quinta-feira, dezembro 28, 2017

sábado, dezembro 23, 2017

Os Despojos do Dia

Há quem viva só para as mordomias, para agradar ao patrão. Há quem viva só para o trabalho, perseguindo elevados padrões de profissionalismo, e apenas isso. Na realidade quem assim vive não vive nem atenta na vida que lhe passa ao lado.
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Lido em tempos numa folha afixada nas paredes de uma reprografia: “Lembra-se daquela formiguinha que trabalha, trabalhava, trabalhava, só para agradar ao patrão? Teve um ataque cardíaco e morreu.”
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Stevens, o personagem principal, não teve um ataque cardíaco nem morreu. Não chegou a uma idade suficientemente tardia para morrer a trabalhar, como o pai. Pura e simplesmente Stevens não amou.

Aos nutricionistas...

...deviam dar-lhes o tratamento que dão ao bardo do Astérix em dias de festa. Nesses dias o bardo é atado a uma árvore e amordaçado para que não incomode com o seu canto.

sexta-feira, dezembro 22, 2017

A memória

A memória chega-nos de fora. Ela vem do Outro. (...)...na realidade são os outros que dão testemunho de nós ao mundo. A memória que nos livra de não ser vem de outra parte. Ela não vive aqui, mas noutro lugar.

Leonidas Donskis

in Zygmunt Bauman, Leonidas Donskis, Cegueira Moral, Relógio D'Água, 2016, pág. 158.

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A existência pode estar para além da memória. Podemos ser sem que ninguém nos lembre, sem que ninguém se lembre. Ser, é ser lembrado? Não. Existimos (ponto final). Vivemos. E quando já nada houver para nos lembrar ou ser lembrado, ainda assim, teremos vivido.

Não acreditais? Lede então o Discurso de César às Legiões.

...quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.

sábado, novembro 25, 2017

Um poema de Alberto Pereira



Flores de ponta e mola.
Beijos calibre 6,35.
Foi assim que encostaste
o aço ao meu nome.

Guardo ainda num revólver
algumas árvores e pássaros,
o arrependimento de Raskólnikov
e as sinfonias de Stravinsky.

É já tempo de matar a eternidade.

Tenho a mais bela pólvora do mundo.


(Poema de Alberto Pereira, Viagem à Demência dos Pássaros, Glaciar, 2017)

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Abri o livro e deparei com este poema. Fechei o livro e o poema perseguia-me na contracapa.

Bela pólvora a de Alberto Pereira: árvores, pássaros, o arrependimento de Raskólnikov e as sinfonias de Stravinsky. A mais bela pólvora do mundo.

sexta-feira, novembro 24, 2017

Pedro Rolo Duarte (1964-2017)

De Pedro Rolo Duarte pouco conhecia, para além da sua imagem, da sua voz e simpatia, as escolhas musicais num programa da Antena 1 chamado Hotel Babilónia, ao lado de João Gobern, e ainda o seu blogue. Nem sempre concordava com as suas opiniões, nem com os seus gostos musicais, mas partilhava da sua embirração com os que conduzem com um braço de fora ou com o cotovelo apoiado na janela do automóvel. Era uma voz familiar. A sua morte foi inesperada. Era um homem novo. Lamento a sua perda.

terça-feira, novembro 14, 2017

sábado, novembro 11, 2017

Conheci rios

O Negro Fala de Rios

Conheci rios
Conheci rios tão antigos como o mundo, mais velhos do
   que o sangue humano correndo nas veias humanas.
A minha alma foi-se tornando funda como os rios.

Banhei-me no Eufrates quando eram jovens as madrugadas.
Construí a minha cabana nas margens do Congo e ele embalou-me o sono.

Olhei o Nilo e acima dele ergui as pirâmides.
Ouvi o canto do Mississipi quando Abraham
   Lincoln desceu até Nova Orleães, e vi
   o seu fundo lamacento ficar todo dourado ao pôr-do-sol.

Conheci rios:
rios escuros, rios antigos.

A minha alma foi-se tornando funda como os rios.


                         (Langston Hughes, tradução de Ana Luísa Amaral, Antena 2)

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"The Negro Speaks of Rivers

I’ve known rivers:
I’ve known rivers ancient as the world and older
   than the flow of human blood in human veins.
My soul has grown deep like the rivers.

I bathed in the Euphrates when dawns were young.
I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe
    Lincoln went down to New Orleans, and I’ve seen
    its muddy bosom turn all golden in the sunset.

I’ve known rivers:
Ancient, dusky rivers

My soul has grown deep like the rivers.


                                                               (Langston Hughes)

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Sobre Langston Hughes, na Antena 2, aqui.


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domingo, outubro 15, 2017

Em leitura: A Grande Aceleração


  «Biodiversity conservation has become a global norm in a very short period of time, in reaction to mounting evidence of biodiversity decline. Despite real conservation successes, human activities since 1945 greatly intensified the number and severity of threats facing the world’s living organisms. Human beings increasingly order the world. We have selected a handful of preferred plant and animal species, living in managed and simplified landscapes, and have unconsciously selected another handful of species that adapt well to these landscapes (rats, deer, squirrels, pigeons, and such). In so doing we have greatly reduced or eliminated the number of other plants, birds, mammals, insects, and amphibians that lived in and on these landscapes just a short time ago. In this regard the ethical question is much the same as ever: Are we content with a world containing billions of humans, cows, chickens, and pigs but only a few thousand tigers, rhinoceroses, polar bears - or none at all?
The twenty-first century portends still greater pressure on biodiversity than did the twentieth.   Rising affluence, at least for some, plus three to five billion additional people, will menace the world’s forests, wetlands, oceans, seas, rivers, and grasslands. But climate change likely will set the twenty-first century apart.» (pág. 100)

Engelke, Peter; McNeill, J. R, The Great Acceleration, An Environmental History of the Anthropocene since 1945, The Belknap Press of Harvard University Press, 2014

(os destaques são nossos)

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