sábado, maio 11, 2013

Viviane viveu.

Viviane Forrester (1925-2013)

Eis-nos ainda imersos no horror económico. Cada vez mais profundo, na Era de todas as incertezas, desbaratada que foi toda a confiança. O bom povo, desempregado e envergonhado, ou sai do país, ou da vida (houve quem se suicidasse, alguns levando os filhos), ou então, resignado, torna-se presa de uma exploração que é, a cada dia que passa, mais insuportável. Paralisante até. Enquanto isso, um banqueiro, um macho alfa da nossa Era, profere cinicamente, referindo-se ao povo, “ai aguenta, aguenta”, ao mesmo tempo que os seus conterrâneos definham…O horror económico é isto. É isto e muito mais...

Viviane morreu viveu. Fica a sua obra e, infelizmente, o horror económico, que ela tão bem retratou.

***

«Brincadeiras engenhosas! Como a de um governo anterior que, meses atrás, cantava vitória, delirante, impando: diminuição do desemprego? Não, de facto. Pelo contrário, aumentara – mais lentamente, contudo, do que no ano transacto!
Mas enquanto assim se diverte o pagode, milhões de pessoas, e refiro-me mesmo a pessoas, postas entre parênteses, têm direito, por um período indefinido, talvez sem limite que não a própria morte, à miséria ou à sua ameaça mais ou menos próxima, e muitas vezes à perda de um tecto, à de toda a consideração social e mesmo a toda a autoconsideração. Ao drama das identidades precárias ou naufragadas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha. Visto que cada um se julga (é encorajado a julgar-se) senhor falido do seu próprio destino, quando não passou de um número metido por acaso numa estatística.
(…)
A ignomínia desencoraja qualquer reacção da sua parte que não seja uma resignação dolorida.
Porque nada enfraquece ou paralisa mais do que a vergonha. Ela altera radicalmente, deixa sem recurso, permite qualquer subjugação, reduz os que dela sofrem à condição de presas. Daí o interesse dos poderes em servir-se dela e impô-la; permite legislar sem oposição e transgredir a lei sem receio de protestos. É ela que cria o embaraço, impede qualquer resistência, faz renunciar a todas as clarificações, a todas as desmistificações, a qualquer confronto da situação. Desvia de tudo o que possibilitaria a recusa da ignomínia e a exigência de uma responsabilização política do presente. É ela que permite também a exploração dessa resignação, assim como a do pânico virulento para cuja criação contribui.
A vergonha devia ter cotação na Bolsa; é um elemento importante do lucro

Viviane Forrester, O Horror Económico, Terramar, 1997, pp. 10-13.

Em destaque: Reis Novais, sobre a mobilidade especial. Uma barbaridade!



Reis Novais fala-nos de um retrocesso civilizacional.

Em suma, o que se propõe para os funcionários públicos e a forma indigna como são tratados pelos que dirigem o país, ultrapassa as raias da bestialidade! Uma barbaridade, diz ele.

Já inventaram o "salário zero". Só lhes falta inventar o "salário abaixo de zero".
As bestas quadradas.

Isto está mesmo a pedir uma bernarda!

segunda-feira, maio 06, 2013

O Professor Adelino Maltez, hoje, na Antena 1


Ouvido pela manhã, na Antena 1:

«A troika tem uma concepção muito especial - acha que os culpados da crise em Portugal são os funcionários públicos e portanto exige ao Governo que malhe nos nossos funcionários públicos.

(...)

A coisa mais grave é a cedência do Governo da República Portuguesa a este conceito de ataque ao conceito público de serviço. Porque o que nós temos aqui é: de uma maneira cega há que despedir um número “x” gigantesco, e uma forma indirecta de o conseguir, que é esta questão da colocação na mobilidade - isto antigamente chamava-se quadro geral de adidos - e pedir isto a que governos sucessivos - não é a este, é a todo o governo - que se coloquem 30 000 pessoas num sítio onde durante anos e anos quer dizer… isto já estava previsto há muitos anos, só conseguiram pôr 1000... Portanto, o que significa que vai ser tudo feito de uma maneira totalmente irracional porque este é o mesmo governo que não sabe quais são as necessidades (penso que houve um conferência sobre a reforma do estado numa universidade qualquer e um nomeado, que por acaso até era do PS, por este governo, para qualquer lugar, nem sei bem especificar, disse que o problema estava no pessoal das cantinas outro nos contínuos - e portanto são estes palpites que marcam a acção de incompetência técnica total da parte do senhor ministro das finanças e da administração pública...

(...)

Se destruirmos no caminho o conceito de serviço público, com as boas experiências, em nome de alguém que é desconfiado, porque já declarou, como o primeiro-ministro que "infelizmente eu não sou funcionário público"...os principais ministros, parece que alguns são funcionários de organizações internacionais, mas não são funcionários públicos, portanto há aqui assim o desprezo total por alguma coisa que marcou - isto não foi nos últimos trinta anos, foi nos últimos séculos - uma existência racional normativa à nossa convivência como comunidade política

Excertos da entrevista do Professor José Adelino Maltez à Antena 1, hoje, AQUI. (os destaques são nossos)

***


Acrescentemos apenas que não nos parece que a adesão deste governo ao conceito de ataque ao serviço público se trate de uma “cedência” ou seja exclusivamente motivada por um elemento exógeno como a troika. O princípio ideológico e preconceituoso contra o funcionalismo público já fazia parte da matriz ideológica dos que agora encabeçam o Governo da República, mas que nunca encontraram antes condições favoráveis para o fazer vingar. As imposições da troika vieram apenas criar o ambiente favorável, e o pretexto, para que as tendências neoliberalizantes de uma ala ideológica do PSD e de alguns do CDS fossem descaradamente assumidas na (des)governação do país. É de neoliberalismo que se trata.

domingo, maio 05, 2013

Mãe



Aflige-se com a nossa aflição.

Contempla-nos como quem sente
Que seremos crianças para sempre.
Primeiro no ventre,
Depois no coração.

Quem nos governa?


Foi o Inverno do nosso descontentamento.
É já a Primavera do nosso descontentamento.
Será o Verão do nosso descontentamento.
E depois o Outono do nosso descontentamento.

(Sempre que ele aparece ao fim da tarde, vem semear descontentamento).

Que diabo! Ser descontente é ser homem, mas isto é demais.
Um ano de descontentamento! (mais um)
Um ano desconcertante.
Um desconcerto!
Um país desconcertado.

Triste fado!

Lembram-se da nossa longa história e quando foi assim?
Nunca foi assim! Nem Napoleão, nem Filipe II...
Sempre nos erguemos.

Que Portugal somos nós?
Para onde vamos?
(Não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde vai.)
Para onde vamos?
Que mãos seguram o timão do nosso destino,
Que nas nossas mãos não está?

Quem nos governa?

sábado, maio 04, 2013

A servidão ou a partida

1/05/2013 - Manifestação contra o capitalismo, em Seattle, acaba em motim.


Vós que cegamente votastes nestes,
Sabeis agora o que o neoliberalismo é?
Sabeis agora que o Estado pode ser um instrumento da luta de classes?
Que uma vez conquistado para as classes dominantes, estas o usam para transferir a riqueza da base para o topo?
E uma vez conquistado pelas classes exploradas, estas o usam para transferir a riqueza do topo para a base?
Para subtrair riquezas outrora subtraídas.

De que vos queixais agora?
É a vez deles! Fostes vós que os colocastes lá.
Destes-lhes o pleno: um presidente, uma maioria parlamentar, um governo.
Que esperáveis?

Bem podeis aguardar que caiam por si. Não cairão!
Resta-vos a rua ou o desespero,
a servidão ou a partida.

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quinta-feira, maio 02, 2013

A Era do Mercado ou da Exploração



«O verdadeiro problema não é que o dinheiro possa levar as mulheres “de honra” e homens “de palavra” a fraquejar, como se diz. O escândalo começa, sim, quando, para funcionar, o dinheiro enquanto capital pressupõe sistematicamente a fraqueza de homens e mulheres que têm de se colocar no mercado. Eis o fundamento funcional-imoralista da economia industrial de mercado. Esta inclui sempre no seu cálculo o estado de necessidade dos mais fracos. Funda a circulação contínua do lucro na existência de grandes grupos que não têm praticamente outra opção senão “comer ou morrer”. A ordem económica capitalista assenta na possibilidade de espremer os que vivem constantemente em situações de excepção actuais ou virtuais, isto é, de espremer os seres humanos que terão fome amanhã se não trabalharem hoje, e que amanhã não terão trabalho, se não aquiescerem hoje ao que impudentemente se exige deles.»

Peter Sloterdijk (1983), Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 401

quarta-feira, maio 01, 2013

O trabalho no "maravilhoso mundo plano"

(Kevin Frayer/Associated Press)

Tem sido um ano duro para os trabalhadores e trabalhadoras, em particular nos países do Sul, onde o trabalho pode chegar a assumir características de escravatura e está, por isso, longe de ter qualquer função dignificadora. O trabalho só dignifica se não escravizar, nem explorar. Quando o salário é de 38 euros mensais, é de exploração e escravatura que falamos. Era esse o salário das operárias bengalis que morreram sob os escombros do prédio onde eram exploradas. Soubemo-lo hoje.

Enfim, é este o “maravilhoso mundo plano” de que nos falam os deslumbrados da globalização e do capitalismo.

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