segunda-feira, agosto 31, 2009

Pós-política

A crise é tão grande e tão profunda que está literalmente em tudo e em toda a parte: nas ruas, nas conversas, num medo surdo que vai crescendo, no desprezo geral pela autoridade e na desconfiança de qualquer política.

Vasco Pulido Valente, Público, 16.08.09

sexta-feira, agosto 28, 2009

Os últimos dias de Agosto

Claude Monet (1840-1926) -A Regata de Sainte-Adresse, 1867

Música: Shostakovitch, Jazz Suite N.º 2, Valsa Lírica

quarta-feira, agosto 26, 2009

Ética e Responsabilidade

«Mas a ética é a esfera que não conhece culpa nem responsabilidade: é, como sabia Spinoza, a doutrina da vida feliz

Giorgio Agamben, O que resta de Auschwitz – O artigo e o testemunho. Homo Sacer III.

segunda-feira, agosto 24, 2009

Semper Fidelis


Fidel Castro, a fiel fortaleza, sempre fiel, está longe de ter perdido a lucidez, como muitos gostariam que fosse.

Sempre fiel aos seus princípios e à Revolução, mesmo no fim, não deixa de estar atento ao mundo. Manifestou a lucidez que não teve Hoxa ou que não tem Mugabe, ao retirar-se do Poder em Cuba. Manifestou lucidez ao receber na sua ilha o Papa João Paulo II. Mas mais do que acreditar em Deus, crê no Homem e na Revolução.

Está lúcido quando ouve Ban Ki-moon a propósito da Cimeira de Copenhaga sobre o clima, ou os generais do Pentágono, acerca da ameaça ambiental à segurança dos EUA, e preocupa-se com a sobrevivência dos pobres do mundo.

Ao receber estudantes de Direito venezuelanos referiu que jamais poderá ser revolucionário aquele que não acredita no Homem. Essa pele não cabe aos ressentidos da vida, nem aos “contentes com o mundo”. E nem as distopias em que se transformaram todas as utopias, sempre que o Homem as tentou levar à prática, o demovem da crença na Humanidade.

Eis Fidel, semper fidelis.

Grécia em chamas

O problema do PS

There is no politics without frontiers.

Chantal Mouffe

Neste momento o PS vira-se para a Direita e exige, embirrento, um programa político para plagiar. Vira-se para a Esquerda e tenta desesperadamente encontrar um aliado que se queira coligar consigo, hipótese que lhe é recusada, cada vez com mais asco. Entre o estrabismo das piscadelas de olho à Direita e à Esquerda, lá vai colhendo migalhas que caem das respectivas mesas políticas, como a de Miguel Vale de Almeida. Na mesma linha de comportamento, procurou desesperadamente por Joana, mas esta fugiu-lhe e bem. Alberto das ilhas já clama, astuto, que o PS não tem ideologia. Mas o caso é pior: o PS está com uma crise de identidade.

Tudo começou a esboçar-se há muitos anos atrás, quando decidiu colocar o socialismo na gaveta. Mais tarde, descuida a defesa de instituições democráticas face a ameaças de desmantelamento e demolição, quando essa era uma preocupação da Esquerda, num momento de apogeu neoliberal. Privatiza, abraça a flexibilidade do trabalho e a degradação da qualidade do emprego. Aprofunda as desigualdades sociais e as disparidades territoriais, simula um esboço de regionalização, que foi rejeitado (para seu secreto alívio). Abraça a "terceira via" de Giddens e faz concessões ao neoliberalismo – Sócrates é a versão portuguesa de Blair. O problema é que o neoliberalismo arrastou o mundo para uma crise financeira, económica, social e ecológica – ou seja, mostrou que não é sustentável – e o PS já não pode voltar atrás. Está demasiado comprometido e não definiu linhas claras de separação entre a sua política e a política neoliberal, (na verdade praticou uma política neoliberal quando esteve no Governo).

Neste momento, em que se exige clareza de posições, temos partidos fiéis aos seus princípios e ideologias e um, sem princípios nem ideologia. Alguns fundadores, como Mário Soares, tentam agora desesperadamente inverter o rumo, mas é tarde demais. O Partido Socialista não é socialista. O que é o Partido Socialista?

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Referências

Mouffe, Chantal (1998) - “The Radical Centre. A politics without adversary”, Soundings, issue 9.

Carpentier, Nico; Cammaerts, Bart (2006) – “Hegemony, democracy, agonism and journalism: an interview with Chantal Mouffe”, Journalism Studies, 7 (6). Pp. 964-975.

domingo, agosto 23, 2009

Niña


Niña, de Sorolla, 1904

sábado, agosto 22, 2009

Pois, pois, a competitividade.

Impõem-se os impostos porque doutra forma ninguém os pagaria. No passado eram um tributo ao príncipe, hoje são um dever no Estado de Direito. Idealmente, deveriam ser uma forma de redistribuição justa, dos que têm para os que não têm, mas sabemos que na realidade não é assim. É certo que quem tem, pode ter trabalhado para isso e quem não tem, pode nada ter feito. Mas a maior parte dos que não têm posses não é responsável por essa situação, em particular, num mundo onde, injustamente, as desigualdades sociais se aprofundam, favorecidas por um sistema económico que premeia os exploradores e os nascidos em berços de ouro.

Aqueles que invocam a competitividade para reduzir os impostos, não estão verdadeiramente interessados na redistribuição da riqueza, mas sim na manutenção do status quo e no volume da sua bolsa. E ainda vêm com a velha história de que é preciso primeiro criar riqueza para depois a redistribuir, quando, na verdade, criação e a redistribuição da riqueza são dois processos simultâneos.

No contexto actual, os anúncios de reduções nos impostos sob o pretexto da defesa da competitividade escondem intenções de assalto aos serviços públicos por empresas privadas e pelo empresariado voraz.

A redução de receitas do Estado tem várias consequências entre as quais a degradação dos serviços públicos e o seu descrédito aos olhos dos cidadãos, preparando-se assim o terreno para o seu desmantelamento. Todos deveríamos saber que a redução das receitas tem de ser acompanhada por uma redução da despesa, para que o deficit se mantenha a valores mínimos ou nulos. Ora para que a despesa se reduza é requerido um Estado minimal e para isso não há como despedir funcionários públicos e privatizar serviços do Estado. Mas neste processo só os serviços passíveis de lucro são privatizados, ficando o Estado com os prejuízos. Os cidadãos passam então a ter de pagar a sua saúde, a sua educação, a sua segurança, a sua defesa judicial, etc., deixando o Estado de os apoiar em situação de infortúnio (desemprego, invalidez, doença, morte de cônjuge, etc.). É este o mundo dos que defendem o neoliberalismo.

Em vez de se preocuparem com o nível dos impostos, deveriam preocupar-se em aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços públicos e melhorar a sua organização de forma a que os cidadãos não tivessem, por exemplo, de esperar 12 horas ou mais numa urgência de um hospital por um médico que está de folga ou de férias.

Aos que preferem Hayek a Keynes

Preferir Hayek a Keynes é aceitar que o poder se transfira do Estado de Direito para o mercado. Este dita que o poder fica com quem mais lucra e quem mais lucra é quem mais explora. Quem mais explora é quem mais domina e, em última instância, escraviza.

O medo do Estado ditatorial é tanto, que em fuga há quem se lance nos braços da ditadura do mercado, esquecendo que vivemos num Estado de Direito (precisamente, inventado “para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio).

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Apontar o dedo ao Estado-providência keynesiano alegando a sua falta de democraticidade, é um velho argumento neoliberal (Purcell, 2009, 146):

Not surprisingly then, we see much evidence of neoliberals working to associate their project with democracy. One element of that strategy has been to argue that the Keynesian welfare state was undemocratic because decisions tended to be national, top-down, bureaucratic, and expert-driven. Neoliberals argue that their agenda of deregulation takes such decisions away from the state and its arbitrary, unchecked power, and hands them to individuals making free, rational decisions in an open market. There is little doubt the Keynesian state suffered from important democratic deficits. However, the neoliberal solution is not to democratize the state, but to relocate its power to the market.

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Referência:

Purcell, Mark (2009); “Resisting neoliberalization: communicative planning ou counter-hegemonics movements?”, Planning Theory, Vol 8 (2): 140-165.

segunda-feira, agosto 10, 2009

O vírus turista e a gripe suína

Após ter partido do México e viajado pelo mundo fora nos mais sumptuosos paquetes e em linhas aéreas de primeira classe, ei-lo que chega. Aliás, já se encontra entre nós, o vírus turista, o vírus global (a globalização dos vírus e das bactérias antecedeu a do capital financeiro). E nós, portugueses, afamados na arte de bem receber, acolhemo-lo de braços abertos, que doutra forma não pode ser.

Quando os médicos regressarem das suas férias, aguardá-los-ão urgências repletas de receosos autóctones, não vá a sua gripe ou constipação ser uma gripe porcina. E aos professores, kits de máscaras e escolas hesitantemente abertas, entre aflições de progenitores necessitados de depositar as suas crias nalgum lugar (que seja uma escola!). E aos alunos, rotinas de descontaminação e diversão. E aos patrões, pesadelos de quarentenas. E aos juízes, novas protelações. E aos políticos, cómicas sessões de deputados embuçados.

Passaremos a cumprimentar-nos com um olá fugidio e apressado (nada de beijos e apertos de mão e cuidado com as maçanetas!). Aumentará a frequência acumulada de infectados, sempre noticiada como um número absoluto que cresce em progressão geométrica, quando todos nós sabemos, que aos primeiros já a gripe não incomoda.

domingo, agosto 09, 2009

Questões de "rentrée"

Agosto aproxima-se do seu auge e perfilam-se já algumas questões com as quais os portugueses vão andar enleados a partir de Setembro para além das suas eternas dúvidas existenciais, como por exemplo, a de saberem quanto dinheiro terão nos bolsos ou se é desta que ganharão o euromilhões. Com certeza as suas cabeças, algures nesta silly season, já foram perpassadas por estas interrogações:

  • Serei contagiado pela gripe suína? Quando?
  • Quem nos governará?
  • Sairemos da crise?
  • O preço dos combustíveis aumentará? (portugueses automobilizados e afins)

quinta-feira, agosto 06, 2009

A festa de casamento


A Festa do Casamento, de Pieter Bruegel, o Velho, c. 1567-68

«É um quadro do século XVI do pintor Peter Bruegel que retrata uma boda de casamento de uma família da classe média. Este quadro está cheio de informação económica fascinante. Reparem primeiro na ementa da boda. Apesar de se tratar de uma ocasião de festa, há um único prato que está longe de ser luxuoso: flocos de aveia. Olhem agora para a criança que está a lamber a pouca aveia que resta no seu prato. Parece claro que ela está a aproveitar uma das poucas oportunidades de comer até ficar saciada.
Uma das razões pela qual esta pintura é famosa é porque representa uma pessoa com fome. Reparem no olhar angustiado que um dos músicos deita aos pratos de aveia. Os músicos fazendo parte da classe baixa, comiam no fim. E ao ritmo a que a comida está a desaparecer nesta boda, é bem possível que a aveia se esgote.
Na pintura original há castanhos, verdes, vermelhos, azul claro, mas muito pouco de azul-escuro. A exclusão do azul-escuro pode ter sido uma escolha estética. Mas, perdoem-me o enviesamento profissional, a explicação mais plausível para a ausência do azul-escuro é uma explicação económica. A tinta azul com carácter permanente era na época extremamente cara, por ser produzida com uma pedra semi-preciosa chamada lápis-lazúli. O pintor teve que se contentar com o azul claro que o escuro era caro demais.
Porque é que lhes estou a mostrar esta pintura? Para nos lembrar a todos que, desde o princípio da humanidade até há cerca de dois séculos, o mundo foi muito pobre; o cidadão médio teve níveis de vida incompativelmente mais baixos do que os nossos. Até ao século XVIII a principal preocupação da maior parte dos habitantes era a sobrevivência. O pensamento mais comum era: será que vou ter saúde e comida suficiente para chegar ao fim do dia? Havia um grupo exíguo de ricos, e é sobre esses que se escrevem contos e novelas que nos dão uma imagem romântica dos “bons velhos tempos”. Essas obras podem ser boas do ponto de vista literário, mas escondem a verdade dos factos: os velhos tempos eram péssimos.»

Rebelo, Sérgio (2001); “Educação, Capital Humano e Desenvolvimento Económico” in Globalização, Desenvolvimento e Equidade; Fundação Calouste Gulbenkian e Publicações Dom Quixote, pp. 77-79.

terça-feira, agosto 04, 2009

As férias de Cavaco

O nosso Presidente foi de férias. Foi de férias, alto lá! Leva trabalho que daria para encher um jipe. No seu pedagógico anúncio à nação (como parece pretender que sejam todos os seus professorais anúncios) parece sentir relutância ou pudor em afirmar que não vai fazer a ponta de um corno. Não. Leva trabalho e que trabalho! Pois eu gostaria de ter um presidente que afirmasse sem vergonha que vai aproveitar as suas férias para descansar, para reflectir sobre o mundo, para pôr a sua leitura em dia (caso goste de ler algo mais do que técnicos cartapácios legais) ou para recitar poesia. Será que está imbuído da ética protestante e do espírito do capitalismo? É verdade que visitou a Áustria recentemente, berço de neoliberais, terra de Schumpeters e Hayeks. É também verdade que o trabalho dignifica (quando não escraviza). Mas nas férias? Mais vale reconhecer que não vai de férias. É que nós portugueses quando nos preparamos alegremente para ir de férias, lá vêm os anúncios da imprensa lembrar-nos de que somos o povo (ou um dos povos) que menos trabalha na Europa, que temos mais feriados do que os outros, que a nossa produtividade é baixa, etc. Em suma, somos todos uns mandriões que, se calhar, nem merecíamos ir de férias. Querem que trabalhemos como um alemão, um austríaco ou um japonês? Pois que trabalhem eles, que nós somos latinos. Nisto estou com Agostinho da Silva: ainda que o trabalho liberte (como diziam os outros maldosamente– arbeit macht frei), prefiro libertar-me do trabalho.

Boas férias Sr. Presidente.

sábado, agosto 01, 2009

Começar pelo princípio

Fernando Pessoa, Mensagem

É preciso descer a encosta e procurar outro caminho que nos leve ao cume da montanha. É necessário regressar ao sopé. Perdemos o trilho. A descida agora tem de ser cuidadosa, pois pode ser mais dolorosa do que a escalada se não for realizada com a necessária presença de espírito. Uma vez no sopé, é preciso tornar a avaliar o penhasco e procurar um possível novo percurso. E depois, voltar a tentar. Iniciar uma nova escalada. Procurar um novo caminho.

É esta a mensagem de Zizek*.

E ainda que tentem demover-nos, é preciso encarar a montanha que se ergue à nossa frente, em desafio. E a sua escalada é uma obrigação para todo aquele que não está contente com o mundo.

Na verdade, as causas do nosso descontentamento existem. São elas que nos motivam a subir e a não abandonar tão árdua tarefa. E o nosso descontentamento é o descontentamento com o mundo, hoje dominado pelo capitalismo neoliberal e pelos seus “antagonismos”: a sombria ameaça da catástrofe ecológica motivada pela capitalização de quase tudo (para os neoliberais, tudo o que é passível de ser comercializado no “mercado livre” é capital, desde florestas a presas de elefante, do petróleo a peles de foca); a transformação de toda a propriedade intelectual em propriedade privada; as implicações éticas e sociais dos novos desenvolvimentos tecnológicos, especialmente no campo da bio-genética; e as novas formas de apartheid social – dos muros aos condomínios fortaleza, das vedações eléctricas aos bairros-de-lata (Zizek, 2009: 53).

A montanha aguarda-nos.

O que esperamos?

Referências

*Zizek, Slavoj (2009); “How to begin from the beginning”, New Left Review, 57, May June 2009.

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