“As nossas sociedades liquidaram todos os valores sacrificiais, quer sejam determinados pela outra vida ou por finalidades profanas, a cultura quotidiana deixou de ser irrigada pelos imperativos hiperbólicos do dever e passou a sê-lo pelo bem-estar e pela dinâmica dos direitos subjectivos, deixámos de reconhecer a obrigação de nos ligarmos a qualquer coisa para além de nós próprios.
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Sociedade pós-moralista: entenda-se uma sociedade que repudia a retórica do dever austero, integral, maniqueísta, e que, paralelamente, exalta os direitos individuais à autonomia, ao desejo, à felicidade.”
Gilles Lipovetsky, O Crepúsculo do Dever: A Ética Indolor dos Novos Tempos Democráticos, Publicações Dom Quixote, 2004.
“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar.”
Cavaco Silva, Discurso do Presidente da República na Cerimónia de Homenagem aos Combatentes, por ocasião do 50º Aniversário do início da Guerra em África
Forte do Bom Sucesso, Lisboa, 15 de Março de 2011
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Quantos de nós estaremos hoje dispostos a sacrificar a vida pela pátria, pela liberdade, pelos nossos concidadãos, pelo nosso bairro e pelos nossos vizinhos? No passado não se hesitava: os homens sacrificavam-se quando um rei, um presidente, um primeiro-ministro (ou um presidente do conselho) os convocava em nome da pátria. Partiam, sem contestar, para a guerra, para o Ultramar, para os campos de batalha longínquos, para a morte. Muitas vezes partiam às ordens dum líder lunático, sem sequer questionarem os seus ditames. A defesa do solo pátrio, por exemplo, sobrepunha-se ao bem-estar pessoal e à “dinâmica dos direitos subjectivos”. No passado (não muito distante) as mentalidades e a escala de valores eram outras.
Numa sociedade “pós-moralista”, como a actual, que “repudia a retórica do dever austero, integral, maniqueísta”, os incitamentos à acção pela pátria são recebidos com desagrado, repulsa ou desprezo. “Os direitos individuais à autonomia, ao desejo, à felicidade” sobrepõem-se aos deveres para com o colectivo, sempre que estes ponham em causa o bem-estar individual.
Talvez por isso, quando o Presidente Cavaco Silva, no dia 15 de Março deste ano, incitou os jovens de hoje a empenharem-se com a mesma coragem, desprendimento e determinação dos jovens de ontem, no cumprimento de missões e causas essenciais ao futuro do País, muitos tenham ficado chocados com o apelo.
Vivemos em sociedades capitalistas e liberais, onde prevalece a mentalidade do “primeiro eu, depois o mundo” e “depois de mim, o dilúvio”, por isso o que esperávamos?
Vivemos no crepúsculo do dever.