domingo, janeiro 11, 2015

E você? Sente-se Ocidental?

Uma civilização representa a mais ampla entidade cultural. Aldeias, regiões, grupos étnicos, nacionalidades, grupos religiosos, todos têm culturas distintas em diferentes níveis de heterogeneidade cultural. A cultura de uma aldeia na Itália meridional pode ser diferente da de uma aldeia no Norte, mas ambas partilham uma cultura italiana comum que as distingue das aldeias alemãs. As comunidades europeias, por seu lado, partilharão traços culturais que as distinguem das comunidades chinesas ou hindus. Chineses, Hindus e Ocidentais, no entanto, não são parte de qualquer entidade mais ampla. Constituem civilizações. A civilização é, assim, o mais elevado agrupamento cultural de pessoas e o nível mais amplo de identidade cultural que as pessoas possuem e que as distingue das outras espécies. Ela define-se quer por elementos objectivos comuns, como a língua, a história, a religião, costumes e instituições, quer pela auto-identificação subjectiva das pessoas. As pessoas têm níveis diferentes de identidade: um residente de Roma pode definir-se, em vários graus de intensidade, como romano, italiano, católico, cristão, europeu, ocidental. A civilização a que pertence é o nível mais amplo de identificação a que se sente ligado. As civilizações são os maiores de «nós» dentro dos quais, culturalmente, nos sentimos «em casa» de uma forma diferente de todos os outros «eles».

Samuel Huntington, O Choque de Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Gradiva, pág.47. (os destaques são nossos)

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O conceito de civilização é incómodo. Causa comichão a muita gente. Contudo factos são factos. As ciências sociais e naturais nem sempre nos dão, ou darão, as respostas que gostaríamos de ouvir. Temos de estar preparados para isso. Da mesma forma que muitos idealistas querem erradicar a pobreza no mundo, outros também desejam apagar todas as linhas divisórias que levam à existência de um “nós” e um “eles”. Será tal coisa possível?


Fez-me pensar este post do Ma-shamba – “Je suis Baga”. Afinal por que nos indignamos tanto com a morte de 20 pessoas em Paris, ao ponto de sairmos à rua, em manifestação, enquanto quase nos passam despercebidas as cerca de 2 000 mortes causadas pelo Boko Haram, em Baga, na Nigéria, na quarta-feira passada? Não se observou qualquer veemente manifestação nas avenidas das cidades ocidentais. Porquê?

sábado, janeiro 10, 2015

Nem todos somos Charlie!


Este também não é. Vide aqui.

Confesso que também não gosto lá muito de unanimismos, que me fazem uma certa confusão.  E já começa por aí muito boa gente, e muito má gente, a dizer que eles não, que eles não são Charlie. No que me toca, solidarizo-mo com as vítimas que teimavam em ser livres e em dar azo à sua liberdade de expressão. A Liberdade é talvez o maior valor da nossa civilização e aqui não pode haver qualquer concessão ao medo. Ser Charlie é ser pela Liberdade e pela coragem de a defender, com prejuízo, se necessário, da nossa própria vida. É que a Liberdade é um valor que está acima da própria Vida, pelo menos na minha escala de valores. É isso que significa preferir "morrer de pé, a viver de joelhos". 

Não me surpreende lá muito que o senhor Jean-Marie Le Pen não seja Charlie. 

sexta-feira, janeiro 09, 2015


quarta-feira, dezembro 31, 2014

2015 Anno Domini

UM FELIZ 2015 PARA TODOS!

quarta-feira, dezembro 10, 2014

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© AMCD

domingo, outubro 19, 2014

Safo

     Charles-Auguste Mengin, Safo, 1867, Manchester Art Gallery

Quando morreres,
hás-de jazer sem que haja no futuro
 memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
nas rosas de Piéria.
Invisível, andarás a esvoaçar
no Hades, entre os mortos impotentes.

Safo, Lesbos, Séc. VII-VI a.C.
(traduzido por Maria Helena da Roca Pereira, in Hélade)

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Mais de dois mil e quinhentos anos nos separam, imortal Safo.
E poucas foram as vozes femininas desse tempo que chegaram até nós.
Contudo a tua ainda soa - tu, que participaste nas rosas de Piéria - entoando cânticos e declamando poemas às primeiras horas da Aurora.

Sei que ainda percorres descalça as praias de Lesbos com a tua harpa,
enquanto o teu olhar divaga no mar, 
insaciado, insatisfeito, invadido pela saudade.
Transporta um desejo obsessivo de reencontro impossível.
Daí a profunda dor que canta
Por um ardente amor ausente.

Distante. Sempre.

sábado, outubro 18, 2014

Para quem os impostos sobem

Lido hoje no Público:

Uma das tendências internacionais dos últimos anos (e décadas) foi a diminuição da carga fiscal sobre as empresas. Não só se reduziram as taxas de impostos sobre o rendimento das empresas como, por via de acordos internacionais e directivas europeias, se criaram mecanismos que permitiram a redução dos impostos.”

Ricardo Cabral, Público, 18 de Outubro, pág.51.

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Há dias emiti um comentário n' O Insurgente a um post que punha em questão a ideia de estarmos a viver numa época de “[Neo]Liberalismo” - para estes “Testemunhas de Jeová” do liberalismo, fundamentalistas do laisser faire, laisser passer,  o termo “neoliberalismo” é impronunciável, é um “vai de retro Satanás”, daí escreverem o prefixo entre aspas, ou entre parêntesis, ou, neste caso, entre colchetes -, na medida em que os impostos cobrados eram maiores que nunca, ilustrando com um gráfico esse aumento.

Acontece porém que se esqueceram do facto de que existem impostos e impostos, e que, não obstante, no seu conjunto, os impostos tenham aumentado, os que recaem sobre os lucros das empresas, ao invés, têm diminuído, como salienta Ricardo Cabral.

As grandes fortunas, fugidias, foram contempladas por este governo com um perdão fiscal, é bom não esquecer. O IRC é o único imposto que tem diminuído, assim como a TSU. Os impostos sobre os lucros dos bancos e sobre as transacções financeiras (a que me referi como impostos sobre o capital) são irrisórios.

O colossal aumento dos impostos recai principalmente sobre os rendimentos do trabalho.

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Entrar n’ O Insurgente para colocar uma objecção ou uma crítica às ideias daquela gente é como entrar numa congregação de Testemunhas de Jeová para os tentar convencer acerca do erro em que incorrem ao fazerem uma interpretação literal da Bíblia. Aquela gente está cega pela crença ideológica. Só vêem o que querem ver. É uma questão de Fé e não de Razão.

sábado, outubro 11, 2014

A fé do ateu

O agnóstico considera a existência de Deus uma possibilidade. É uma hipótese que não descarta. Para um ateu, Deus não existe. O ateu, por sua vez, crê na inexistência de Deus. É por isso um homem de fé, o ateu.

Quando o “Estado Islâmico” éramos nós

O nosso Estado foi construído contra o Castelhano e contra o Mouro, há quase 900 anos, na Idade Média. As práticas terroristas que hoje condenamos ao Estado Islâmico, e condenamos bem, também nós já as praticámos. Então, os bárbaros éramos nós. Pilhagens, cercos, razias, conquista de territórios à espadeirada, decapitações, eram o “pão nosso de cada dia”, a tal ponto que, perto delas, as atuais práticas terroristas do Estado Islâmico parecem ser coisa de crianças.

Fica um excerto do texto de Martin Page, A Primeira Aldeia Global, relativo ao cerco de cidade de Lisboa (1147), então cidade moura, pelos exércitos de D. Afonso Henriques, auxiliados por cruzados bretões, ingleses, normandos e alemães, entre outros:

«Escreveu no seu relato, o capelão dos cavaleiros normandos: “O ânimo dos nossos homens foi enormemente fortalecido para continuar a lutar contra o inimigo.” Um grupo de cavaleiros, que, entretanto, tinha ido fazer uma incursão a Sintra, acabava de regressar para junto dos seus companheiros de cerco, carregado com o produto das pilhagens.

Enquanto os bretões pescavam na margem sul do Tejo, um grupo de muçulmanos atacou, matando vários deles e fazendo cinco prisioneiros. Como represália, os ingleses organizaram um assalto à margem sul, à cidade de Almada, regressando nessa mesma tarde, com 200 prisioneiros muçulmanos e moçárabes e mais de 80 cabeças cortadas, o que, segundo então afirmaram, só lhes havia custado uma baixa. Empalaram as cabeças em lanças e agitaram-nas por cima das muralhas de Lisboa.

“Vieram ter com os nossos homens, suplicando-lhes que lhes dessem as cabeças que tinham sido cortadas”, acrescenta o capelão cronista. “Tendo-as recebido, voltaram para dentro das muralhas chorando a sua dor. Durante a noite, em quase todas as zonas da cidade, apenas se ouvia a voz da mágoa e o lamento da saudade. A audácia deste feito transformou-nos no pior terror para o inimigo.”»

Martin Page, A Primeira Aldeia Global, 6ª ed, Casa das Letras, 2010, pp. 87-88.

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Em suma, naquela altura os terroristas éramos nós. (Não estamos com isto a querer desculpar os imperdoáveis crimes do Estado Islâmico, mas factos são factos)

Hoje, o Estado Islâmico está a aplicar tácticas medievais de terror que os ocidentais então usavam sem qualquer pudor. Mas estamos no século XXI.

Naquele distante ano do século XII, a cidade sob cerco era Lisboa, hoje é Kobani.

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