quinta-feira, agosto 30, 2007

O fim do mundo, todos os dias


Quando era muito novo cheguei por momentos a viver angustiado com a ideia de que um dia iria assistir ao fim do mundo. Num só dia o planeta explodiria após uma sucessão de factos estranhos na vida de cada ser vivente. Nesse dia, pouco antes do fim, a loucura tomaria conta do mundo e dos homens. E depois, o fim. Na verdade tal poderia acontecer. Vivia-se nos anos da “guerra-fria” e uma chuva de bombas atómicas poderia, a qualquer momento, por termo a tudo. Fui crescendo e o medo desvaneceu-se até desaparecer completamente. O mundo não poderia acabar num só dia.

Hoje porém começo a perceber que já estamos a viver o fim do mundo. E ainda que possa durar séculos, à escala do tempo geológico será uma questão de segundos. Todos os anos, sucessivamente, o planeta na sua translação oferece os seus bojos ao Sol. De Setembro a Março, o hemisfério sul, e de Março a Setembro, o hemisfério norte. E assim se explica o Verão, ou melhor, a estação quente, alternada em cada hemisfério. É precisamente nessa estação que cada hemisfério é brindado com fogos ardentes que consomem as florestas e as obras dos homens. Ora arde a Austrália, ora a Califórnia, ora a Amazónia, ora a Europa, e por aí fora. Em alternância é o planeta inteiro que aquece e arde, continuamente.

Quando contemplo as chamas devoradoras tragando os campos da Grécia e as encostas do Olimpo é o fim do mundo que me vem à ideia.

Imagino uma outra civilização extra-planetária que ao chegar à Terra, daqui a milénios, ao contemplar os vestígios e as ruínas da nossa civilização, irá por certo concluir que nos últimos dias lutámos contra o fogo em todo o planeta e que nesse inferno sucumbimos.

terça-feira, agosto 28, 2007

O anonimato na blogosfera

Por que se preocupam tanto alguns com o anonimato de outros? Não saberão que o anonimato é mero instinto de sobrevivência? O homem é lobo do homem. Num país onde durante tantos séculos vingou a Santa Inquisição (o tribunal do Santo Ofício cessou as suas funções apenas no século XIX!), e a PIDE perseguiu e castigou durante décadas no século XX, há que prevenir. Tudo indica que na nossa sociedade se desenvolveu um gene delator e muitos indivíduos parecem possuí-lo. Portugal é um país de delatores! E quem pode garantir que amanhã não haverá outro Pogrom desencadeado, não pela Santa Inquisição, mas por outra Santa qualquer? Não seria a primeira vez que os inocentes de hoje seriam os perseguidos de amanhã. É preciso dificultar a vida a essa gente (os delatores). Hoje já nem sequer é preciso a Santa Inquisição ou a PIDE. Tudo se passa de forma mais subtil. Existem novas formas de delação e de opressão que se estendem ao comum dos mortais. Generaliza-se uma nova espécie de totalitarismo em que todos se controlam uns aos outros. Para se ser livre é preciso escapar a isso.

É porém uma grande cobardia denegrir alguém, escudado no véu do anonimato. Neste caso o anónimo torna-se tão abominável como o delator. E não há pior delator que o delator anónimo.

domingo, julho 15, 2007

Lisboa tem medo*

Lisboa tem medo.

Tem medo de perder o poder que julga ter, a sua proeminência em relação ao resto do país. Como se Lisboa fosse Portugal e o resto paisagem. Lisboa sente o poder escapar-lhe e tem medo. Tem medo de perder o “prestígio” que já não tem, se é que alguma vez o teve. Nunca se apercebeu que é uma cidade provinciana. Até Eça, ao escolher uma cidade a opor às suas serras, escolhe Paris. Paris é a Cidade, Lisboa não.

Lisboa tem medo que lhe retirem o aeroporto debaixo das suas saias e não se apercebe que as maiores capitais têm os seus aeroportos principais a dezenas de quilómetros do seu centro (curiosamente, Lisboa, não tem medo que lhe caia um avião em cima!).

Lisboa tem medo da auto-estrada que liga o Norte ao Sul do país, sem que seja necessário passar por ela. Que desconsideração!

Lisboa tem medo da regionalização – isso seria devolver o poder ao resto de Portugal, à “paisagem” – e Lisboa tem medo de perder o poder que ainda tem.

Lisboa é um sorvedouro de dinheiros públicos e privados e já é um escolho ao desenvolvimento do país. Concentra em si cada vez mais, os poucos recursos que o país produz ou possui. E numa situação de má gestão, de má política, numa situação desesperada, tudo quer para si, mesmo que isso signifique o empobrecimento progressivo das outras cidades e regiões. Em dias de apertado orçamento, o pouco que há, o pouco que ainda resta, vai para Lisboa. Lisboa é um buraco negro que colapsa sobre si mesmo. Resultado: noutros lugares e regiões, mais ou menos distantes deste país, encerram maternidades, escolas, postos de correio, esquadras da polícia, hospitais e centros de saúde, etc. Acelera-se o despovoamento do interior. As universidades de província definham e ameaçam encerrar. Há cursos que encerram com a falta de estudantes, disputados pelas numerosas universidades de Lisboa.

Mas o país não dorme e aos poucos apercebe-se que o seu desenvolvimento não passa por Lisboa. Esta é antes um desafio a vencer. Algumas cidades e regiões revelam um dinamismo potencial que não se vê em Lisboa, e começam a traçar caminhos que não passam por lá.
(*) - Lisboa, leia-se, os poderes e os "poderosos" que lá moram.

domingo, junho 24, 2007

Da Andaluzia...

Naranjas y Limones
















Julio Romero de Torres (1874 – 1930)
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Adelina em Passeio

Não tem laranjas o mar,
nem Sevilha tem amor.
Morena, que luz de fogo.
Empresta-me o guarda-sol.

Pôr-me-á a cara verde
- sumo de lima e limão -,
tuas palavras – peixinhos –
virão nadar em redor.

Não tem laranjas o mar.
Ai amor.
Nem Sevillha tem amor!

Garcia Lorca (1898-1936), traduzido pelo poeta Eugénio de Andrade.
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Música: “Pantomina” de Manuel de Falla (1876 – 1946)
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O que me encanta na Andaluzia?

Talvez a lua nas noites de estio.
Talvez as esguias silhuetas das andaluzas ao luar,
esgueirando-se nas ruas estreitas e serpenteantes
onde ecoam as guitarras e soa o flamenco.
Nas bodegas escondidas e animadas, dançam e cantam.

Talvez os laranjais aromáticos.
O Guadalquivir, o Darro e o Genil.
Sevilha, Córdova e Granada.
A Serra Nevada, quente e gelada.

Talvez as brancas e apinhadas aldeias de Jerez. O quente sabor do vinho.
A frescura da tarde, nas margens dos rios…
O flamenco e a guitarra, mais uma vez!
A pintura, a poesia e a dança.
O sangue e a tourada. A vida e a morte.

Talvez o que cantam os poetas andaluzes, os de agora e os de sempre,
Sim, esses mesmos, os que quando cantam parece que estão sós.

Talvez o mar andaluz, Atlântico e Mediterrânico.
E sem dúvida, a fiesta e a siesta.

Errar na Andaluzia é um prazer.

Também nas minhas veias corre sangue andaluz.
E sei-o porque o sinto.

sábado, junho 16, 2007

Gustave Doré (1832-1883)


Foi numa tarde quente em Sevilha, no ano 2001, que o conheci. Mais precisamente, no Museu de Belas Artes, quando saia. Reparei então numa galeria menor, onde estavam expostos os seus quadros, desenhos e esboços. Um convite para entrar. Entrei e descobri inadvertidamente, Doré. Gustave Doré. Os seus quadros e desenhos eram muitos deles cinzentos, sombrios, românticos, exóticos, mas muitos irradiavam uma luz mágica, quase divina, uma auréola misteriosa. A luz lutava contra a sombra. O Bem contra o Mal. Imagens de tempos imemoriais, reais e imaginárias. Ilustrações de obras literárias, desde a Bíblia a Dom Quixote e à Divina Comédia, entre outras obras.

A ilustração que encima este blog é dele. É acerca do desespero e da frustação que sentem os Homens quando se deparam com a impossibilidade de concretizarem os seus planos mais ambiciosos que desafiam os deuses. Sempre que a ambição é desmedida e os passos maiores que as próprias pernas, a queda é inevitável. Os deuses não gostam de ser desafiados. Não existem barcos inafundáveis (como foi dito em relação ao Titanic) e as altas torres de Nova Iorque, que ousavam aproximar-se do Olimpo, foram derrubadas. E sempre que os homens ousaram pensar que eram deuses, provaram o amargo travo da sua própria destruição. Tudo cai por terra, quando se vai longe e alto demais. Que o diga Ícaro. A história é antiga. Há limites que resistem a serem ultrapassados. O destino existe.

Que o diga também o Ancient Mariner (na figura), amaldiçoado por a sua tripulação ter morto o albatroz, em desafio a uma lenda antiga.

quinta-feira, junho 07, 2007

Em torno de quem gira o mundo?

domingo, junho 03, 2007

Vontade

Nem que nade contra o rio e o rio me leve.

Mesmo sabendo que nem todos os rios desaguam no mar.

domingo, maio 06, 2007

Abraçar uma Cruz

E mesmo que o trabalho fosse o nosso castigo, deveríamos tender para fazer dele, do próprio castigo, a nossa consolação e a nossa redenção e, se tivermos de abraçar uma cruz, não há outra melhor para cada um do que a cruz do trabalho, o seu próprio ofício civil. Cristo não nos disse «toma a minha cruz e segue-me», mas «toma a tua cruz e segue-me»; cada qual leva a sua, que a do Salvador ele leva-a sozinho.

Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida

sábado, maio 05, 2007

Da importância da experiência e da prática

Aparentemente, ninguém se torna médico apenas pela leitura de compêndios de medicina.

Aristóteles, Ética a Nicómaco

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