quarta-feira, dezembro 26, 2012

A Cama Quente

Homenagem aos mineiros do Chile
que dormem, singelo,
pelo sistema de «a cama quente»

Na mina trabalha-se por turnos.
Quando se volta, nem se tiram os coturnos.

Bebido o café negro e trincado o casqueiro,
joga-se o corpo ao sono, mas, primeiro,

enxota-se o camarada da cama ainda quente,
que não há camas, no Chile, pra toda a gente.

Do calor que sobrou o nosso se acrescenta
pra dar calor ao próximo que entra.

Vós, que dormis em camas, como reis,
tantas horas por dia, não sabeis

como é bom dormir ao calor de um irmão
que saiu ao nitrato ou ao carvão

e despertar ao abanão (é o contrato!)
de um que chega do carvão ou do nitrato!

É a este sistema, minha gente,
que se chama no Chile «a cama quente»…

(poema de Alexandre O’Neill, 1975)

Do chão levantado


Vim do povo chão,
Mas do chão levantado.

                                AMCD

domingo, dezembro 23, 2012

Feliz Natal

    Raffaello Sanzio, Madonna con il Bambino, c. 1503.

O mais perfeito e simples Ave Maria de todos. O melhor, sem rocócós, sem instrumentos... Apenas a voz humana soa, brilhante, límpida, pura... Puro Mozart.

(clique na imagem para ver o quadro completo)

sábado, dezembro 22, 2012

Boas-Festas


Já os dias se abrem, cada vez maiores, e a luz começa a conquistar as sombras e a escuridão. Avançam já a "passinhos de pardal" para o equinócio primaveril, mas são ainda dias solsticiais.


Boas-Festas a todos os que por aqui passam.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Faleceu o Professor Simões Lopes (1934 – 2012)

Foi um privilégio e uma honra ter sido seu aluno no ISEG, quando uma vez por lá frequentei um curso de pós-graduação. Aprendi com ele, e muito. Economia Urbana e muito mais. As suas prelecções eram para mim um prazer. Os seus ensinamentos ainda me servem na vida profissional que levo. Já o citei, por vezes, aqui.

Remeto ainda para o blogue Ladrões de Bicicletas, onde os seus colegas economistas lhe prestam homenagem e pelo qual tive notícia do seu falecimento.

Que descanse em paz.

O fim do mundo já começou

Finda desde o dia em que se formou.


Inverno de Portugal


Inverno,
Eterno inferno.

E se te disser que folheei as Poesias Completas
d’O’Neill à procura da palavra “Inverno” para
escrever um poema neste mural e não encontrei?

Seria muito a propósito, não?
Hoje, no dia do solstício de Inverno…
Que pretensão a minha, querer escrever
um poema de O’Neill, sem o conhecer.

Inferno,
Eterno Inverno

O’Neill não era dado a contemplar os céus,
Quanto mais as celestiais estações.
Preferia esgueirar-se por entre as gotas de chuva,
fosse Inverno, fosse Verão.

O’Neill era de Lisboa, e os de Lisboa não são muito dados a olhar o céu,
Excepto os poetas e os loucos.
Todo o movimento nos desvia o olhar.
É preciso estar atento, nas cidades, em particular.
Mas O’Neill não só era de Lisboa, como era poeta.

O’Neill estava atento.
Atentava, porém, em tudo o que se movia, em tudo o que se mexia.
Escapou-lhe o Inverno.
Ou escapou-me a mim, na sua completa poesia.

Mas por que diabo O’Neill se haveria de preocupar com o Inverno, esse lugar-comum?
Esse Inverno de Portugal?

Inverno suave,
Ditoso Inverno, sempiterno Inverno.

Os gélidos dias partirão: adeus!
Até à Primavera,
Até ao Verão.

                                             AMCD

quarta-feira, dezembro 19, 2012

Postos de lado

«As sociedades modernas excluem por definição os fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos. O grande princípio do thatcherismo era essa ideia que estipulava que dadas a igualdade de condições e oportunidade, todos pisaríamos forte pelo amanhã que canta do sucesso e do trabalho remunerado. O thatcherismo esqueceu-se dos que precisam de muletas para caminhar pela vida fora. A sociedade portuguesa dos últimos anos enriqueceu, e pôs de lado. Chamou-lhe o custo social do progresso, e pôs de lado

Clara Ferreira Alves, 06/01/96 (*)

Em 1996, quando governava Guterres, quando a classe média engrossava (apetece dizer, “quando havia classe média”) e a sociedade portuguesa enriquecia (sabemos agora que esse “enriquecimento” afinal correspondeu a “endividamento”, ou seja, à projecção dos custos da crescente acumulação material e do consumo para o futuro, e o futuro é agora) a taxa de desemprego era cerca de 7,2%, e já então se começava a sentir no país a brisa do thatcherismo (curiosamente, outra palavra para neoliberalismo). Os “fracos, os estúpidos, os inúteis, os doentes, os indefesos” foram postos de lado, dizia Clara Ferreira Alves, e já então as políticas começavam a questionar a continuidade do Estado-Providência, pelo menos nos moldes até aí praticados. Actualmente a taxa de desemprego mais que duplicou. Já não são só os desgraçados a ser postos de lado. Hoje é a classe média que caiu em desgraça e que está a ser posta de lado e do lado dos desgraçados. Em suma, uma desgraça, e como diz o povo, uma desgraça nunca vem só. Sopram fortes, os ventos do neoliberalismo. Será a reacção desesperada que antecede o último estertor que prenuncia o fim de um certo tipo de capitalismo? Ainda está viva a democracia que o debelará?

P.S. - Curiosamente, hoje, no contexto comunitário, é Portugal que está a ser posto de lado (e à venda). Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, Chipre, etc.



(*) Clara Ferreira Alves (1996), “O Desejo de Ano Novo” in A Pluma Caprichosa, 2ª ed., Publicações Dom Quixote, 2002, p. 107.

terça-feira, dezembro 18, 2012

George Orwell versus Suzanne Collins


Reconheçamos: a Coreia do Norte é o que mais há de parecido com o pesadelo orwelliano de 1984, mas este modelo de governação neoliberal que agora alastra ao mundo, aproxima-nos cada vez mais do pesadelo dos Jogos da Fome de Collins. Este sim, é um verdadeiro caminho para a servidão. Paradoxalmente, Hayek, que quis afastar-se do caminho para a servidão (*) ao defender um aprofundamento do liberalismo, vê a tentativa de aplicação das suas ideias ao nível social, económico e político, conduzir-nos também à servidão. Os extremos tocam-se, não é verdade?!

Não julguem os paladinos do neoliberalismo que só encontram fome e servidão na Coreia do Norte. Existem bolsas de pobreza extrema nos mui liberais EUA e, infelizmente, entre nós, começam novamente a emergir.



(*) Friedrich Hayek,  autor da famosa obra The Road to Serfdom.

Etiquetas