quinta-feira, dezembro 26, 2013

A saída de Gaspar, a “irrevogável” demissão de Portas e os seus efeitos nos mercados financeiros.

Diz Fernando Madrinha, na sua coluna no Expresso, que a saída do Governo de Vítor Gaspar e a demissão “irrevogável” de Paulo Portas interromperam a “consistente tendência de queda” dos juros que permitem o acesso aos mercados financeiros. Ora isto não é, pura e simplesmente, verdade. A saída do Governo de Vítor Gaspar não interrompeu a “consistente tendência de queda”, coisíssima nenhuma, por uma razão muito simples: não se registava, à data, nenhuma “consistente tendência de queda”. Este facto é facilmente constatável no gráfico abaixo (fonte: Bloomberg), relativo aos juros a 10 anos.


Como pode se verificar, desde o dia 21 de Maio de 2013 que se registava uma consistente tendência de crescimento dos juros da dívida a 10 anos (no dia 21 de Maio, as taxas de juro foram as mais baixas do ano, cerca de 5,23%, e a partir daí inflectiram, começando a aumentar de forma sustentada; quando Gaspar sai, a 1 de Julho, a taxa de juro estava a 6,39%). E se é verdade que as taxas de juro diminuíram entre 25 de Junho e 1 de Julho, tal movimento não é suficientemente amplo para constituir uma tendência “sustentada”. Pelo contrário, o movimento que se processa entre 22 de Maio e 3 de Julho de 2013, sendo mais amplo, é o que caracteriza a tendência que então se verificava.

Em suma, quando Gaspar sai, a coisa já tinha dado para o torto.

Gosto de ler o que escreve Fernando Madrinha, mas discordo dele neste ponto. Atribui a Gaspar uma importância que ele não tem. São os mercados financeiros que determinam a saída de Gaspar. Não é Gaspar que determina a evolução sustentada dos mercados financeiros. Antes fosse.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Natal 2013

Jan van Eyck, Madona em Igreja, 1425-1430

Um feliz Natal a todos os que por aqui passaram e passarão. E também aos que passam.

O nascimento de Jesus, esse grande revolucionário, não será aqui esquecido.

Não consta que tivesse deixado qualquer escrito (para quê?). Consta que o que escrevia fugazmente, por vezes uns rabiscos no chão enquanto reflectia, como naquele dia em que disse: “Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra”, era logo apagado. Ainda hoje nos interrogamos sobre o que terá escrito ou desenhado no chão naquele dia.

Feliz Natal

sábado, dezembro 07, 2013

sexta-feira, dezembro 06, 2013

Será recordado!


Será recordado!

Ainda que os séculos nos varram a todos.

Um grande Homem morreu ontem.

***

domingo, dezembro 01, 2013

Do curtíssimo prazo

Ao gerirem os nossos destinos por curtíssimos horizontes temporais, os “governantes” abdicaram do sonho utópico, para eles sempre utópico, sem lugar neste mundo, de um dia as comunidades que “regem” se libertarem dos fardos quotidianos que as oprimem – essa era a busca pela verdadeira liberdade e civilização! Movem-se agora por curtos ciclos eleitorais e curtíssimos ciclos financeiros – as cotações nos mercados internacionais, os ratings, e, entre outras, as taxas de juro da dívida pública a 10 anos, mais precisamente, e agora em inglês técnico, “The Portuguese Government Bonds 10YR Note”, que pode ser vista aqui (e que no momento se encontram em tendência decrescente, em torno dos 6%, daí a temporária euforia de alguns), oscilando diariamente, ora para cima, ora para baixo, como uma espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças, e é só isto que lhes interessa, porque ironicamente, no longo prazo, estaremos todos mortos. Para cúmulo, é para eles agora o curtíssimo prazo que importa, e por isso não admira que alguns destes iluminados tenham querido difundir a ideia de que a história não importa e pouco influi na progressão das sociedades pós-modernas e nos nossos destinos. Assim, uma nação com mais de 800 anos de história é vendida a retalho no mercado internacional por meia pataca. Os traidores estão entre nós, sempre estiveram, que gente a defenestrar sempre houve.

Meus caros, eles já não nos representam. Qual democracia representativa, qual quê? Eles representam os credores internacionais e outros interesses que não os nossos. Nós só lhes interessamos na medida em que, estamos convocados para lhes pagar as dívidas e os juros usurários. O melhor, meus amigos, é votar com os pés, partir, e ir contribuir para outra freguesia (contribuir, na verdadeira acepção da palavra: como contribuinte!). E diga-se de passagem, muitos já o fizeram.

Tenho dito.

Epílogo

«Hoje, a classe política vive atascada nos problemas e nas soluções de curto prazo, segundo a temporalidade própria dos ciclos eleitorais, nos países centrais, ou dos golpes e contra-golpes, nos países periféricos. Por outro lado, uma parte significativa da população nos países centrais vive dominada pela temporalidade cada vez mais curta e obsolescente do consumo, enquanto uma grande maioria da população dos países periféricos vive dominada pelo prazo imediato e pela urgência da sobrevivência diária.»

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 9ª ed., Almedina, 2013, Pág. 277


Hoje existe ainda outra temporalidade que Boaventura de Sousa Santos não aborda, talvez porque no momento em que realizou a sua análise essa tendência ainda não se tinha materializado claramente aos seus olhos prescientes - é a temporalidade do curtíssimo prazo que agora determina as decisões dos governos: o tempo dos mercados financeiros, o tempo dos credores. 

sábado, novembro 30, 2013

O mar português


Soares acabou com a Marinha Mercante, Cavaco acabou com grande parte da frota de pesca nacional, Passos acaba com os estaleiros de Viana do Castelo e agora a Marinha de Guerra está sem Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA).

Isto no país dos Descobrimentos, pioneiro da globalização, que possui a 3ª maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia e a 11ª do mundo.

Há algo de extremamente errado aqui.

Portugal sem o mar não é Portugal. Será que quem nos diz governar não compreende isto.

Mas que IIIª República é esta?

***

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Fernando pessoa


Portugal chora, já não os seus náufragos perdidos no mar, mas o fim do seu mar. E o fim do seu mar é o seu fim.

É Portugal que naufraga.

segunda-feira, novembro 25, 2013

Adeus, clara visão do mundo!

Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed., 2013, pág. 240

Ver claro é não agir?! Bom, às vezes esfregamos os olhos, estremunhados, para ver melhor ao longe, pra enxergar o que vem lá. E quando constatamos que é um touro furibundo vindo em nossa direcção, então ver claro é agir. Caso contrário, adeus clara visão do mundo!

***

Consta que muitos filósofos e poetas da Antiga Grécia - à excepção do poeta Arquíloco, diga-se de passagem - na sua juventude tinham sido soldados notáveis. Homens de acção, portanto.  


De que serve a contemplação, se não for para melhor agir? Para mero deleite dos sentidos? Mas nem sempre os sentidos se deleitam com o que contemplam. É preciso agir então, transformando o mundo para depois o contemplarmos melhor e é preciso contemplar o mundo, para depois agirmos melhor. Como um escultor que vai criando a sua obra – esculpindo e contemplando, avançando e recuando, frente à sua obra, como Rodin.

domingo, novembro 24, 2013

E agora, o mercado interno chinês: consumir é glorioso!

«O que parece ser novo neste domínio [da globalização da economia] é o aumento exponencial da exportação da cultura de massas produzida no centro para a periferia e com ela das “estruturas de preferências” pelos objectos de consumo ocidental. Está-se a criar assim uma ideologia global consumista que se propaga com relativa independência em relação às práticas concretas de consumo de que continuam arredadas as grandes massas populacionais da periferia. Estas estão duplamente vitimizadas por este dispositivo ideológico: pela privação do consumo efectivo e pelo aprisionamento do desejo de o ter. Pior do que reduzir o desejo ao consumo é reduzir o consumo ao desejo do consumo.
Esta dupla vitimização é também uma dupla armadilha. Por um lado, nem o desenvolvimento desigual do capitalismo, nem os limites do eco-sistema planetário permitem a generalização a toda a população mundial dos padrões de consumo que são típicos dos países centrais

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 9ª ed., Almedina, 2013, Pág. 269
(os sublinhados são nossos)

Dizia bem Boaventura de Sousa Santos, que “as grandes massas populacionais da periferia” estavam “arredadas” das práticas de consumo vigentes no centro, mas não da publicidade suscitadora de novos desejos e de insuspeitas "necessidades", individuais e colectivas. Pois bem, essa realidade, que já muda, irá alterar-se rápida e profundamente. A China ao decidir aprofundar mais a sua política económica no sentido de “mais mercado e menos Estado”, alargando-a ao seu mercado interno, abraça definitivamente a biopolítica. Mais mercado, mais consumo interno, mais população (a China vai relaxar a sua política demográfica antinatalista), mais consumidores, mais contribuintes - esses novos escravos a formar… Mas também, mais poluição, mais consumo de energia, mais consumo de recursos naturais, mais ameaça à biodiversidade, mais, mais, mais… Se enriquecer era glorioso, é agora o consumo que passa a sê-lo. E assim se vai imiscuindo o deus mercado, insidiosamente, em todas as esferas da vida (e da Vida).

O mercado é o fetiche da China, esse país mutante. Comunista e capitalista, neoliberal e consumista.

terça-feira, novembro 12, 2013

O sonho português

O desprezo a que é votado o mercado interno é evidenciado pela orientação política e económica destes que nos dizem governar, ao privilegiarem exclusivamente as exportações e o turismo como os motores do crescimento económico nacional (coisa que, curiosamente, mal se vê, ainda que andem já por aí a falar em milagres). Para esta gente, os consumidores estão lá fora. Os de dentro que se resignem ao trabalho mal pago, à exploração, aos baixos salários, que o consumo, esse, não é para cafres. Os da “piolheira”, se quiserem, que emigrem, ou então, que aguardem o crescimento do investimento directo estrangeiro, pois nem Governo, nem empresas nacionais exportadoras, estão preocupados com as suas aflições. Neste país, paradoxo dos paradoxos, empobrece-se a trabalhar. É o sonho português, no seu melhor. Arbeit macht frei.

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