domingo, março 24, 2013

Imperialismo e hegemonia


Este sábado Fernando Madrinha, no Expresso, empregou um termo que considera forte, ao analisar a realidade da União Europeia, mas que se vai tornando cada vez mais claro, que é nesse sentido que estamos a caminhar. Pouco a pouco vamos ganhando consciência daquilo em que nos metemos. Diz ele:

O termo imperialismo pode parecer forte, mas ajusta-se cada vez mais à caracterização das relações Norte-Sul no interior da União Europeia, pois é patente o propósito de tratar os países mais fracos como o Império Romano e já antes a República tratava os estados clientes, que embora subjugados, mantinha as suas elites dirigentes, obviamente fiéis e obsequiadoras.”

Fernando Madrinha, Expresso, 23 de Março de 2013. Primeiro Caderno, Pág. 15.

Fernando Madrinha está certo no termo que emprega, mas recuou demais na história: não era preciso ir tão longe. É certo que o imperialismo é uma velha tradição na Europa, mas os últimos impérios europeus foram sucumbindo ao longo do século XX e não é preciso recuar até aos tempos do Império Romano para encontrarmos as práticas da dominação e hegemonia do Norte sobre o Sul (ou do “centro” sobre a “periferia”). A ironia de tudo isto é que Portugal foi um dos últimos países da Europa a perder o seu império colonial e, num ápice, se converteu em semiperiferia, sendo agora alvo do mesmo tipo de tratamento que antes era dado aos Estados que se pretendiam colocar sob a dependência de algum “centro” mais distante.

É claro que as elites dirigentes e obsequiadoras, de que fala Madrinha, continuam a ter um importante papel ao serviço, não do povo que dirigem, mas dos Estados hegemónicos. São as elites dirigentes que asseguram a hegemonia pelo consentimento de que fala Gramsci.

Epílogo


«O conceito de hegemonia, proposto por Gramsci nos anos 20, tentava assimilar os mecanismos de dominação ideológica pelos quais determinada classe consegue num quadro nacional, impor o seu poder a uma formação social não pela força, mas pelo consentimento. Transposto para o plano internacional, este conceito ia revelar-se particularmente fecundo

Jacques Adda, A mundialização da economia, vol. 1: Génese, Terramar, 1997, pág. 70

«O conceito de semiperiferia tende a circunscrever os espaços – ainda politicamente soberanos no fim do século XIX – onde o modo de produção capitalista se desenvolve na dependência financeira e técnica das nações do centro. A dimensão financeira desempenha aqui um papel especialmente importante. No Egipto, no Império Otomano, na China, a incapacidade do Estado em mobilizar localmente os recursos necessários à modernização, ou pelo menos aos trabalhos de infra-estruturas que ela exige, conduz progressivamente a uma situação em que as finanças públicas ficam sob tutela estrangeira. São criadas caixas da dívida externa geridas por funcionários europeus. Estes controlam a afectação de recursos do Estado postos sob tutela, dispositivo que prefigura a condicionalidade praticada nos nossos dias pelo FMI e pelo Banco Mundial. Desapossados da soberania financeira, a China e o Império Otomano, são obrigados a negociar o perdão parcial da dívida em troca de concessões sobre portos, caminhos-de-ferro ou enclaves comerciais. O Japão só se esquivou a este processo bloqueando totalmente a penetração financeira do Ocidente. Apenas a Revolução de Outubro livrará dele a Rússia

Jacques Adda, A mundialização da economia, vol. 1: Génese, Terramar, 1997, pág. 87

(os destaques são nossos)

Imposição do poder pelo “consentimento”, “dependência financeira e técnica”, “incapacidade do Estado em mobilizar localmente os recursos necessários à modernização”, “situação em que as finanças públicas ficam sob tutela estrangeira”, “caixas da dívida externa geridas por funcionários europeus” que “controlam a afectação de recursos do Estado postos sob tutela”, desapossamento da “soberania financeira”, obrigação de “negociar o perdão parcial da dívida em troca de concessões”, etc.,etc., etc.

Isto diz-nos alguma coisa?

Parece que a velha Europa não consegue livrar-se dos velhos hábitos e agora experimenta-os connosco. Como vamos reagir a isto? Vamos consentir? Vamos submeter-nos docilmente? Vamos contrariá-la? Ou vamos tentar mudar a velha Europa?

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