Pieter Bruegel "O Velho", Torre de Babel, 1563
Steiner lamenta o desaparecimento das línguas, que considera um dano irreparável, tão ou mais irreparável do que a extinção das espécies. E a quem atribui ele a potenciação deste facto? Ao “mercado de massa” e à “tecnologia da informação”. Outros chamam-lhe capitalismo e globalização.
Na verdade vai tudo dar ao mesmo.
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«Sustentei em After Babel (1975) que a multiplicidade de milhares de línguas mutuamente ininteligíveis outrora faladas nesta Terra – e das quais muitas desapareceram hoje, ou se encontram em vias de extinção – não é, como as mitologias e alegorias do desastre entendem, uma maldição. São, pelo contrário, uma bênção e um motivo de regozijo. Cada uma, entre todas as línguas, é uma janela que abre sobre o ser, sobre a criação. Uma janela como nenhuma outra. Não há línguas “menores” por reduzido que seja o seu quadro demográfico ou o seu meio. Certas línguas faladas no deserto do Calahari traçam ramificações do conjuntivo mais numerosas e mais subtis do que as que encontramos em Aristóteles.»
George Steiner (2008); Os Livros que Não Escrevi, Gradiva, pág. 97
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«A verdadeira catástrofe de Babel não é a divisão das línguas: é a redução do discurso humano a meias dúzia de línguas “multinacionais” planetárias. Esta redução, formidavelmente potenciada pelo mercado de massa e pela tecnologia da informação, está hoje a remodelar o globo. A megalomania tecnocrático-militar, os imperativos da avidez mercantil, estão a tornar o vocabulário e a gramática de um anglo-americano estandardizado num novo esperanto. Devido às suas dificuldades, o chinês não poderá usurpar esta triste soberania. E quando a Índia o fizer, a sua língua será já uma variante do anglo-americano. Por isso houve um simulacro tão inquietante como infame do mistério de Babel na queda das torres gémeas do World Trade Center no 11 de Setembro.»
George Steiner (2008); Os Livros que Não Escrevi, Gradiva, pág. 100