O filósofo francês Gilles Lipovetsky lá tenta pôr água na fervura ao analisar a sociedade hipermoderna. Afirma ele que “a depreciação dos valores supremos não continuará sem limites, o futuro continua aberto” (2011 [2004], pág. 106). Ou seja, ainda há esperança, ainda é possível inverter o rumo que nos arrasta para o fim. Como se não houvessem pontos de não retorno. Como se os limites a não transpor, e a partir dos quais não se pode voltar atrás, se fossem afastando sempre à nossa frente. Como se fosse possível trazer à vida as culturas tribais com todo o seu património perdido, a sua arte, a sua língua…perdidos para todo o sempre. Como se fosse possível voltar a ver os dodós nas ilhas Maurícias.
Não se trata só de uma “depreciação” de valores. Trata-se de uma destruição de valores.
Lipovetsky esquece a geografia. Como se todas as sociedades do mundo fossem hipermodernas. A maior parte delas não é. O mundo está longe de ser plano. Se há sociedades que são realmente hipermodernas, conforme lhes chama, outras ainda vivem na Era Moderna, outras na Idade Média e outras na Idade da Pedra - sociedades de caçadores recolectores encontradas nas selvas, ameaçadas agora pelas sociedades hipermodernas, hiperconsumistas, hiperdestrutivas.
Esta é uma visão pessimista e niilista, quase apocalíptica, eu sei. Mas assim é. O mundo transforma-se, sempre se transformou, na verdade. Mas esta transformação, hoje, abeira-se da destruição. Estamos cada vez está mais longe de um paraíso na Terra. Estamos cada vez mais longe do Paraíso.
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Fica a citação completa de Lipovetsky:
“Ninguém negará que o mundo, tal como está, provoca mais inquietação do que um optimismo desenfreado: alarga-se o abismo Norte-Sul, as desigualdades sociais aumentam cada vez mais, o mercado mundializado reduz o poder que as democracias têm para se governarem. Mas será que isto nos autoriza a diagnosticar um processo de «rebarbarização» do mundo, no qual a democracia não é mais do que uma «pseudo-democracia» e um «espectáculo comemorativo»? Seria subestimar o poder de autocrítica e de auto-correcção que continua a habitar no universo democrático liberal. A era presentista está tudo menos fechada, encerrada em si mesma, dedicada a um niilismo exponencial. Porque a depreciação dos valores supremos não continuará sem limites, o futuro continua em aberto. A hipermodernidade democrática e mercantil não disse a sua última palavra: ela apenas está no início da sua aventura histórica.”
O comentário que me deixou fez-me descobrir o seu belíssimo blog. Muito obrigado
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