo seio aponta o menino.
O menino é o alvo.

domingo, outubro 05, 2014

Homens que odeiam as viagens

Odeio as viagens e os exploradores. E aqui estou eu disposto a relatar as minhas expedições. Mas quanto tempo para me decidir! Quinze anos passaram desde a data em que deixei o Brasil pela última vez e, durante todos esses anos, muitas vezes acalentei o projecto de começar este livro: a cada vez, era detido por uma espécie de vergonha e de repulsa, pois será mesmo necessário contar minuciosamente tantos pormenores insípidos, tantos acontecimentos insignificantes?  

Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, Edições 70, 1993,p. 11

A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.

O tédio do constantemente novo, o tédio de descobrir, sob a falsa diferença das coisas e das ideias, a perene identidade de tudo, a semelhança absoluta entre a mesquita, o templo e a igreja, a igualdade da cabana e do castelo, o mesmo corpo estrutural a ser rei vestido e selvagem nu, a eterna concordância da vida consigo mesma, a estagnação de tudo que vive só de mexer-se.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 130.

Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. «Qualquer estrada», disse Carlyle, «até esta estrada para Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo». Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 140.

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Claude Lévi-Strauss e Fernando Pessoa eram dois homens que odiavam as viagens. O primeiro sabia, ou pressentia, que ao fazer das culturas indígenas o objecto da sua dissecação análise, já estaria dessa forma a contaminá-las. O seu olhar inquisidor era também o do explorador científico. Claude Lévi-Strauss sabia muito bem o que se seguiria e para que servia essa actividade científica e exploradora a que se dedicava com minúcia. O Homem lança-se ao conhecimento do Mundo para melhor dominar o Mundo. Primeiro vem a exploração, depois a dominação.


Já para Fernando Pessoa, o universo interior era mais apelativo e encantador do que o universo exterior. Esse apelo soava mais alto, a ponto de ele desvalorizar completamente as deslocações no espaço físico. Para ele as grandes viagens eram as que realizava interiormente, quiçá, embalado pelos copos de aguardente. 

sábado, outubro 04, 2014

O mural apagado


Soube hoje que apagaram este mural do Banksy. Houve quem não percebesse a ironia e se queixasse às autoridades.

Os instalados pombos, racistas, sedentários, ridículos, manifestam-se contra a andorinha errante.

Pois o mural fica também aqui.

Aqui ninguém o apagará.

A paisagem bucólica e o carro

      Banksy, A Paisagem Bucólica e o Carro

domingo, setembro 28, 2014

Duas de Harold Bloom


“Um tal leitor [o leitor comum] não lê por prazer fácil ou para expiar culpas sociais, mas para dilatar uma existência solitária.”

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, Círculo de Leitores, 5ª ed., 2013, pág. 504.



“O nosso destino comum é a idade, a doença, a morte e o esquecimento. A nossa esperança comum, ténue mas persistente, encontra-se numa qualquer versão da sobrevivência.”

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, Círculo de Leitores, 5ª ed., 2013, pág. 509.

sábado, setembro 27, 2014

Bobi e Tareco alistam-se no Estado Islâmico

Notícia de primeira página do Correio da Manhã: "De colégio de freiras para radical na Síria".

Já só falta noticiar que o Bobi e o Tareco, fartos do dono, partiram para a Síria para se alistarem no Estado Islâmico.

Não há pachorra!

Patético!

Os homens e as mulheres da nossa oposição comprazem-se na intriga e no fogo-de-artifício, parecendo não dispor de outros argumentos para derrotar politicamente o primeiro-ministro.

Se querem derrotá-lo, pois que o derrotem na arena da política e não na arena da intriga. Dá mostras de fraqueza a oposição que parece nada mais encontrar no seu argumentário do que os possíveis tostões ou milhões que então um mero deputado eventualmente possa ter ganho, legalmente ou ilegalmente, há cerca de treze anos atrás, quando o presente que importa se encontra repleto de problemas que os portugueses anseiam ver resolvidos. Questões judiciais e criminais são para a polícia e para os tribunais. Os políticos deviam ocupar-se com o cerne da política.

Não-lugares

“Os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e dos bens (vias rápidas, nós de acesso, aeroportos) como os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são arrebanhados os refugiados do planeta. Porque vivemos uma época, também sob este aspecto, paradoxal: no próprio momento em que a unidade do espaço terrestre se torna pensável e em que se reforçam as grandes redes multinacionais, aumenta de volume o clamor dos particularismos; dos que querem ficar só eles na sua terra ou dos que querem voltar a encontrar uma pátria, como se o conservadorismo de uns e o messianismo dos outros estivessem condenados a falar a mesma linguagem: a da terra e a das raízes.”

Marc Augé, Não-lugares, Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90º, 2007

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A leitura dos Não-lugares tem sido penosa. O texto é quase intragável. De vez em quando lá aparece um trecho mais inteligível, como o que se cita acima, em que o autor define o conceito de não-lugar. Ao que parece, os não-lugares são sobretudo espaços de trânsito, espaços de circulação e os próprios meios que possibilitam essa circulação. Espaços que rapidamente consumimos e rapidamente descartamos. Espaços de fluxos, de rápida passagem. 

Mas pensando bem, a uma escala mais vasta, a própria Terra - a "nave Terra" que nos transporta - é também um não-lugar! Não está ela, e nós com ela, em trânsito?

Augé refere-se contudo, a um espaço antropológico e não a um espaço astronómico.

domingo, setembro 21, 2014

Ciência e interesses

Não há uma ciência independente, que procure desinteressadamente a verdade. Também a ciência e o cientista precisam de ganhar o seu pão. Também o cientista tem os seus patrões.

Assim, enquanto determinados campos da ciência são desbravados de forma mais célere, para dar resposta às encomendas dos interesses e dos poderes instalados, ao serviço dos quais os cientistas laboram, outros existem que continuam por desbravar, ainda ocultos pelos matagais misteriosos do desconhecido.

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