Este sábado Fernando Madrinha, no
Expresso, empregou um
termo que considera forte, ao analisar a realidade da União Europeia, mas que
se vai tornando cada vez mais claro, que é nesse sentido que estamos a
caminhar. Pouco a pouco vamos ganhando consciência daquilo em que nos metemos. Diz
ele:
“O termo imperialismo pode
parecer forte, mas ajusta-se cada vez mais à caracterização das relações
Norte-Sul no interior da União Europeia, pois é patente o propósito de tratar
os países mais fracos como o Império Romano e já antes a República tratava os
estados clientes, que embora subjugados, mantinha as suas elites dirigentes,
obviamente fiéis e obsequiadoras.”
Fernando Madrinha, Expresso, 23 de Março de 2013. Primeiro Caderno,
Pág. 15.
Fernando Madrinha está certo no
termo que emprega, mas recuou demais na história: não era preciso ir tão longe.
É certo que o imperialismo é uma velha tradição na Europa, mas os últimos impérios
europeus foram sucumbindo ao longo do século XX e não é preciso recuar até aos
tempos do Império Romano para encontrarmos as práticas da dominação e hegemonia
do Norte sobre o Sul (ou do “centro” sobre a “periferia”). A ironia de tudo
isto é que Portugal foi um dos últimos países da Europa a perder o seu império
colonial e, num ápice, se converteu em semiperiferia, sendo agora alvo do mesmo
tipo de tratamento que antes era dado aos Estados que se pretendiam colocar sob
a dependência de algum “centro” mais distante.
É claro que as elites dirigentes e obsequiadoras, de
que fala Madrinha, continuam a ter um importante papel ao serviço, não do povo
que dirigem, mas dos Estados hegemónicos. São as elites dirigentes que
asseguram a hegemonia pelo consentimento de que fala Gramsci.
Epílogo
«O conceito de hegemonia, proposto por Gramsci nos anos 20, tentava
assimilar os mecanismos de dominação ideológica pelos quais determinada classe
consegue num quadro nacional, impor o seu poder a uma formação social não pela
força, mas pelo consentimento. Transposto
para o plano internacional, este conceito ia revelar-se particularmente fecundo.»
Jacques Adda, A mundialização da economia, vol. 1:
Génese, Terramar, 1997, pág. 70
«O conceito de semiperiferia tende a circunscrever os espaços – ainda
politicamente soberanos no fim do século XIX – onde o modo de produção
capitalista se desenvolve na dependência financeira e técnica das nações do
centro. A dimensão financeira desempenha aqui um papel especialmente
importante. No Egipto, no Império Otomano, na China, a incapacidade do Estado em mobilizar localmente os recursos
necessários à modernização, ou pelo menos aos trabalhos de infra-estruturas que
ela exige, conduz progressivamente a uma situação em que as finanças públicas
ficam sob tutela estrangeira. São criadas caixas da dívida externa geridas por
funcionários europeus. Estes
controlam a afectação de recursos do Estado postos sob tutela, dispositivo que
prefigura a condicionalidade praticada nos nossos dias pelo FMI e pelo Banco
Mundial. Desapossados da soberania
financeira, a China e o Império Otomano, são obrigados a negociar o perdão
parcial da dívida em troca de concessões sobre portos, caminhos-de-ferro ou
enclaves comerciais. O Japão só se esquivou a este processo bloqueando
totalmente a penetração financeira do Ocidente. Apenas a Revolução de Outubro
livrará dele a Rússia.»
Jacques Adda, A mundialização da economia, vol. 1:
Génese, Terramar, 1997, pág. 87
(os destaques são nossos)
Imposição do poder pelo “consentimento”, “dependência financeira e técnica”, “incapacidade do Estado em mobilizar localmente os recursos necessários
à modernização”, “situação em que as finanças públicas ficam sob tutela
estrangeira”, “caixas da dívida externa geridas por funcionários europeus” que “controlam
a afectação de recursos do Estado postos sob tutela”, desapossamento da “soberania
financeira”, obrigação de “negociar o perdão parcial da dívida em troca de
concessões”, etc.,etc., etc.
Isto diz-nos alguma coisa?
Parece que a velha Europa não
consegue livrar-se dos velhos hábitos e agora experimenta-os connosco. Como
vamos reagir a isto? Vamos consentir? Vamos submeter-nos docilmente? Vamos
contrariá-la? Ou vamos tentar mudar a velha Europa?
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