
Nas ilhas Faroé (Dinamarca), mantém-se o ritual de passagem dos rapazes à idade adulta, uma tradição que remonta ao século XI. O ritual é assinalado com a chacina de milhares de golfinhos.
“A sociedade portuguesa precisa de serenidade e de trabalho.” José Relvas, Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares à SIC em 24-11-2011
«Nunca ninguém me ouvirá a desincentivar a mobilização, mas, se reconheço a importância de se exprimirem, também reconheço bem como é importante para Portugal encontrar uma saída para a crise que resulta do nosso trabalho» Pedro Passos Coelho à SIC Notícias, 23-11-2011
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É fácil concordar com estas afirmações. Afinal parecem querer dignificar o nosso trabalho, o trabalho dos portugueses. Quem se opõe à dignificação do trabalho? O problema é que estes senhores valorizam o trabalho no discurso mas desvalorizam-no nas acções e nas medidas governativas que tomam. Ora as acções são mais reveladoras do que as palavras.
Se dizem valorizar tanto o trabalho, então por que razão tomam medidas que o desvalorizam? Por que razão baixam a remuneração do trabalho? Por que razão subtraem salários aos trabalhadores? Por que razão desincentivam o trabalho? (Ou será que se incentiva o trabalho pagando menos a quem o oferece?) Por que razão desincentivam as horas extraordinárias, desencorajando aqueles que gostariam de trabalhar mais? Por que razão desincentivam o trabalho nocturno? Por que razão não promovem o trabalho, na verdade? (É a crise, dizem, como se fossem os que sempre trabalharam os responsáveis por esta situação. Na verdade, onde estão os responsáveis?).
Se bem percebemos, querem que trabalhemos o máximo contra a mínima remuneração possível. Levando esta ideia ao extremo, para esta gente, o ideal seria que trabalhássemos sem nada receber. Zero! De graça, sem qualquer remuneração!
Não saberão que o trabalho é um meio e não um fim? Será que pensam e sentem como os cínicos que mandaram escrever no cimo dos portões dos campos de concentração “Arbeit macht frei”? Também diziam glorificar o trabalho, não é verdade? O trabalho dos escravos, que afinal não libertava coisa nenhuma.


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E existem muitos mais. Eles andam por aí (António Borges, por exemplo, ex-director do departamento europeu do FMI e ex-vice-governador do Goldman Sachs). Todos têm fortes ligações ao poderoso banco de negócios de Wall Street, qual nova Maçonaria ou Opus Dei, com os seus agentes infiltrados. São uma espécie de fundamentalistas da alta finança. Gente fanática. Há mais fé do que ciência nas suas intenções e acções. Crêem cegamente numa teoria económica que não encaixa na realidade e querem que a realidade encaixe na teoria. A realidade somos nós! Eles são os missionários da nova teologia de mercado. Agentes. Actantes. Lacaios de uma engrenagem gigantesca que os tolhe e que nos quer tolher, arrasadora de democracias, escravizadora de povos. É mais forte do que eles. Não pode ser mais forte do que nós.
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Epílogo
Já somos governados pelos teólogos do mercado. Uma espécie de “Chicago boys” que chegaram ao Governo, pela via democrática, é um facto, mas também pela via da sua mentirosa “política de verdade”, anunciada aos quatro ventos durante a campanha eleitoral. Curiosamente, ou nem por isso, ouvimos hoje da boca de Mariano Rajoi a mesma expressão. Os espanhóis que se cuidem. Não há nada a fazer com esta gente que se julga dona da verdade. São uma espécie de Testemunhas de Jeová da Economia. Fanáticos de mente blindada. Fundamentalistas. A sua crença na teoria económica clássica e neoliberal é tão cega, que julgam que a economia recuperará com a austeridade e que a democracia acabará por funcionar a seu favor.


O criacionismo é coisa de fundamentalistas protestantes, diz Umberto Eco, e, paradoxo dos paradoxos, o texto em que se baseiam – o Génesis - até é “refinadamente” darwinista. Nos nossos dias, e sabendo o que sabemos hoje, qualquer interpretação literal da Bíblia, como a que realizam os fundamentalistas protestantes, ultrapassa a fronteira da sanidade e da razoabilidade. Mas, por outro lado, a leitura metafórica também pode prestar-se a diversas interpretações, algumas até de sinal contrário. E assim, tudo o que antes era religiosamente proibido passa agora a ser vagamente permitido.
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Ora, seria infantil pedir a São Tomás absolvições para quem pratique um aborto dentro de um dado período de tempo, e, provavelmente, ele não pensava sequer nas implicações morais do seu discurso, que hoje chamaremos de tipo refinadamente científico. No entanto, é curioso que a Igreja, que sempre se reclama do magistério do doutor de Aquino, sobre este ponto tenha decidido afastar-se tacitamente das suas posições.
Aconteceu um pouco aquilo que aconteceu com o evolucionismo, com que a Igreja tinha chegado a acordo há muito, porque basta interpretar em sentido metafórico os seis dias da criação, como sempre fizeram os padres da Igreja, e eis que deixa de haver contra-indicações bíblicas a uma visão evolucionista. Pelo contrário, o Génesis é um texto refinadamente darwinista, porque nos diz que a criação aconteceu por fases, do menos complexo ao mais complexo, do mineral ao vegetal, ao animal, ao humano.
No princípio, Deus criou o céu e a terra. [...] Deus disse: «Haja luz!» E houve luz. Deus viu que a luz era uma coisa boa e separou a luz das trevas e chamou à luz dia e às trevas noite. [...] Deus fez o firmamento e separou as águas que estão debaixo do firmamento das águas que estão por cima do firmamento. [...] Deus disse: «Juntem-se as águas que estão debaixo do céu num único lugar e apareça seco.» E assim aconteceu. Deus chamou ao seco terra e à massa das águas mar. [...] E Deus disse: «A terra produza rebentos, ervas que produzam sementes e árvores de fruto, que dêem na terra fruto com a semente, cada uma segundo a sua espécie» [...]. Deus fez as duas luminárias grandes, a luminária maior para senhorear o dia e a luminária menor para senhorear a noite, e as estrelas. [...] Deus disse: «As águas fervilhem de seres vivos e aves voem sobre a terra, diante do firmamento do céu.» [...] Deus criou os grandes monstros marinhos e todos os seres vivos que deslizam e fervilham nas águas [...]. Deus disse: «A terra produza seres vivos segundo a sua espécie: gado, répteis e animais selvagens segundo a sua espécie.» [...] E Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança.» [...] E então o Senhor Deus formou o homem com pó da terra e soprou-lhe nas narinas um fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.
A escolha de uma batalha anti-evolucionista e de uma defesa da vida que chega até ao embrião parece sobretudo um alinhamento com as posições do protestantismo fundamentalista.
Eco, Umberto; Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais, Gradiva, 2011. Pág. 127-128

A apropriação dos rendimentos do trabalho prossegue à vista desarmada, e o povo a ruminar numa pacata mansidão. É espantoso!
Parece que nunca abandonámos da nossa memória colectiva a vivência dos tempos de uma "casa portuguesa, com certeza: pão e vinho sobre a mesa." Esses tempos em que tudo nos faltava, menos a açorda e o vinho (e os meninos do povo animavam-se com “sopas de cavalo cansado” e trabalho), que a carne ou o peixe, nem vê-los – coisa de burgueses. Até a liberdade nos faltava, ou a liberdade acima de tudo. Comia-se açorda e bebia-se vinho. Fado, Fátima e Futebol. Os anos em que todos éramos magriços. Foram muitos anos de Estado Novo. Anos que não se apagaram. Os “brandos costumes”, mil vezes martelados aos nossos ouvidos por uma insidiosa propaganda, e a coerção pidesca, amansaram-nos. Até a Revolução foi uma coisa de flores.
Os tempos de falsa prosperidade foram breves e, pelos vistos, não foram suficientes para iludir os portugueses da sua condição de pobre povo do cú da Europa. Os “cafres da Europa”, já dizia o Padre António Vieira. Só assim se consegue explicar a apatia e a plasticidade de um povo, que tão bem se adapta a estes tempos de infortúnio e abuso. É um povo-boi que tudo suporta.
Pobre povo.