«Quando se fala do neoliberalismo, alemão ou
outro, ou seja do liberalismo contemporâneo, obtém-se geralmente três tipos de
resposta.
Em primeiro lugar, esta: do ponto de vista
económico, o que é o neoliberalismo? Nada mais do que a reactivação de velhas
teorias económicas já gastas.
Em segundo: do ponto de vista sociológico, o
neoliberalismo mais não é do que aquilo através do qual passa a instauração, na
sociedade, de relações estritamente mercantis.
Por último: do ponto de vista político, o
neoliberalismo mais não é do que uma cobertura para a intervenção generalizada
e administrativa do Estado, intervenção tão pesada porquanto insidiosa e por se
disfarçar sob os aspectos de um neoliberalismo.»
Michael Foucault (1979), Nascimento da Biopolítica, Edições 70. Lisboa.
2004. Páginas 173-174.
***
Vivemos numa época moribunda, esta do capitalismo tardio
e do neoliberalismo que apodrece. Uma época infértil, incapaz de parir um futuro
esperançoso. Uma época que se arrasta e nos arrasta, incapaz de prometer o que
quer que seja a não ser o sacrifício do presente e a ausência do futuro. É
preciso pôr termo a isto.
O
Drone X-47B consegue voar sozinho e aterrar, apenas com o auxílio dos
computadores de bordo. Representa um novo paradigma na “arte” da guerra: a
morte e a destruição passarão a ser semeadas, já não por homens armados, mas
por máquinas que operam de forma semi-independente.
Com as novas armas temos hoje a
garantia de que a guerra prosseguirá para além da extinção humana. Já ninguém
as comanda, nem sequer de forma remota. Questionava-se em tempos um académico acerca
da legitimidade das guerras comandadas, já não por militares, mas por civis
que, levantando-se pela manhã, se dirigiam ao local de trabalho: um posto de
controlo remoto, algures nos EUA, onde se comandavam drones que sobrevoavam
terras distantes, fotografando, metralhando e bombardeando se fosse necessário. Ao fim do dia esses funcionários ou empregados regressavam ao
aconchego do lar com o sentimento de missão cumprida, enquanto no distante
Paquistão alguém chorava os seus mortos.
Pois bem, com as novas armas a
questão começa a perder acutilância. No futuro a guerra poderá escapar não só à
alçada dos militares mas também à dos civis. Será coisa de máquinas. Não foi Kasparov
vencido pelo Deep Blue? É o admirável
mundo novo. O pesadelo do Exterminador entre
nós. E ainda que o homem seja varrido da face do planeta, podemos estar
descansados: as máquinas ficarão por cá, assegurando a guerra perpétua.
“O
actual modo de funcionamento da economia mundial (e hoje existe efectivamente
uma economia mundial)
juntamente com as elites extraterritoriais que a fazem funcionar favorecem
organismos estatais que não podem
de facto impor as condições de gestão da economia e, menos ainda, a impor
restrições ao modo como aqueles que dirigem a economia entendem fazê-lo: a
economia é hoje decididamente transnacional. Virtualmente em todos os Estados,
pequenos ou grandes, a maior parte dos meios económicos mais importantes para a
vida quotidiana da população são «estrangeiros» - ou, dado que foram removidas
todas as barreiras aos movimentos do capital, podem tornar-se estrangeiros de
um dia para o outro, caso os governantes locais suponham ingenuamente poder
intervir.”
Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, Ensaio sobre a Moral Pós-Moderna, relógio
D’Água. 2007. Pág. 253-254.
***
Bauman escrevia em 1995, há 17 anos portanto,
sobre a impotência dos Estados, ou dos “organismos estatais”, na determinação
dos rumos da economia, que passou definitivamente a funcionar num quadro que
transcende as nações (transnacional). O “modo de funcionamento da economia” a
que se refere Bauman em 1995, não podia ser mais actual. Vivemos já a hora em
que “a maior parte dos meios económicos mais importantes para a vida quotidiana
da população” se tornam estrangeiros, e, poderíamos acrescentar, chineses. Comunistas
capitalistas chineses! Os grandes vencedores da Era neoliberal. Trata-se de uma
grande ironia. Eles não comem tudo; eles compram tudo! Esta semana foi a vez da
Thames Water, a “maior empresa de
água e saneamento do Reino Unido” (Público,
21 de Janeiro de 2012, pág. 15) que “abastece 8,8 milhões de consumidores com
água e presta serviços de esgotos a cerca de 14 milhões de britânicos, em
Londres e regiões próximas”, ter sido comprada em 8,7% pelo fundo de
investimento China Investment Corporation.
Já antes a Three Gorges tinha comprado
21,3% da EDP. Água, energia, saneamento básico… – “os meios económicos” mais
importantes para a vida quotidiana da população”.
A China posiciona-se estrategicamente no campo
geopolítico e geoeconómico da globalização. E não sejamos ingénuos: não o faz
por altruísmo ou para “ajudar” o pobre Ocidente que até há pouco era rico e
colonizador e que agora implora por mais dinheiro. Fá-lo porque procura ganhar
uma posição hegemónica na economia e na política mundial. No futuro poderá
impor os seus interesses ao mundo: o que fará o Ocidente (ou o mundo) quando a
China ameaçar utilizar o embargo financeiro (essa nova arma), caso os seus
interesses sejam contrariados, por exemplo, na questão de Taiwan, essa ilha que
se segue, após Macau e Hong Kong?
É preciso ganhar a confiança dos mercados, dizem os
adoradores dos mercados que nos governam. É preciso austeridade, dizem
também. Ora ai está a resposta dos mercados pela S&P, tão agradada que está
com os sacrifícios que lhe prestam e com a austeridade:
«Mas, por muito
que Portugal tenha entrado na pós-democracia – e que os políticos portugueses
representem de facto interesses outros e privados ou que pouco ou nada têm a ver
com o que é a representatividade democrática dos cidadãos e do interesse
público -, o sistema político dá ainda poderes ao Presidente. E se este, de
facto, não quisesse apenas limitar-se fazer discursos da carochinha, então
poderia ter sido coerente com o que é o seu pensamento já expresso
anteriormente e com o que é a Constituição, e teria mandado para o Tribunal
Constitucional o Orçamento de Estado, em particular as normas que confiscam o
subsídio de Natal e de férias dos funcionários públicos.»
Democracia, democracia, democracia…A palavra é hoje repetida cada
vez mais, até à exaustão, como um grito surdo. Dizemo-la porque decerto sentimos
que está a escapar-nos. Parece que vivemos tempos análogos àqueles em que a
guerra indesejada e inevitável se pressente, e então a palavra “paz” invade ansiosamente
as bocas do mundo. Assim é agora com a "democracia".