“Hoje em dia, ainda se ouvem ecos
atabalhoados da tentativa de reacender a Guerra Fria em torno de uma cruzada
contra o «islamo-fascismo». Mas o verdadeiro cativeiro mental dos nossos tempos está alhures. A nossa fé
contemporânea no «mercado» segue nos mesmíssimos trilhos da sua sósia radical oitocentista
– a crença cega na necessidade, no progresso e na História. Tal como o infeliz chanceler
trabalhista britânico entre 1929-1931, Philip Snowden, desistiu perante a
Depressão e declarou que não valia a pena contrariar as leis inelutáveis do
capitalismo, assim os dirigentes da Europa de hoje se refugiam à pressa em
medidas de austeridade orçamental para acalmar «os mercados».
Mas o «mercado» - tal como o «materialismo
dialéctico» - é apenas uma abstracção: simultaneamente ultra-racional (a sua
argumentação supera tudo) e o apogeu do absurdo (não pode ser questionado). Tem
os seus verdadeiros crentes – pensadores medíocres quando comparados com os
pais fundadores, mas ainda assim influentes; os seus compagnons de route – que em privado podem duvidar dos
princípios do dogma, mas não vêem alternativa a pregá-lo; e as suas vítimas muitas das quais nos EUA, em especial, engoliram
pressurosamente o seu comprimido e proclamam aos quatro ventos as virtudes de
uma doutrina cujos benefícios nunca verão.
Acima
de tudo, a servidão em que uma ideologia mantém a sua gente mede-se melhor pela
sua incapacidade colectiva para imaginar alternativas. Sabemos muito bem que a fé ilimitada nos
mercados desregulados mata: a aplicação estrita do que até há pouco tempo, em
países em desenvolvimento vulneráveis, se chama o «consenso de Washington» -
que punha a tónica numa política fiscal rigorosa, privatizações, tarifas baixas
e desregulamentação – destruiu milhões de meios de subsistência. Entretanto, os
«termos comerciais» rígidos em que estes remédios são disponibilizados
reduziram drasticamente a esperança de vida em muitos locais. Mas na expressão
letal de Margaret Thatcher, «não há alternativa».
Toni
Judt, O Chalet da Memória, Edições 70.
2011.Páginas 180-181.
(os sublinhados são nossos)
***
Onde estão os
verdadeiros sociais-democratas como Tony Judt? É certo que um dia, quando o
dogma neoliberal for desacreditado (ou derrubado) pelos resultados de pesadelo a
que nos irá conduzir, muitos dos nosso falsos “sociais-democratas”, esses do
intitulado “Partido Social Democrata”, irão aparecer aos magotes, batendo com a
mão no peito, afirmando a alta voz que sempre foram verdadeiros sociais-democratas,
renegando o neoliberalismo – essa teologia do “mercado” que agora apregoam.
Hoje, nas fileiras desse partido, verdadeiros sociais-democratas é coisa que
não encontramos: todos se converteram ao dogma que não acredita em alternativas;
todos se submeteram, inclusive os nossos auto-intitulados “socialistas” que,
tal como o Dr. Jekyll and Mr. Hyde, fazem uma
coisa quando estão no Governo e defendem outra quando na Oposição.