quarta-feira, junho 10, 2015

Fogo Grego


Foi a grande aquisição na Feira do Livro deste ano. Já o tinha requisitado e lido na biblioteca municipal, mas vê-lo ali entre as pechinchas, novo, capa dura, primeira edição, ilustrada e a cores... Não resisti.

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Após o saque de Roma pelo visigodo Alarico, em 410, o século seguinte assistiu ao colapso do mundo romano clássico. O fogo da Grécia antiga tinha-se extinguido na metade ocidental da Europa. Está muito mais vivo em 1989 do que estava em 989.

Olivier Taplin, Fogo Grego, Gradiva. 1ª ed. 1990. pág. 16

Maersk Majestic


Cargueiros colossais sulcam os mares com tripulações mínimas. Os seus contentores empilhados acomodam mercadorias produzidas nas fábricas do mundo, quase todas na China.


Entre o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo, no canal do Suez.

domingo, maio 31, 2015

O eterno retorno: uma vez e outra chegaremos à luz

somos postos no mundo para uma existência subterrânea de luta; uma vez e outra chegaremos à luz, uma vez e outra experimentaremos a hora dourada da vitória – e depois erguer-nos-emos recém-nascidos, indestrutíveis, tensos e prontos para o que é novo, mais difícil, mais distante, como um arco que cada necessidade meramente estica mais.

Friedrich Nietzsche

Nietzsche, Friedrich, A Genealogia da Moral, Publicações Europa-América, 2002, pág. 51

sábado, maio 23, 2015

Trabalhos e escravidões

Pouco tempo tem havido para escrever nos Trabalhos e os Dias. Os trabalhos têm tomado conta dos dias. Os dias afogam-se em trabalhos que não nos deixam respirar. Qualquer fuga episódica ao trabalho está condenada ao fracasso. Pagam-se caras as fugas com o acumular dos trabalhos aquando do regresso.

São os tempos de uma ideologia para a qual o trabalho é um fim e não um meio. Esta fé incondicional no trabalho como um fim em si mesmo*, no papel da empresa e no crescimento económico como panaceias para a resolução dos problemas sociais é completamente equívoca. Se uma empresa puder realizar a sua produção com dois, não empregará quatro, nem que tenha de sobrecarregar os dois que emprega (Se tal lhe for permitido! E com estes que nos governam, diga-se de passagem, tudo lhes é permitido). Tão simples como isso. E se necessário fá-lo-ão só com um, sobrecarregando-o mais ainda e baixando-lhe o salário, que é um "custo de produção". As empresas não são a Santa Casa da Misericórdia nem a sua vocação é o combate aos problemas sociais. E assim vamos sendo conduzidos à servidão por uma ideologia marcada pela fé cega na Empresa, no empresário e no empreendedorismo que resvala para a exploração do Homem pelo Homem. Esta sim, é a estrada que conduz à servidão. Num extremo, lá está a velha memória da escravatura, as mulheres e crianças das minas de carvão ou nas fábricas inglesas, exploradas por patrões humanos, muito humanos.

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Alguns papagaios, comentadores do regime, afirmam por aí que o PSD não tem um programa e blá, blá, blá…e que já devia ter e blá, blá, blá… Como se precisasse. Ainda não perceberam ao fim de quatro anos o programa do PSD? Ele é austeridade, redução de funcionários públicos, redução de salários e de pensões, congelamento de carreiras, desestruturação do Estado, retirada do Estado da economia (como se fosse possível colocar o Estado num compartimento estanque, desligado da economia) e a transferência dos seus serviços para os privados (os mercados), as privatizações, a precariedade, etc., etc., etc. Claro que para realizar tudo isto é preciso criar um ambiente de desconfiança em relação aos serviços do Estado. E estes governantes desconfiam do Estado que governam e manifestam-no às claras. A empresa privada realiza melhor, acreditam eles. É o cúmulo.

E eis um dos resultados dantescos desta política: num dos países demograficamente mais velhos do mundo, os jovens foram, e ainda são, obrigados a emigrar em massa. Um desperdício de recursos humanos e dos esforços de uma sociedade que neles investiu, sendo agora outras as sociedades que colhem os frutos desse investimento. Há exemplo maior do que este acerca do que é um mau governo num período de paz?

Enfim, prosseguem os dias afogados em trabalhos. São os trabalhos e os dias dos tempos que correm.

É sábado. Vou trabalhar que o trabalho já se acumula.
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(*) Aos amantes do trabalho, fiquem sabendo: os nazis tinham a política de extermínio pelo trabalho, a Vernichtung durch Arbeit. O trabalho não era um fim em si mesmo. O trabalho era o fim. O trabalho liberta? Talvez, se não for excessivo, caso contrário, mata.

sábado, abril 11, 2015

Refuse! Resist!

     Nanning, China

Alguém se recusa obstinadamente a sair. Não aceita a compensação para o realojamento. A casa bloqueia a rua e a rua atropela a casa. A casa já lá estava. Temos aqui, evidentemente, um conflito entre o global e o local.

Algo mudou na China. No passado, ouvi dizer, não havia pejo em arrasar cidades só para que uma barragem ao serviço do interesse colectivo pudesse ser construída. O colectivo sobrepunha-se ao particular. E não se davam quaisquer compensações aos residentes que perdiam a casa e tinham de se mudar.

Hoje temos destas casas renitentes na China. "Nail houses" é o que lhes chamam - casas encravadas no "progresso".

O particular já tem os seus direitos, pelos vistos. Isso surpreende-me. Estamos a falar da China.

Contudo, talvez aqui se oponham dois particulares - o proprietário da nail house e o "empreendedor" construtor de "cidades", arauto do "progresso" global.

Um desbravador de mundos. Um construtor de mundos. Mundos de plástico, artificiais, diga-se de passagem. Neoliberal destruição criativa.

Referência: AQUI.

domingo, março 22, 2015

Cofres cheios, bolsos vazios.

Diz a nossa alegre, jocosa e ufana, Ministra das Finanças, que os cofres do Estado estão cheios.

Parabéns! Arrebatada proeza, a alcançada!

Os cofres estão cheios e os bolsos vazios.

E sempre as palavras de O'Neil a ressoarem-me na cabeça: ah, Portugal, Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!

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Vejo por aí um cartaz  com o dito "Acima de tudo, Portugal!" Portugal über alles! Pois claro.

Mas afinal o que é Portugal para esta gente?

Não deveria rezar o cartaz "Acima de tudo, os Portugueses!"? Vindo de quem vem, admirar-me-ia, se ousassem a tanto.

Está mais do que claro que para esta gente Portugal não são os portugueses.

Afinal Portugal tem os cofres cheios e os portugueses, a larga maioria, tem os bolsos vazios. 

domingo, fevereiro 08, 2015

Quem quer ver a Europa Continental a arder?

Victoria Nuland ao centro.
Estamos a assistir a uma competição diplomática curiosa relativamente ao conflito ucraniano: enquanto Hollande e Merkel tentam por todos os meios deitar água na fervura e realizam um derradeiro esforço para colocar frente a frente Putin e Poroshenko, em Minsk, os Estados Unidos e o Reino Unido, neste contexto, que exigiria mais recato, pelo menos enquanto se aguarda o desfecho do encontro, não hesitam em lançar gasolina na fogueira. Os seus secretários de Estado, homens de Estado e falcões, apressam-se logo a disparar na direcção da Rússia. Ululantes, ameaçam armar mais ainda a Ucrânia. Comportam-se como enfants terribles nesta história.

Nem a Alemanha nem a França, as potências continentais da Zona Euro, querem um conflito às suas portas. Têm interesses económicos no Leste da Europa, em particular a Alemanha, que está mais perto da frente de batalha. Já os EUA e os ingleses, não observam o conflito da mesma forma, nem, aparentemente, com a mesma preocupação. Os EUA chegam a aborrecer-se com a Velha Europa, hesitante, lenta e burocrática. Tentam passar por cima dela neste processo. Fuck the European Union, lá deixou escapar a Secretária de Estado Adjunta de Obama, Victoria Nuland, ao telefone. Face ao comportamento diplomático americano, parece que essa é a atitude reinante nos bastidores anglo-americanos. Parece que desejam ardentemente que deflagre um fogo maior na Europa Continental.

sábado, fevereiro 07, 2015

Mudança, mas que mudança?

Medo de arriscar. A prudência é a lei do bom-senso português.
José Gil*

Quarenta anos de “rotativismo” trouxeram-nos até aqui. Quarenta anos de “mudança”!

Alguns clamam agora, novamente, por mudança. Mas que mudança? Já estamos habituados resignados à tal mudança na continuidade e à tal continuidade na mudança. Na verdade, até aqui sempre houve quem prometesse mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. Houve até quem se limitasse a esperar na certeza de que um dia, só não sabia quando, dizia ele, haveria de ser primeiro-ministro. E não é que foi mesmo. Tal é a “mudança”. Vamos ouvir clamar muito por aí, por “mudança”, agora que as eleições se aproximam. “Mudança!”, reivindica-se uma vez mais.

A verdade é que Portugal é um país conservador, ou, por outras palavras, os portugueses são conservadores. Tão conservadores são que votaram num presidente que tem a “estabilidade” como um dos supremos valores do seu ideário. Tão conservadores que, passados tantos anos após o 25 de Abril, colocaram dois salazaristas nos mais altos cargos da nação. Cheira a caruncho por todo o lado. Na verdade foi sempre o medo de mudança que imperou. De mudança autêntica. O medo de existir.

Gritai agora! Clamai! Cantai agora o “Acordai!”

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PS - Porque agora é que é a hora! Ou será que adormecemos?

Mas diga-se de passagem: o que esperar do país com a sexta população mais idosa do mundo? Audácia? Desejo de mudança? Ou mais conservadorismo, imobilismo e medo? O que esperar de um país em que as elites rentistas, mais poderosas e detentoras do mais rico património já se ocuparam em expulsar os mais jovens e audazes para o exterior?

É mais do que certo: aqui, assistiremos à continuidade na mudança e à mudança na continuidade. Os que nos trouxeram até aqui vão continuar por aqui, a comandar os destinos da pátria, naquilo em que ainda comandam, se assim se pode falar, porque na realidade já muito lhes escapa.
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(*) José Gil, Portugal, Hoje: O Medo de Existir, 7ª ed., Relógio D’Água, 2005, pág.79

Não me diga?!


E não sabemos nós outra coisa?! Há anos! Há tanto tempo que já é uma verdade de La Palice.

Mas diga-nos Vossa Excelência: o que se propõe fazer quanto a isso?

É que proclamar evidências não é o suficiente para nos levar a bom porto.

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