domingo, outubro 07, 2007

Sus! Marx outra vez?!

A Globalização Antecipada

As condições burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas produzidas. – E como vence a burguesia estas crises? Por um lado, aniquilando pela violência [hoje, leia-se, pelo desemprego] as massas de forças produtivas; por outro, conquistando novos mercados e explorando a fundo os antigos.

Karl Marx (1818-1883), «Kommunistiches Manifest», in Patrick Gardiner, Teorias da História. FCG. 4ª ed. Pág. 164.

Eis a abertura dos mercados orientais, da China e da Índia e de outras chinas e índias, lá, onde a vida humana, assim como o trabalho, de tão numerosa que é se desvaloriza, como se uma lei económica caprichosamente se aplicasse também às vidas humanas, tal como ao trabalho. É nestes países, onde todos os dias os direitos humanos são pisados, que agora se instalam as empresas geradoras de riqueza no mundo – uma riqueza desigualmente distribuída, entenda-se.

É que já no século XIX, Marx havia notado:

Quanto menos habilidade e demonstração de força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna se desenvolve, mais o trabalho dos homens é substituído pelo das mulheres e das crianças.

Karl Marx, «Kommunistiches Manifest», in Patrick Gardiner, Teorias da História, FCG. 4ª ed. pág. 165

E David Landes, um historiador actual, crítico de Marx, também o nota:

A história dos primórdios da industrialização é invariavelmente uma crónica de trabalho árduo por baixo salário, para não falar de exploração. Uso esta última palavra, não no sentido marxista de pagar ao trabalho menos do que o seu produto (que outro modo haveria de o capital receber a sua recompensa?), mas no sentido significativo de obter mão-de-obra compulsória de pessoas que não podem dizer «não» - de mulheres e crianças, escravos e semiescravos (os involuntários servos da gleba).

David Landes, A Riqueza e a Pobreza das Nações, Gradiva, 6ª edição. Pág. 427.

É claro, que actualmente tal só ocorre nalguns lugares do mundo.

Numa versão mais actual desta evidência, os que realmente pagam a factura da globalização económica e financeira (leia-se, do desenvolvimento da "indústria" moderna), os mais fracos, já não são as mulheres nem as crianças das sociedades ocidentais, mas sim os ingénuos e oprimidos trabalhadores do outro mundo – esse a que convencionaram chamar de Terceiro, como se não tivéssemos nada com aquilo.

sexta-feira, outubro 05, 2007

A crise aí está

Há vários decénios que a História da indústria e do comércio não é mais do que a história da revolta das forças de produção modernas contra as condições modernas de produção, contra as relações de propriedade que formam as condições de existência da burguesia e do seu predomínio. Basta mencionar as crises do comércio, que por serem periodicamente cíclicas põem em jogo e cada vez mais ameaçadoramente a existência de toda a sociedade burguesa. Nas crises do comércio, uma grande parte, não só dos produtos existentes, mas também das forças de produção anteriormente criadas, é sistematicamente aniquilada. Nestas crises, irrompe uma epidemia social, que teria parecido absurda a todas as eras anteriores: a epidemia da superprodução.

Karl Marx, Manifesto Comunista, in Patrick Gardiner, Teorias da História

Ufanam-se os economista americanos Samuelson e Nordhaus, o primeiro, Prémio Nobel de Economia em 1970, com as “profecias erradas” de Marx, em particular as que previam a degradação das condições de vida dos trabalhadores. Dizem eles na sua bíblia da Economia, lida e estudada por estudantes universitários de todos os cantos do Mundo:

Estas foram as profecias que inspiraram gerações de radicais da velha e da nova esquerda. Com o passar das décadas, contudo tornou-se claro que a história não estava a seguir o guião de Marx. Os trabalhadores estavam a beneficiar de salários reais cada vez maiores e de menos horas de trabalho e a parcela do trabalho no rendimento nacional estava a crescer lentamente. (…) E quando Keynes escreveu a sua Teoria Geral em 1936 deu nova vida e renovou a fé no capitalismo misto. Samuelson e Nordhaus Economia, 14ª Edição. MacGraw-Hill, pág. 447.

Há muito que os economistas e filósofos se tinham apercebido das crises cíclicas do capitalismo, desde Juglar, passando por Kondratief a Schumpeter, para não mencionar Marx. E se o capitalismo se renovou com Keynes, tal só aconteceu, porque o mesmo reescreveu as regras do jogo. Com Keynes, o capitalismo deixa de ser puro e passa a ser misto, e porquê? Porque advoga a intervenção do Estado para corrigir, exactamente, as desregulações em que ciclicamente o mercado cai e as ineficiências de que o mesmo padece, em particular, no que concerne à redistribuição da riqueza. Por outras palavras, se o mercado for deixado a funcionar por si próprio, não haverá nenhuma mão invisível que a prazo o coloque nos eixos. Com Keynes, é o Estado que toma o lugar dessa inexistente mão invisível. Assim, após 1929 até final da década de 70, tivemos com efeito, um “capitalismo misto” que elevava os salários reais sendo cada vez menos as horas de trabalho.

Após o início da década de 80, com os governos de Tatcher e de Reagan, desencadeia-se o monetarismo de Milton Friedman e as políticas económicas keynesianas passam a ser consideradas obsoletas: o capitalismo puro instalou-se outra vez lentamente e, defendem os novos arautos do capitalismo, o papel do Estado enquanto regulador da economia e do mercado deve ser mínimo.

Se assim é, porque nos admiramos com o regresso das crises cíclicas, e das exigências para se trabalhar mais horas por semana e mais tempo na vida? Porque nos admiramos com a quebra dos salários reais, com o crescente número de desempregados e com o medo generalizado de se perder o emprego? Na verdade, é com esse medo que hoje joga o opressor. E parece ser uma grande verdade, aquela que li nas paredes das ruas suburbanas: a melhor arma do opressor é a cabeça do oprimido.

Alan Greenspan diz que está optimista, que a tempestade há-de passar. Mas já percebemos que é só para nos dar alguma confiança. E Jean-Claude Trichet, esse, já não sabe o que fazer com as taxas de juro. O que se sente na verdade, é a incerteza e a insegurança, pois quando se está verdadeiramente confiante, não é necessário afirmá-lo.

segunda-feira, outubro 01, 2007

A condição do português e dos homens valorosos

Quis Cristo que o preço da sepultura dos peregrinos fosse o esmalte das armas dos portugueses, para que entendêssemos que o brasão de nascer portugueses era a obrigação de morrer peregrinos: com as armas nos obrigou Cristo a peregrinar, e com a sepultura nos empenhou a morrer. Mas se nos deu o brasão que nos havia de levar da pátria, também nos deu a terra que nos havia de cobrir fora dela. Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal; para morrer, o mundo.

Padre António Vieira, Sermão de Santo António.
Palavras de Péricles:

Com efeito, a terra inteira é o túmulo dos homens valorosos, e não é somente o epitáfio nos mausoléus erigidos em suas cidades, que lhes presta homenagem…

Tucidides, História da Guerra do Peloponeso
Partir, sempre foi a condição do português e dos homens valorosos.

domingo, setembro 30, 2007

Aqui, na Arcádia


Aqui na Arcádia os marmelos rebentam nos ramos e os ribeiros albergam divindades transfiguradas em esvoaçantes pássaros azuis. Não há templos nas colinas. Repito. Não há templos nas colinas. Que se apartem as marchas rituais e os beatos, para sempre, destas terras sagradas.

Aqui na Arcádia, pendem até ao chão os ramos das oliveiras, carregadas de azeitonas, inchadas e verdes, e o perfume das estevas ainda inunda o ar húmido da tarde. Ébrio com o seu perfume, caminho nas margens das ribeiras, sob as laranjeiras prenhes de flores e frutos, e sob as figueiras odoríferas. É aqui que o Verão se esconde, nestes vales apertados e profundos das serras de xisto. E é aqui que se revela ainda. Aqui, os homens repetem gestos ancestrais: enchem de carícias e cuidados as plantas das suas hortas e as ovelhas que os seus cães guardam com zelo. E assim se renovam os ciclos.

Aqui na Arcádia onde deambulo, o mundo parece coisa longínqua, mas não está longe. Quando desço da Serra ao Algarve, lá onde fervilham as cidades, é grande o linguarejar e são estrangeiros os que sobressaem, vindos no Norte, lá da terra de Sua Majestade. Divirto-me a pensar numa colónia em formação, numa nova Gibraltar, e numa armada que virá um dia, se necessário, em sua protecção. Os súbditos de Sua Majestade, já se aproximam do lugar onde o Verão se esconde. E se revela, ainda.

domingo, setembro 23, 2007

Nos mares da Filosofia


Este mundo (esta ordem do mundo – κόσμος), o mesmo para todos, nenhum dos deuses, nenhum dos homens o fez, mas sempre foi, é e será, fogo sempre vivo, aceso de acordo com a medida, apagado de acordo com a medida.


Heraclito

fragmento 30 de DIELS


Abandonemos os dias apocalípticos à espuma dos dias,

E naveguemos no palpitante Universo, muito mais profundo.

Universo sempiterno, sistólico e diastólico, pulsante como um coração.

Universo de fogo sempre vivo, aceso de acordo com a medida, apagado de acordo com a medida.


Rumemos novamente para mares nunca antes navegados.

Porque navegar é preciso e viver não.

É preciso varrer de novo o horizonte com o olhar.

Demandar a Ilha dos Amores* com as suas Ninfas.


(*) – Pequeno agradecimento a quem, surpreendentemente para este Robinson, descobriu alguns tesouros nesta árida e solitária ilha, perdida algures nos mares do Sul.

quinta-feira, agosto 30, 2007

O fim do mundo, todos os dias


Quando era muito novo cheguei por momentos a viver angustiado com a ideia de que um dia iria assistir ao fim do mundo. Num só dia o planeta explodiria após uma sucessão de factos estranhos na vida de cada ser vivente. Nesse dia, pouco antes do fim, a loucura tomaria conta do mundo e dos homens. E depois, o fim. Na verdade tal poderia acontecer. Vivia-se nos anos da “guerra-fria” e uma chuva de bombas atómicas poderia, a qualquer momento, por termo a tudo. Fui crescendo e o medo desvaneceu-se até desaparecer completamente. O mundo não poderia acabar num só dia.

Hoje porém começo a perceber que já estamos a viver o fim do mundo. E ainda que possa durar séculos, à escala do tempo geológico será uma questão de segundos. Todos os anos, sucessivamente, o planeta na sua translação oferece os seus bojos ao Sol. De Setembro a Março, o hemisfério sul, e de Março a Setembro, o hemisfério norte. E assim se explica o Verão, ou melhor, a estação quente, alternada em cada hemisfério. É precisamente nessa estação que cada hemisfério é brindado com fogos ardentes que consomem as florestas e as obras dos homens. Ora arde a Austrália, ora a Califórnia, ora a Amazónia, ora a Europa, e por aí fora. Em alternância é o planeta inteiro que aquece e arde, continuamente.

Quando contemplo as chamas devoradoras tragando os campos da Grécia e as encostas do Olimpo é o fim do mundo que me vem à ideia.

Imagino uma outra civilização extra-planetária que ao chegar à Terra, daqui a milénios, ao contemplar os vestígios e as ruínas da nossa civilização, irá por certo concluir que nos últimos dias lutámos contra o fogo em todo o planeta e que nesse inferno sucumbimos.

terça-feira, agosto 28, 2007

O anonimato na blogosfera

Por que se preocupam tanto alguns com o anonimato de outros? Não saberão que o anonimato é mero instinto de sobrevivência? O homem é lobo do homem. Num país onde durante tantos séculos vingou a Santa Inquisição (o tribunal do Santo Ofício cessou as suas funções apenas no século XIX!), e a PIDE perseguiu e castigou durante décadas no século XX, há que prevenir. Tudo indica que na nossa sociedade se desenvolveu um gene delator e muitos indivíduos parecem possuí-lo. Portugal é um país de delatores! E quem pode garantir que amanhã não haverá outro Pogrom desencadeado, não pela Santa Inquisição, mas por outra Santa qualquer? Não seria a primeira vez que os inocentes de hoje seriam os perseguidos de amanhã. É preciso dificultar a vida a essa gente (os delatores). Hoje já nem sequer é preciso a Santa Inquisição ou a PIDE. Tudo se passa de forma mais subtil. Existem novas formas de delação e de opressão que se estendem ao comum dos mortais. Generaliza-se uma nova espécie de totalitarismo em que todos se controlam uns aos outros. Para se ser livre é preciso escapar a isso.

É porém uma grande cobardia denegrir alguém, escudado no véu do anonimato. Neste caso o anónimo torna-se tão abominável como o delator. E não há pior delator que o delator anónimo.

domingo, julho 15, 2007

Lisboa tem medo*

Lisboa tem medo.

Tem medo de perder o poder que julga ter, a sua proeminência em relação ao resto do país. Como se Lisboa fosse Portugal e o resto paisagem. Lisboa sente o poder escapar-lhe e tem medo. Tem medo de perder o “prestígio” que já não tem, se é que alguma vez o teve. Nunca se apercebeu que é uma cidade provinciana. Até Eça, ao escolher uma cidade a opor às suas serras, escolhe Paris. Paris é a Cidade, Lisboa não.

Lisboa tem medo que lhe retirem o aeroporto debaixo das suas saias e não se apercebe que as maiores capitais têm os seus aeroportos principais a dezenas de quilómetros do seu centro (curiosamente, Lisboa, não tem medo que lhe caia um avião em cima!).

Lisboa tem medo da auto-estrada que liga o Norte ao Sul do país, sem que seja necessário passar por ela. Que desconsideração!

Lisboa tem medo da regionalização – isso seria devolver o poder ao resto de Portugal, à “paisagem” – e Lisboa tem medo de perder o poder que ainda tem.

Lisboa é um sorvedouro de dinheiros públicos e privados e já é um escolho ao desenvolvimento do país. Concentra em si cada vez mais, os poucos recursos que o país produz ou possui. E numa situação de má gestão, de má política, numa situação desesperada, tudo quer para si, mesmo que isso signifique o empobrecimento progressivo das outras cidades e regiões. Em dias de apertado orçamento, o pouco que há, o pouco que ainda resta, vai para Lisboa. Lisboa é um buraco negro que colapsa sobre si mesmo. Resultado: noutros lugares e regiões, mais ou menos distantes deste país, encerram maternidades, escolas, postos de correio, esquadras da polícia, hospitais e centros de saúde, etc. Acelera-se o despovoamento do interior. As universidades de província definham e ameaçam encerrar. Há cursos que encerram com a falta de estudantes, disputados pelas numerosas universidades de Lisboa.

Mas o país não dorme e aos poucos apercebe-se que o seu desenvolvimento não passa por Lisboa. Esta é antes um desafio a vencer. Algumas cidades e regiões revelam um dinamismo potencial que não se vê em Lisboa, e começam a traçar caminhos que não passam por lá.
(*) - Lisboa, leia-se, os poderes e os "poderosos" que lá moram.

domingo, junho 24, 2007

Da Andaluzia...

Naranjas y Limones
















Julio Romero de Torres (1874 – 1930)
----------------------------------------------------------------------------------
Adelina em Passeio

Não tem laranjas o mar,
nem Sevilha tem amor.
Morena, que luz de fogo.
Empresta-me o guarda-sol.

Pôr-me-á a cara verde
- sumo de lima e limão -,
tuas palavras – peixinhos –
virão nadar em redor.

Não tem laranjas o mar.
Ai amor.
Nem Sevillha tem amor!

Garcia Lorca (1898-1936), traduzido pelo poeta Eugénio de Andrade.
----------------------------------------------------------------------------------
Música: “Pantomina” de Manuel de Falla (1876 – 1946)
----------------------------------------------------------------------------------
O que me encanta na Andaluzia?

Talvez a lua nas noites de estio.
Talvez as esguias silhuetas das andaluzas ao luar,
esgueirando-se nas ruas estreitas e serpenteantes
onde ecoam as guitarras e soa o flamenco.
Nas bodegas escondidas e animadas, dançam e cantam.

Talvez os laranjais aromáticos.
O Guadalquivir, o Darro e o Genil.
Sevilha, Córdova e Granada.
A Serra Nevada, quente e gelada.

Talvez as brancas e apinhadas aldeias de Jerez. O quente sabor do vinho.
A frescura da tarde, nas margens dos rios…
O flamenco e a guitarra, mais uma vez!
A pintura, a poesia e a dança.
O sangue e a tourada. A vida e a morte.

Talvez o que cantam os poetas andaluzes, os de agora e os de sempre,
Sim, esses mesmos, os que quando cantam parece que estão sós.

Talvez o mar andaluz, Atlântico e Mediterrânico.
E sem dúvida, a fiesta e a siesta.

Errar na Andaluzia é um prazer.

Também nas minhas veias corre sangue andaluz.
E sei-o porque o sinto.

Etiquetas