terça-feira, agosto 02, 2022

A importância das coisas

 As coisas só são importantes para quem lhes dá importância.

Mas há quem não dê às coisas a devida importância.

sexta-feira, julho 29, 2022

O futuro da civilização não parece muito risonho

Kenneth Clark [1969], Civilização, O Contributo da Europa para a Civilização Universal, Gradiva, 2ª ed., 2022

⭐⭐⭐⭐


«A incompreensibilidade do nosso novo cosmo parece-me, em última análise, a razão para o caos da arte moderna. Sei pouco mais do que nada sobre ciência, mas passei a minha vida a estudar a arte, e estou completamente perplexo com o que se passa hoje. Às vezes gosto do que vejo, mas quando leio os críticos modernos percebo que as minhas preferências são puramente acidentais.

Contudo, no mundo da acção algumas coisas são óbvias - tão óbvias que hesito em repeti-las. Uma delas é a nossa dependência cada vez maior das máquinas. Deixaram de ser ferramentas e passaram a dar-nos instruções. Da metralhadora Maxim ao computador, são, na sua maior parte, meios através dos quais uma minoria consegue subjugar os homens livres.

Outra das nossas especialidades é a nossa ânsia de destruição. Com a ajuda das máquinas, demos o nosso melhor para nos destruirmos em duas guerras, e ao fazê-lo libertámos uma enxurrada de maldade, que as pessoas inteligentes tentaram justificar com o elogio da violência, «teatros de crueldade» e por aí adiante. Juntemos a isto a memória dessa companheira sombria que está sempre connosco, como o reverso do anjo da guarda, silencioso, invisível, quase irreal – e, no entanto, inquestionavelmente presente e pronta a afirmar-se ao toque de um botão, e teremos de reconhecer que o futuro da civilização não parece muito risonho.»

Kenneth Clark, op. cit., pp. 409-411.

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Se procura o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, enfim, a arte moderna e pós-moderna, não os encontrará por aqui. Esses movimentos artísticos não se contam entre as grandes contribuições da Europa para a Civilização. A arte moderna está num caos. As palavras de Kenneth Clark sobre a actual situação da arte ressoam a decadência de uma civilização e até da Civilização. Estaremos já a viver uma Era crepuscular? Muitas são as vozes a anunciá-lo. A de Kenneth Clark é uma delas. São demasiadas vozes para que fiquemos impávidos e serenos, sem partir para a acção. 

Mas talvez já seja tarde. Os novos bárbaros já estão na cidade. E não, não são os imigrantes, nem os refugiados.


Joseph-Noël Sylvestre, O Saque de Roma pelos Bárbaros, em 410 d.C., 1890

domingo, julho 24, 2022

Sempre o problema que temos connosco mesmos


Como quase todos os Portugueses, eu quase me orgulho de ser português e quase amo Portugal. No «quase» vai a distância bastante para não enlouquecer, entre o que se quer e o que se vê.

Miguel Esteves Cardoso


 “A Causa das Coisas” in A Causa das Coisas, Círculo de Leitores, 1987, p. 412


sexta-feira, julho 22, 2022

Do insulto: a propósito de perguntas insultuosas

 Sentir-se ofendido e vítima continua a ser uma estratégia bastante rentável perante quem nos confronta.

João Maurício Brás, Os Novos Bárbaros, Opera Omnia, 2021, p.22

 

Se alguém ou alguma coisa nos ofende – isto é, nos insulta de uma forma ou de outra – somos, sem dúvida, cúmplices do insulto. Porquê? Porque nos deixámos ofender pelo insulto.

Lou Marinoff, Mais Platão, Menos Prozac!, Editorial Presença, 2002, p. 59

 

Se quiserem, as pessoas encontram sempre um motivo para se ofenderem, mas, nesse caso, o problema é delas. O seu problema é que têm necessidade de sentirem que estão a ser ofendidas.

Lou Marinoff, Mais Platão, Menos Prozac!, Editorial Presença, 2002, p. 60

quinta-feira, julho 21, 2022

Livros lidos: O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar

 

João Maurício Brás, O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar, Guerra & Paz, 2022


µµµµµ


Um livro que todos os adultos portugueses, sejam jovens, maduros ou velhos (sim, há jovens que são adultos e adultos que são jovens, embora a infantilização dos adultos prolifere nos nossos tempos, na civilização ocidental: adultos infantilizados, para não dizer imbecilizados, é, aliás, coisa que não falta) deviam ler para saberem em que país estão metidos, em que povo estão metidos e por que pensam como pensam. E por isso mesmo, um livro que os responsáveis (e irresponsáveis) políticos deviam ler, os que nos governam e os que nos desgovernam.

Desde a Causa das Coisas (um o melhor livro de Miguel Esteves Cardoso) que não liamos com tanto gosto um livro sobre o nosso país e sobre nós, os portugueses, embora Miguel Esteves Cardoso tenha optado pelo humor para nos retratar. João Maurício Brás segue outros caminhos, da Filosofia à História, passando pela Política, Economia, Sociologia, Literatura, e por aí fora, apoiando-se em autores gigantes (entre os quais, os nossos gigantes), com destaque para Antero de Quental. E a sua escrita é clara e acessível ao comum dos mortais.

Um livro que responde à questão: por que temos a mentalidade que temos? Porque é uma questão mental, aquela que temos connosco mesmos. João Maurício Brás, descansa-nos logo à partida: o atraso português não é ôntico, é estrutural, é mental (mentalidade herdada de séculos e ainda por nós alimentada, sem quase nos apercebermos). Estamos efectivamente presos a uma teia mental da qual é muito difícil libertar-nos, principalmente se não o reconhecermos. Difícil, mas não impossível. As mentalidades também mudam, mas demoram tempo a mudar.

Voltaremos a este livro.

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Do livro:

 

Não há um modo de ser português, identificado num antes, num agora e para sempre.

Brás, op. cit., pág. 80

 

O atraso como resultado de características ônticas que explicariam a identidade de alguns povos teve o seu tempo áureo.

Brás, op. cit., pág. 81

 

O destino de cada povo é, em muito, o que ele quer e consente que seja, a identidade de um país também é a ideia de futuro que dele se tem e o que cada um está disposto a fazer.

Brás, op. cit., pág. 16

A intransigência para com os políticos e os média, mas também para connosco, é outro passo incontornável para invertermos essa tendência de persistirmos em aprofundar a nossa miséria.

Brás, op. cit., pág. 16

sábado, julho 16, 2022

Pó e estrelas


Nebulosa de Eta Carinae

quarta-feira, maio 18, 2022

Tempos interessantes

 «Viveis tempos interessantes», disse Paul Valéry a uma plateia de universitários de Paris, no dia 13 de Julho de 1932. «Os tempos interessantes são sempre tempos enigmáticos que não prometem descanso, nem prosperidade, continuidade nem segurança», e acrescentou: «Nunca a humanidade juntou tanto poder e tanta desordem, tanta apreensão e tantas diversões, tanto conhecimento e tanta incerteza.»

Paul Valéry, citado por Martin Gilbert, História do Século XX, 2ª ed., Dom Quixote, 2011, pág. 206

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Voltámos aos tempos interessantes, agora no século XXI. Talvez ainda mais interessantes, no sentido que Paul Valéry dá à palavra.

domingo, maio 15, 2022

O fogo ateado na Europa Oriental

Atearam um grande fogo na Europa Oriental, pensando que não se queimariam, longe que estavam, do outro lado do oceano (EUA), ou fora da Europa continental (Reino Unido). Os que estavam mais próximos ficariam com incumbência de o apagar, com prejuízo seu e ganho deles. E ateado o fogo, foram lançando mais lenha e mais gasolina. A Europa Ocidental e continental, iria provavelmente sentir algum calor. Talvez se queimasse, quem sabe? A Europa Oriental, arderia. E que conveniente seria para eles uma guerra na Europa e uma Europa a arder.

Findo o mercado do Afeganistão onde permaneceram 20 anos a usar quantidades massivas de armas e equipamento militar, a indústria do armamento tinha de arranjar outro mercado para escoar a sua imensa produção. Além disso, havia ainda que vender excedentes de gás natural. 

Globalização, como é sabido, é acima de tudo interdependência entre países e espaços económicos. Como não poderiam estar os países do centro e leste europeus numa relação de interdependência com a Rússia? Construíram gasodutos e oleodutos, pois então. Interdependência que, se continuasse a aprofundar-se, poderia ser um risco para outros espaços económicos rivais (e os EUA comportam-se como um espaço rival da U.E. no campo económico). Agora vendem quantidades massivas de armas a uma Europa que se rearma e, na verdade, que tem de se rearmar e faz bem em rearmar-se já. Uma Alemanha que se rearma, (compra F-35 aos EUA, e já pensa em encomendar o Domo de Ferro aos israelitas) e que porá a sua indústria e engenharia a produzir e a inventar mais armas. Rapidamente terá armas nucleares, se quiser. Rapidamente se converterá numa grande potência militar. Rezam as Crónicas da Segunda Guerra Mundial* que a Alemanha ao entrar na guerra tinha 57 submarinos, durante a guerra pôs ao serviço 1 111 e no final ainda lhe sobravam 785.

A Europa tem de rearmar-se porque nunca se sabe que tipo de putin se sentará no Kremlin, ou que tipo de trump ou de biden se sentará na Casa Branca. Porque se hoje é Putin, amanhã a ameaça, poderá vir de outro lado. Ou até, de vários lados.

E, além disso, continuamos todos muito "interdependentes" da mui democrática China, respeitadora zelosa dos Direitos Humanos. E que dizer da nossa interdependência com a mui democrática Turquia, um paraíso dos Direitos Humanos, que ocupa o Norte de um país da U.E. e pertence à NATO. Quando Portugal integrou a NATO, no início, estava longe de ser uma democracia. Não nos venham falar agora de um conflito pela liberdade e pela democracia. A Ucrânia tem de lutar pela sua autodeterminação e liberdade contra o opressor russo. Agora tem. Mas este conflito podia ter sido evitado, se tivesse havido mais astúcia, inteligência e vontade. Ainda recordamos uma entrevista de Zelensky, antes do início da invasão russa. Como ziguezagueou o líder ucraniano.

Dizem os brasileiros que as onças se cutucam com varas longas. Neste caso não houve esse cuidado com a onça russa.

Este conflito foi atiçado. Podia não ter sido. As cidades podiam estar de pé e os que morreram podiam estar vivos. A Ucrânia podia ter jogado com o tempo, mas foi colocada ante uma emergência. É uma tragédia, porque, por definição “uma tragédia é um desastre que podia ter sido evitado”**.

A U.E. não pode andar ao sabor dos interesses das grandes potências ou tornar-se um joguete dos Estados Unidos da América. A U.E. não pode ser uma extensão do Império Americano, que nos domina com o seu soft power, nem de nenhum outro. Macron já percebeu isso e os alemães também. E De Gaulle tinha uma certa razão. A França foi passada para trás pelos americanos e ingleses na venda de submarinos à Austrália antes desta guerra ter começado, tal o desespero da indústria de armamento americana, e o chanceler alemão foi humilhado por Biden, quando este, a seu lado, numa conferência de imprensa, respondeu por ele, que fecharia o gasoduto Nord Stream 2 alemão, como se fosse ele o Imperador e o chanceler um procônsul. O chanceler permaneceu sempre calado, mesmo quando antes lhe colocaram a questão.

É disto que a Europa tem de livrar-se: dos ditames dos Putins e dos Bidens (e dos Trumps) deste mundo. Chegou a hora da Europa, e ela sozinha, seguir e determinar o seu próprio rumo.

Aos americanos estaremos sempre gratos pelo sangue que derramaram no passado, nos solos da Europa Ocidental, para a libertarem do imperialismo e do fascismo. Mas os tempos agora são outros, os americanos são outros e a Europa é outra.

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(*) AAVV, Grande Crónica da Segunda Guerra Mundial, Vol. 3. Selecções do Readers's Digest, 1978, pág. 458.


(**) Eliot Ackerman, James Stavridis, 2034, 2.ª ed., Penguin Random House, 2022, pág. 251.

segunda-feira, maio 09, 2022

O trauma da Primeira Guerra, da Segunda e da Terceira

Ninguém foi para a Segunda Guerra Mundial a cantar, nem mesmo os alemães.

Eric Hobsbawn

A Era dos Extremos, Editorial Presença, 3ª ed., 2002, p. 155.

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Cantavam enquanto marchavam para a guerra, os soldados da Primeira Guerra. Alegremente marchando para o matadouro. Isto no início, quando ignoravam a lama e a metralha, o gás e o arame farpado.

Para a Segunda Guerra marcharam em silêncio, temerosos e soturnos, com a memória da Primeira nos encéfalos.

Para a Terceira Guerra, como marcharão? Com lágrimas? Alguém marchará? Ou antes da bota cardada bater no chão, o chão marchará e os corpos arderão como tochas? Não, para a Terceira Guerra ninguém marchará. Só os loucos.

E no entanto, hoje é dia de marchas e de memória em Moscovo. Comemoram, mas não parecem estar a fazer um correcto uso da memória. 
Se não, não marchariam como marcham, carreando os monstros nucleares da Terceira Guerra pela trela. Não. Nem agiriam como agem. Nem gritariam como gritam: hurrá! hurrá! hurráaaaaaaaaaaaaaa!


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