sábado, maio 31, 2008

Numa boa sociedade

Numa boa sociedade, um homem deve (1) ser útil, (2) estar o mais possível protegido contra o infortúnio não merecido, (3) ter oportunidade de livre iniciativa por todos os meios não prejudiciais aos outros.



Bertrand Russell, O Impacto da Ciência na Sociedade, 1967

domingo, maio 25, 2008

O Partido Neoliberal Democrata, o Partido Neoliberal Socialista, o Neoliberalismo e o Quarto Mundo

O Partido Social Democrata sempre foi neoliberal (um neoliberalismo escondido por detrás do chavão “Social”), o Partido Socialista passou a sê-lo após ter colocado o socialismo “na gaveta”. E embora o neoliberalismo seja mais variegado do que pareça, a verdade é que ambos os partidos o advogam, um de uma forma mais pura, o outro de uma forma mais soft. Mas qualquer neoliberalismo, por mais variegado que seja, parte de premissas comuns: a liberalização dos mercados, a austeridade fiscal e a privatização do sector público.

Estas premissas são acompanhadas geralmente por elevados custos sociais e ambientais e por um retrocesso no grau de reconhecimento de determinados direitos de cidadania, em áreas como a segurança social, o apoio no desemprego, no direito a níveis salariais dignos ou à estabilidade no emprego. Esta velha ideologia com novas roupagens, que grassa pelo globo, apoia-se na progressiva retirada do Estado Social, que nos apoiava nos momentos de infortúnio – no desemprego, na doença e na velhice – e deixa o cidadão, nesses momentos, cada vez mais desamparado e abandonado à sua sorte. As sociedades tornam-se menos solidárias e mais egoístas porque se advoga o fim do papel redistributivo exercido pelo Estado. Este deverá ser “emagrecido” – é o lema do “menos Estado, melhor Estado”, levado ao seu máximo expoente. De acordo com os neoliberais, o Estado deverá ter apenas o papel de regulador da economia e da sociedade, interferindo o menos possível no mercado e na vida dos cidadãos. Persistem numa fé inabalável no Mercado e na “sociedade civil” para a resolução de todos os problemas, quando já se percebeu que o Mercado não funciona sem o Estado regulador, porque não existe nenhuma “mão invisível” que o conduza aos carris quando descarrila.

Adopta-se esta ideologia, quando a mesma revela já sinais de decadência noutros lugares. Os EUA, pioneiros na sua aplicação agonizam agora numa crise profunda, e correm o risco de perderem a sua hegemonia mundial, tornando-se em breve num país como qualquer outro, nas palavras do historiador Fernandez-Armesto, em entrevista ao El Mundo, abandonando a sua condição de hiperpotência.

As políticas neoliberais mal conduzidas deram origem a novas formas de pobreza, nos países mais desenvolvidos, e ao aparecimento do Quarto Mundo, que mais não é do que a emergência do Terceiro Mundo no Primeiro. O aparecimento de bolsas de pobreza e o aprofundamento de desigualdades sociais lançam cada vez mais a democracia representativa no descrédito. Afinal quem representam os partidos? A desregulação e a retirada do Estado do Bem-estar Social (welfare state), deu origem a esse Quarto Mundo, onde, nas palavras dos geógrafos espanhóis, Romero e Noguet (2007), se incluem os excluídos do mercado de trabalho, os desempregados de longa duração, os trabalhadores pouco qualificados e com trabalho precário, os idosos não assistidos e com pensões de miséria, os imigrantes não legalizados e explorados por empresários sem escrúpulos, os grupos étnicos marginalizados, os grupos de jovens marginais oriundos de famílias desestruturadas, com claros deficits educativos e sérios problemas de acesso a uma actividade laboral e a casa própria, ante o encarecimento da mesma e a quase total ausência de habitação social. A utopia neoliberal do mercado livre está a levar o Ocidente a uma espécie de brasileirização, ou seja à irrupção, sobretudo em termos do mercado de trabalho, do precário, do descontínuo, do impreciso, do informal, de tal forma que a sociedade típica do Estado de Bem-estar está a converter-se numa “sociedade de risco”, à imagem e semelhança do Terceiro Mundo.

Os partidos que têm alternado no Governo do nosso país, têm progressivamente adoptado políticas neoliberais, com todas as consequências da sua governação a emergirem, em particular, ao nível económico e social – aumento das desigualdades sociais e territoriais (disparidades regionais), da pobreza e do desemprego.

Os candidatos concorrentes à liderança do Partido Neoliberal Democrata (assim se deveria chamar, em vez de Partido Social Democrata), finalmente assumiram essa condição de neoliberais, em particular o candidato mais novo, que com toda a transparência acenou bandeiras neoliberais, e marcou cedo a sua posição nesse campo. Em seu favor está o facto de não ter ocultado essa sua linha de acção política e de a ter assumido claramente. Aparentemente, por arrasto, a candidata menos nova, presumível vencedora, retirou o véu diáfano que cobria o seu pensamento neoliberal e passou também ela a defender, por exemplo, um Sistema Nacional de Saúde (SNS) reformado, ou para dizer a verdade, o fim do SNS, ou um SNS à americana. Um SNS só para alguns, os mais necessitados, ou seja, os mais pobres dos pobres. A maioria, os mais remediados, a classe média (cada vez menos média), os mais abastados e os poucos ricos, mas muito ricos, esses que recorram aos seguros de saúde ou às clínicas privadas. As companhias de seguro e as clínicas e hospitais privados agradecem. A perversidade de tudo isto é que a real preocupação dos candidatos não é com os mais pobres, mas com os possíveis lucros dos lobbies que os apoiam - o ramo segurador e o sector privado ligado a várias actividades económicas, entre as quais a saúde, para não nomear outras. Seguir-se-á a educação, e tudo o mais que possa ser privatizado.

Quanto à maioria dos cidadãos, se querem saúde, educação, circular nas estradas ou simplesmente, beber água, pois que a paguem já que têm posses para isso porque o Estado, esse, já não pode suportar o fardo de sectores despesistas, como o da Saúde ou o da Educação entre outros e por isso quer sacudi-los para o sector privado como quem sacode a água do capote.

domingo, maio 18, 2008

Navegação da Primavera


Na Primavera há para os homens outra navegação propícia.

Quando pela primeira vez, qual a marca que a gralha

deixa, ao pousar, assim se tornem visíveis ao homem as folhas

na ponta dos ramos, então é navegável o mar.

Esta é a navegação da primavera. Mas eu não

a recomendo, pois não é grata ao meu coração:

imprevisível, a custo vais evitar a desgraça. Apesar disso,

os homens praticam-na, por ignorância de espírito,

pois a riqueza é a vida para os míseros mortais.

E é horrível morrer entre as ondas. Exorto-te, porém,

a meditar tudo isto em teu espírito, como te digo.

Não ponhas nas côncavas naus todos os teus haveres,

mas deixa a maior parte e embarca a pequena porção,

pois é duro encontrar a ruína sobre as ondas do mar;

duro também se, ao colocar sobre o carro peso excessivo,

partes o eixo, e resulta a perda da carga.

Guarda a medida; a ocasião é em tudo a melhor coisa.


Hesíodo, Trabalhos e Dias


segunda-feira, maio 12, 2008

Prelúdio

Le Boulevard Montmartre, effet de nuit, 1897
Camille Pissarro (1830-1903)

Preludio

Las alamedas se van,
pero dejan su reflejo.

Las alamedas se van,
pero nos dejan el viento.

El viento está amortajado
a lo largo bajo el cielo.

Pero ha dejado flotando
sobre los ríos sus ecos.
El mundo de las luciérnagas
ha invadido mis recuerdos.

Y un corazón diminuto
me va brotando en los dedos.

Garcia Lorca

domingo, maio 11, 2008

As Revoluções

As revoluções são como pedras lançadas à quieta superfície de um lago. Agitam-na, provocam ondas de choque e depois tudo volta a ser como dantes. As águas, passadas as ondas de choque, retornam ao seu sossego. Muitos acreditam nisto e propalam a inutilidade das revoluções. Mas os efeitos das revoluções dependem principalmente da dimensão da pedra que é lançada, ou da rocha, ou do meteorito que cai sobre as águas.

Talvez a sociedade não seja como um lago, mas como um rio. Uma revolução pode mudar o seu curso. Mas mais uma vez depende da dimensão da pedra ou da rocha e da força com que é lançada. Talvez a mudança dependa também da força com que o rio corre.

Talvez o “Maio de 68” tenha sido uma pedra lançada ao charco, assim como o “25 de Abril”. Pois o tempo acabou por trazer o sossego ao limite das águas e já tudo permanece… (ou tudo muda?).

O que é certo é que os revolucionários de 68, quando chegaram ao poder, trouxeram-nos o neoliberalismo. Fizeram tudo ao contrário do que gritaram na rua. Esqueceram os ideais revolucionários na sua acção governativa. Agora festejam apenas a revolução da sua juventude, mas não foram capazes de mudar o curso das águas.

Do “25 de Abril”, passados estes anos, ainda se fazem sentir as suas ondas de choque nas ruas (não é a liberdade uma onda de choque?). Os que nos governaram desde então, porém, repetem os mesmos erros dos governantes de Maio de 68 e adoptaram o neoliberalismo como cartilha.
Pois que se vão, e que dêem lugar a outras gerações. Que venham outras águas. Mais claras.

O Rapaz do Gueto de Varsóvia

Jamais o esqueceremos.

domingo, maio 04, 2008

Maio Maduro Maio

"Primavera (em Chatou)"
Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)
Há quem viva sem dar por nada, há quem morra sem tal saber. (José Afonso)

domingo, abril 27, 2008

A rejeição da memória no sistema escolar

George Steiner ergue também a sua voz contra a rejeição da memória no sistema escolar. A memória é basilar relativamente aos processos de aquisição de conhecimento, suportando-os ou operando transversalmente aos mesmos: não existe conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação (os níveis cognitivos da taxonomia de Bloom), sem que a memória esteja presente em todos estes processos.

Steiner é elucidativo, quando defende a memória, ao ponto de a colocar ao serviço da liberdade e integridade do nosso ser:

O texto memorizado interage com a nossa existência temporal, modificando as nossas experiências e sendo dialecticamente modificado por elas. Quanto mais vigoroso for o músculo da memória, melhor protegido estará o nosso ser integral. O censor ou a polícia do estado não podem extirpar o poema memorizado (veja-se a sobrevivência dos poemas de Mandelstam através da transmissão oral, na impossibilidade de uma versão escrita). Nos campos de morte, certos rabinos e estudiosos do Talmude eram conhecidos como «livros vivos» cujas páginas podiam ser «consultadas» por outros prisioneiros em busca de um conselho ou de uma palavra de consolo. A grande literatura épica, a dos mitos fundadores, começou a declinar com o «progresso» em direcção à escrita. Por tudo isto, a rejeição da memória no actual sistema escolar é de uma flagrante estupidez. A consciência humana está a menosprezar e a ignorar o seu lastro vital.

Steiner, George (2003), As Lições dos Mestres, Gradiva, Lisboa, pág.35.

sábado, abril 26, 2008

A desconstrução da memória pela abolição da memorização

Com a abolição da memorização do ensino, os reformadores acabaram por atirar fora a "água da banheira com o bébé lá dentro". Muito do que era memorizado no ensino tradicional, concordamos, pouco valor prático tinha, como por exemplo, conhecer todas as estações de comboio e apeadeiros, contudo passou-se do 80 para o 8. O resultado destas reformas faz-se sentir na qualidade do ensino, que perde rigor, e na qualidade da aprendizagem, que perde profundidade. Queixa-se também do facto o professor Shwanitz entre outros professores. É uma evidência notada por muitos académicos, esses que frequentam os mares onde vão desaguar os rios de alunos vindos dos níveis inferiores.
Refere Shwanitz:

A grande narrativa da nossa História é o esqueleto em que inserimos todos os outros conhecimentos: o nosso saber cultural encontra-se ordenado por critérios históricos, e não sistemáticos. E esta esquematização da História opera através da cronologia. Por tudo isto, é necessário termos uma ideia aproximada do esqueleto temporal.

Para tal, temos de esquecer a imbecilidade com que os reformadores do ensino entrecortaram a ordem cronológica enquanto fio condutor do ensino da História, tendo-a substituído por escombros desconexos como unidades de ensino sobre «o castelo medieval» ou «o cultivo de arroz no Vietname». Ao protestar-se contra a memorização de datas deu-se a conhecer a perda definitiva do juízo: as datas não são simples números, mas pontos de referência no espaço e no tempo, marcações para o ordenamento de períodos, bóias no mar de acontecimentos, placas de sinalização iluminadas na noite que desde já ordenam a caminhada da História. Quem se envolve em polémicas contra a cronologia é tão maluco como alguém que faça da abolição das tábuas das estantes para livros a tarefa da sua vida. No entanto foi precisamente isso que os reformadores do ensino fizeram. Deste modo, os alunos perderam em grande medida o sentido para a História, nunca tendo adquirido a sensibilidade para a «índole temporal» da História.

Schwanitz, Dietrich, CulturaTudo o que é preciso saber, Dom Quixote, 4ª edição. Lisboa, 2005, página 31.
Então, em relação ao 25 de Abril e ao desconhecimento de alguns jovens dos detalhes dos factos, em que ficamos? É verdade que os jovens poderiam e deveriam estar mais informados acerca dos detalhes dos factos, e talvez a maioria só venha a saber o que realmente a liberdade é, se esta um dia, por infelicidade, lhes for retirada, dado que vivem nela, porém muitos, estamos certos, acompanham os esforços dos mais velhos que tiveram de lutar pela liberdade e indagam-se no seu íntimo, acerca das razões de tanta comemoração, procurando respostas. Porque a curiosidade faz parte da sua natureza.
Mas o tempo encarregar-se-á do esquecimento, mesmo contra a vontade dos homens.
Mas então nessa altura, teremos vivido.
*****
Voltarei à questão da importância da memória na Educação. E trarei Steiner comigo. Até breve.

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