domingo, maio 26, 2013

Graffitis

Andam lunáticos à solta pela cidade nocturna com pincéis e baldes de tinta negra. Nas noites de lua cheia ou outras luas, atacam os muros com frases indecifráveis ou que se dão a múltiplas interpretações e significações. Frases para fazer pensar, a quem gosta de pensar, quando vagueia pelos passeios dos subúrbios e das cidades. Frases para flâneurs e voyeurs.

Eis algumas frases, escritas em antigos e verdadeiros graffiti:

TIRO NO ESCURO

O que significa isto? Um dito racista? Um tiro num africano? Não. Uma aposta incerta, um “tiro no escuro”? Um passo cego que pode conduzir ao abismo? Um estampido ecoando na noite? Uma bala perdida que, caprichosamente, pode atingir qualquer um, qualquer inocente? Mas um tiro não tem que significar necessariamente um estampido. Há quem use silenciador. Ou ainda, será alguém que furta, que tira, a coberto da noite, e o afirma? O “escuro” oculta, mas o “tiro”, ouvido, revela algo. Remete para o perigo de ser alvejado. Remete para a ameaça de ser atingido por um raio, vindo sabe-se lá de onde. Quando se recebe uma chapada na escuridão, ficamos sem saber a quem acometer. Ficamos indefesos ante a chapada oculta, inesperada. Na escuridão estamos cegos.

***

Outra frase, esta lida lá para os lados das Amoreiras:

ENTRE O DIZER E O FAZER, HÁ MUITO QUE FAZER.

Esta tem o seu interesse. Na verdade dizer já é fazer, ou não é assim? Quando se diz, já se actua. Dizer, implica um comportamento observável, uma acção: escrever, falar, dizer…Mas quem a escreveu deve ser alguém de acção, que paradoxalmente diz-nos primeiro que, “entre o dizer e o fazer, há muito que fazer”, e di-lo escrevendo. Fá-lo escrevendo. Fá-lo dizendo.

Mas no caso, parece querer fazer-se uma distinção entre a palavra e a acção. Mas fazer o quê? Uma revolução? Uma reforma? Há muito que fazer para preparar uma revolução. Dizer, pode manifestar uma intenção, mas da intenção à acção, há muito que fazer. O nosso povo está prenhe de intenções, mas o primeiro a atirar a pedra levantada da calçada é quase sempre um estrangeiro profissional em motins.

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A MAIOR ARMA DO OPRESSOR É A CABEÇA DO OPRIMIDO.

Esta é decerto, coisa de marxistas. Os termos “opressor” e “oprimido” fazem parte desse discurso dialéctico. Desde a antiguidade, os escravos, os servos e os proletários são, segundo Marx, os oprimidos deste mundo. O discurso pós-marxista detectou outros oprimidos que atravessam as classes sociais definidas por Marx, e com isso pretende tirar validade à divisão marxista das sociedades em classes. Prefere falar de grupos identitários. E que oprimidos foram esses, que o discurso marxista não relevou? As mulheres, os homossexuais, os segregados devido à etnia ou à raça, etc. Porém, um marxista pode contestar isto. Afinal, a classe dos escravos não contém as escravas, só para dar o exemplo? E a dos servos, as servas? E a dos proletários, as proletárias? Mas a verdade é que as mulheres foram segregadas e oprimidas, independentemente da classe social a que pertenciam. Só assim se justifica a sua ausência da história do pensamento, para não dizer da história da arte, e, salvo raras excepções (algumas rainhas que, não estando à sombra de nenhum rei protagonizaram os destinos do seu povo) de toda a história. É caso para dizer que das mulheres não reza a história. A História tem sido uma história de homens. Não nos admiremos portanto com o surgimento dos Estudos de Género na actual Universidade. As mulheres chegaram à Academia quase 2500 anos depois dela ter sido fundada por Platão.


A Escola de Atenas, de Rafael. 
(Onde estão as mulheres? 
Temos duas estátuas marmóreas a enfeitar o friso.)


Mas em relação ao dito de que “a maior arma do opressor é a cabeça do oprimido”, não tenhamos dúvida que assim é. Já nos referimos a este dito aqui.

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O MORAIS FOI ÀS PUTAS
(escrito numa parede, em Almada)


Ai o Morais, o Morais, que anda por aí a pregar a moral e os bons costumes. Afinal o Morais “foi às putas”. Esta bem poderia ter sido escrita por um antigo cínico, por um Diógenes dos nossos tempos. Uma manifestação contra os falsos pregadores, os que apregoam uma coisa e fazem outra. É o que há mais por aí. É como a história do frei Tomás e do “faz o que ele diz, não faças o que ele faz”. Ou então faz e depois não te queixes. Esta frase do Morais é um tratado kínico.

[Este post irá sendo acrescentado com mais ditos escritos nas paredes urbanas e suburbanas, por aí lidos nas deambulações urbanas e suburbanas]

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