segunda-feira, agosto 03, 2020

Racistas e maçãs


Pergunta inútil: se há racismo em Portugal. Claro que há. É como perguntar se há maçãs podres num pomar.

José Manuel Viegas, “Racismo Lusitano”, A Origem das Espécies

 

De acordo com esta acepção há racismo em todas as sociedades. Haverá pomares sem maçãs podres? Concordamos com José Manuel Viegas, se não distinguirmos “racismo geral” de “racistas particulares”. Mas qual é a métrica para aferir se uma sociedade é racista? Quantos racistas são necessários para se concluir cabalmente que a sociedade em que se vive é uma sociedade racista? Quantas maçãs podres são necessárias para que se concluir que a safra de maçãs está comprometida, ou que o pomar é um pomar de maçãs podres? Estamos num terreno movediço: o simples facto de colocarmos a questão do grau de racismo de uma sociedade é geralmente mal interpretado, sendo acusado de racismo quem a coloca.

 

O racismo não é estatisticamente mensurável, mas existem indicadores que “se encontram no cerne da questão racial”, como é o caso do número de casamentos mistos, como salienta o historiador e antropólogo, Emmanuel Todd (2018), na sua obra, Onde Estamos?:

 

Durante esse período [1965-2015, nos E.U.A.], o sentimento racial persistiu numa parte importante da população branca, e pouca importância tem que as sondagens de opinião digam o contrário. É o que mostra uma análise do casamento, que se encontra no cerne da questão racial porque, se é misto a uma taxa elevada, as raças se diluem para desaparecerem finalmente. 

Emmanuel Todd (2018, pág. 331)

E mais adiante:


A percentagem de casamentos mistos é um indicador poderoso. Evoca o futuro porque, se forem numerosos numa determinada sociedade, os casais mistos que produzem filhos abolem a possibilidade de uma segmentação racial ou étnica da sociedade.

Emmanuel Todd (2018, pág. 386) 

(destaque nosso)

 

Em suma, para uma análise comparativa e objectiva do racismo nas sociedades e entre sociedades, a percentagem de casamentos mistos “é um indicador poderoso”. Pode estar aqui uma das métricas do racismo nas sociedades. Enquanto a questão do racismo for apenas uma questão de opinião, a discussão não cessará, assim como o ruído e a dissensão que a acompanha.

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 Referências

 

Emmanuel Todd (2018), Onde Estamos? Uma outra visão da história humana, Temas e Debates/Círculo de Leitores.

Viegas, José Manuel, “Racismo Lusitano”, Origem das Espécies (blogue) (consultado a 3 de Agosto de 2020). Daqui.

 

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