segunda-feira, janeiro 11, 2016

Conrad

Joseph Conrad (1857-1924)

O mar veio ao nosso encontro, o mar imenso, sem caminhos e sem voz.

Joseph Conrad

Conrad navegou, decisivamente, nos mares do sul. Naqueles mares e latitudes das calmarias desesperantes. Dos doldrums da alma. Naqueles mares onde vagueiam perdidas as tempestades tropicais e os tufões, como criaturas que os varrem em busca de navios igualmente perdidos. Foi um dos raros escritores marinheiros. Um desbravador de horizontes, de povos, de homens e de mentes. Um homem de espírito aberto e olhar perscrutador, como todos os marinheiros que já navegaram sob diversos céus e testemunharam as várias intensidades da luz, em todas as latitudes. Com certeza vivenciou muito daquilo que nos conta. E para o distante Sul consegue transportar-nos. Para lá dos limites da sombra, para lá do equador. Mesmo que estejamos numa sala abrigada ou na solidão de um quarto fechado.

Conrad é um pintor de paisagens e de almas – do pânico à quietude, dos tétricos suores frios às sezões das terras quentes. Mas os seus quadros exigem um certo afastamento físico para que se tenha toda a percepção da cena pintada, como certos quadros impressionistas.

Na tripulação de uma escuna ancorada frente a uma baía, numa ilha tropical, alguém tange uma guitarra que soa no ar parado, quente e húmido dos trópicos. Alguém tange uma guitarra, atente-se, não a toca, tange-a (um escritor medíocre não possui este domínio da palavra nem do verbo. Um escritor medíocre diria, “toca guitarra”). E Karain, o rajá psicótico, surge no tombadilho ladeado pela sua escolta de guerreiros malaios e pelo velho portador do amuleto, afugentador de espíritos, que o acompanha sempre, para onde quer que vá, cabisbaixo e de olhos postos no chão.

Inesperadamente, o céu turva-se. Então cai uma chuva plúmbea, copiosa, quente e tropical.

A detonação isolada de um trovão ribombou no vazio com uma violência que parecia capaz de abalar o círculo das colinas e um dilúvio quente desprendeu-se dos céus. O vento amainou. Dentro da cabina fechada, suávamos; as nossas faces escorriam; lá fora, a baía espumava como se fervesse; a chuva caía na perpendicular, pesada como chumbo; varria o tombadilho, vazava do massame, golfava, soluçava, esparrinhava, murmurava na noite cega. O candeeiro ardia com dificuldade. Hollis, de tronco nu, jazia escondido sobre o albóio de acesso ao paiol inferior, de olhos fechados e imóvel como um cadáver despojado; à sua cabeça, Jackson tangia a guitarra e arfava uma endecha de amores sem esperança e olhos como estrelas.

Joseph Conrad, “Karain: uma recordação” in Histórias Inquietas, Assírio & Alvim, 2010, pág. 28


domingo, janeiro 10, 2016

Deus fantástico

Deus, inventado gradualmente, é talvez a maior obra de literatura fantástica.

Harold Bloom

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, 5ª ed., Círculo de Leitores, 2013, pág.464.

quinta-feira, janeiro 07, 2016

sábado, janeiro 02, 2016

O "pragmatismo"

No Conselho da Diáspora Portuguesa, Cavaco Silva sublinhou que o pragmatismo tem dominado as decisões dos governos da União Europeia face a uma realidade que se impõe às governações ideológicas. Na verdade trata-se de uma realidade que se impõe à própria democracia. O “pragmatismo” de que fala o presidente faz lembrar o do presidente Benes que, em 1938, para poupar o seu povo à guerra e ao sofrimento, foi forçado a ser pragmático ao ter de abrir as fronteiras da Checoslováquia à invasão dos nazis.

O “pragmatismo” de que fala Cavaco Silva é a única escolha que resta aos governos da União Europeia face ao poder avassalador dos mercados. E ai do governo que rejeite esse “pragmatismo”. Será forçado a ser "pragmático". Até os mais rebeldes, como o governo grego liderado por Tsipras, tiveram de atalhar caminho, aprendendo rapidamente a serem “pragmáticos”. Hoje a democracia na Europa está ferida. Às democracias europeias e aos povos da Europa resta apenas o “pragmatismo” da ideologia do mercado, o único caminho, a única via, a única alternativa. Outros poderes se erguem já, na determinação do destino dos povos, que não obedecem à sua livre escolha democrática. Poderes que alguns divinizam, mas que estão longe de ser divinos.

terça-feira, dezembro 29, 2015

As cidades são os cidadãos

Escrevo da invicta cidade do Porto acerca da defunta cidade de Ramadi, no Iraque.

Os ecrãs de televisão mostram-nos soldados vitoriosos a festejar a conquista da outrora cidade. Restam agora apenas os escombros. Nenhum cidadão ficou para acolher de braços abertos os libertadores. Nem mulheres, crianças ou flores. As cidades são os cidadãos.

Ali existiu uma cidade.

sábado, dezembro 26, 2015

O pesadelo do Natal

Tornou-se uma orgia consumista.

Um pesadelo.

sexta-feira, dezembro 25, 2015

Boas Festas

Rafael, Nossa Senhora com o Livro, 1504

terça-feira, dezembro 22, 2015

Para mal dos nossos pecados

«A ciência pode explicar o que existe no mundo, como funcionam as coisas e o que o futuro poderá reservar-nos. Por definição, não tem pretensões a saber como deverá ser o futuro. Apenas as religiões e as ideologias procuram responder a essas perguntas.»

Yuval Harari

Para mal dos nossos pecados. 

segunda-feira, dezembro 21, 2015

E ninguém vai preso?


É realmente, maravilhoso. Um maravilhoso novo mundo, este o dos buracos em que vivemos. Outro buraco para o contribuinte, esse irresponsável, pagar.

Cada vez apetece mais pagar impostos. Que maravilha! Em vez das receitas fiscais servirem para construir escolas, hospitais, tribunais, enfim, para desenvolverem o país; em vez das receitas fiscais servirem para apoiar cidadãos em tempos de infortúnio e doença, pobreza ou desemprego, em vez disso, servem para resgatar bancos ou para pagar os desvarios do capital financeiro. Estão de parabéns os que nos governam e governaram. E o sr. governador do Banco de Portugal também. Se o PSD ainda não percebeu por que razão a sua vitória foi uma derrota, então ainda não percebeu nada. E o PS parece não ter percebido também a débâcle do "socialismo" por toda a Europa, e por que razão caiu, e vai continuar a cair.

Mais de 2 000 milhões para o contribuinte pagar. Prepara-se já o teatrinho  circo das comissões  (devo dizer comichões?) parlamentares. Procuram-se responsáveis políticos quando as responsabilidades são criminais e criminosas. Há gente à solta que merecia estar atrás das grades.

Que nojo! Que asco isto me dá!

Etiquetas