«Mas a ética é a esfera que não conhece culpa nem responsabilidade: é, como sabia Spinoza, a doutrina da vida feliz.»
Giorgio Agamben, O que resta de Auschwitz – O artigo e o testemunho. Homo Sacer III.
«Mas a ética é a esfera que não conhece culpa nem responsabilidade: é, como sabia Spinoza, a doutrina da vida feliz.»
Giorgio Agamben, O que resta de Auschwitz – O artigo e o testemunho. Homo Sacer III.

There is no politics without frontiers.
Chantal Mouffe
Neste momento o PS vira-se para a Direita e exige, embirrento, um programa político para plagiar. Vira-se para a Esquerda e tenta desesperadamente encontrar um aliado que se queira coligar consigo, hipótese que lhe é recusada, cada vez com mais asco. Entre o estrabismo das piscadelas de olho à Direita e à Esquerda, lá vai colhendo migalhas que caem das respectivas mesas políticas, como a de Miguel Vale de Almeida. Na mesma linha de comportamento, procurou desesperadamente por Joana, mas esta fugiu-lhe e bem. Alberto das ilhas já clama, astuto, que o PS não tem ideologia. Mas o caso é pior: o PS está com uma crise de identidade.
Tudo começou a esboçar-se há muitos anos atrás, quando decidiu colocar o socialismo na gaveta. Mais tarde, descuida a defesa de instituições democráticas face a ameaças de desmantelamento e demolição, quando essa era uma preocupação da Esquerda, num momento de apogeu neoliberal. Privatiza, abraça a flexibilidade do trabalho e a degradação da qualidade do emprego. Aprofunda as desigualdades sociais e as disparidades territoriais, simula um esboço de regionalização, que foi rejeitado (para seu secreto alívio). Abraça a "terceira via" de Giddens e faz concessões ao neoliberalismo – Sócrates é a versão portuguesa de Blair. O problema é que o neoliberalismo arrastou o mundo para uma crise financeira, económica, social e ecológica – ou seja, mostrou que não é sustentável – e o PS já não pode voltar atrás. Está demasiado comprometido e não definiu linhas claras de separação entre a sua política e a política neoliberal, (na verdade praticou uma política neoliberal quando esteve no Governo).
Neste momento, em que se exige clareza de posições, temos partidos fiéis aos seus princípios e ideologias e um, sem princípios nem ideologia. Alguns fundadores, como Mário Soares, tentam agora desesperadamente inverter o rumo, mas é tarde demais. O Partido Socialista não é socialista. O que é o Partido Socialista?
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Referências
Mouffe, Chantal (1998) - “The Radical Centre. A politics without adversary”, Soundings, issue 9.
Carpentier, Nico; Cammaerts, Bart (2006) – “Hegemony, democracy, agonism and journalism: an interview with Chantal Mouffe”, Journalism Studies, 7 (6). Pp. 964-975.

Impõem-se os impostos porque doutra forma ninguém os pagaria. No passado eram um tributo ao príncipe, hoje são um dever no Estado de Direito. Idealmente, deveriam ser uma forma de redistribuição justa, dos que têm para os que não têm, mas sabemos que na realidade não é assim. É certo que quem tem, pode ter trabalhado para isso e quem não tem, pode nada ter feito. Mas a maior parte dos que não têm posses não é responsável por essa situação, em particular, num mundo onde, injustamente, as desigualdades sociais se aprofundam, favorecidas por um sistema económico que premeia os exploradores e os nascidos em berços de ouro.
Aqueles que invocam a competitividade para reduzir os impostos, não estão verdadeiramente interessados na redistribuição da riqueza, mas sim na manutenção do status quo e no volume da sua bolsa. E ainda vêm com a velha história de que é preciso primeiro criar riqueza para depois a redistribuir, quando, na verdade, criação e a redistribuição da riqueza são dois processos simultâneos.
No contexto actual, os anúncios de reduções nos impostos sob o pretexto da defesa da competitividade escondem intenções de assalto aos serviços públicos por empresas privadas e pelo empresariado voraz.
A redução de receitas do Estado tem várias consequências entre as quais a degradação dos serviços públicos e o seu descrédito aos olhos dos cidadãos, preparando-se assim o terreno para o seu desmantelamento. Todos deveríamos saber que a redução das receitas tem de ser acompanhada por uma redução da despesa, para que o deficit se mantenha a valores mínimos ou nulos. Ora para que a despesa se reduza é requerido um Estado minimal e para isso não há como despedir funcionários públicos e privatizar serviços do Estado. Mas neste processo só os serviços passíveis de lucro são privatizados, ficando o Estado com os prejuízos. Os cidadãos passam então a ter de pagar a sua saúde, a sua educação, a sua segurança, a sua defesa judicial, etc., deixando o Estado de os apoiar em situação de infortúnio (desemprego, invalidez, doença, morte de cônjuge, etc.). É este o mundo dos que defendem o neoliberalismo.
Em vez de se preocuparem com o nível dos impostos, deveriam preocupar-se em aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços públicos e melhorar a sua organização de forma a que os cidadãos não tivessem, por exemplo, de esperar 12 horas ou mais numa urgência de um hospital por um médico que está de folga ou de férias.

Preferir Hayek a Keynes é aceitar que o poder se transfira do Estado de Direito para o mercado. Este dita que o poder fica com quem mais lucra e quem mais lucra é quem mais explora. Quem mais explora é quem mais domina e, em última instância, escraviza.
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Apontar o dedo ao Estado-providência keynesiano alegando a sua falta de democraticidade, é um velho argumento neoliberal (Purcell, 2009, 146):
Not surprisingly then, we see much evidence of neoliberals working to associate their project with democracy. One element of that strategy has been to argue that the Keynesian welfare state was undemocratic because decisions tended to be national, top-down, bureaucratic, and expert-driven. Neoliberals argue that their agenda of deregulation takes such decisions away from the state and its arbitrary, unchecked power, and hands them to individuals making free, rational decisions in an open market. There is little doubt the Keynesian state suffered from important democratic deficits. However, the neoliberal solution is not to democratize the state, but to relocate its power to the market.
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Referência:
Purcell, Mark (2009); “Resisting neoliberalization: communicative planning ou counter-hegemonics movements?”, Planning Theory, Vol 8 (2): 140-165.

Após ter partido do México e viajado pelo mundo fora nos mais sumptuosos paquetes e em linhas aéreas de primeira classe, ei-lo que chega. Aliás, já se encontra entre nós, o vírus turista, o vírus global (a globalização dos vírus e das bactérias antecedeu a do capital financeiro). E nós, portugueses, afamados na arte de bem receber, acolhemo-lo de braços abertos, que doutra forma não pode ser.
Quando os médicos regressarem das suas férias, aguardá-los-ão urgências repletas de receosos autóctones, não vá a sua gripe ou constipação ser uma gripe porcina. E aos professores, kits de máscaras e escolas hesitantemente abertas, entre aflições de progenitores necessitados de depositar as suas crias nalgum lugar (que seja uma escola!). E aos alunos, rotinas de descontaminação e diversão. E aos patrões, pesadelos de quarentenas. E aos juízes, novas protelações. E aos políticos, cómicas sessões de deputados embuçados.
Passaremos a cumprimentar-nos com um olá fugidio e apressado (nada de beijos e apertos de mão e cuidado com as maçanetas!). Aumentará a frequência acumulada de infectados, sempre noticiada como um número absoluto que cresce em progressão geométrica, quando todos nós sabemos, que aos primeiros já a gripe não incomoda.
Agosto aproxima-se do seu auge e perfilam-se já algumas questões com as quais os portugueses vão andar enleados a partir de Setembro para além das suas eternas dúvidas existenciais, como por exemplo, a de saberem quanto dinheiro terão nos bolsos ou se é desta que ganharão o euromilhões. Com certeza as suas cabeças, algures nesta silly season, já foram perpassadas por estas interrogações: