sábado, janeiro 23, 2016

domingo, janeiro 17, 2016

Na taberna


Jan Steen, Revelry at an Inn,1674

Quando estamos na taberna

Bebem dama e cavalheiro,
bebe o clérigo e a senhora
bebe este e bebe aquela
bebe o servo com a criada,
bebe o lesto e bebe o madraço,
bebe o branco e bebe o negro,
bebe o pronto e o hesitante,
bebe o douto e o ignorante,
bebe o pobre e o doente,
bebe o desterrado e o ingrato,
bebe o jovem e o ancião,
bebem bispo e deão,
bebem a freira com o frade
bebe avó e bebe mãe
bebe esta e bebe este,
bebem cem, mil e o resto.
Duram pouco seis moedas,
quando bebes sem igual
bebem todos sem meta
bebe só a alma alegre.
Sendo assim és amaldiçoado
E não te oferecem uma gotinha.
Quem não nos ama maldito seja
E não seja recordado.


Carmina Burana (Séc. XIII),

in Umberto Eco, A Vertigem das Listas, Difel, 2009, pág. 140


José Malhoa, Festejando o São Martinho, 1907

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Dias de tempestade

Aivazovsky, Navio no Mar Tempestuoso, 1887

Um furacão varre os mares dos Açores. Raro fenómeno em Janeiro. Os homens encerram-se nos seus lares. Neptuno está zangado. O mar espumoso eriça-se aos terríveis rugidos do vento e a chuva dança uma dança do Diabo. Rodopia, cai, tomba em todas as direcções.

quarta-feira, janeiro 13, 2016

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† 10/01/2016

Daqui

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Conrad

Joseph Conrad (1857-1924)

O mar veio ao nosso encontro, o mar imenso, sem caminhos e sem voz.

Joseph Conrad

Conrad navegou, decisivamente, nos mares do sul. Naqueles mares e latitudes das calmarias desesperantes. Dos doldrums da alma. Naqueles mares onde vagueiam perdidas as tempestades tropicais e os tufões, como criaturas que os varrem em busca de navios igualmente perdidos. Foi um dos raros escritores marinheiros. Um desbravador de horizontes, de povos, de homens e de mentes. Um homem de espírito aberto e olhar perscrutador, como todos os marinheiros que já navegaram sob diversos céus e testemunharam as várias intensidades da luz, em todas as latitudes. Com certeza vivenciou muito daquilo que nos conta. E para o distante Sul consegue transportar-nos. Para lá dos limites da sombra, para lá do equador. Mesmo que estejamos numa sala abrigada ou na solidão de um quarto fechado.

Conrad é um pintor de paisagens e de almas – do pânico à quietude, dos tétricos suores frios às sezões das terras quentes. Mas os seus quadros exigem um certo afastamento físico para que se tenha toda a percepção da cena pintada, como certos quadros impressionistas.

Na tripulação de uma escuna ancorada frente a uma baía, numa ilha tropical, alguém tange uma guitarra que soa no ar parado, quente e húmido dos trópicos. Alguém tange uma guitarra, atente-se, não a toca, tange-a (um escritor medíocre não possui este domínio da palavra nem do verbo. Um escritor medíocre diria, “toca guitarra”). E Karain, o rajá psicótico, surge no tombadilho ladeado pela sua escolta de guerreiros malaios e pelo velho portador do amuleto, afugentador de espíritos, que o acompanha sempre, para onde quer que vá, cabisbaixo e de olhos postos no chão.

Inesperadamente, o céu turva-se. Então cai uma chuva plúmbea, copiosa, quente e tropical.

A detonação isolada de um trovão ribombou no vazio com uma violência que parecia capaz de abalar o círculo das colinas e um dilúvio quente desprendeu-se dos céus. O vento amainou. Dentro da cabina fechada, suávamos; as nossas faces escorriam; lá fora, a baía espumava como se fervesse; a chuva caía na perpendicular, pesada como chumbo; varria o tombadilho, vazava do massame, golfava, soluçava, esparrinhava, murmurava na noite cega. O candeeiro ardia com dificuldade. Hollis, de tronco nu, jazia escondido sobre o albóio de acesso ao paiol inferior, de olhos fechados e imóvel como um cadáver despojado; à sua cabeça, Jackson tangia a guitarra e arfava uma endecha de amores sem esperança e olhos como estrelas.

Joseph Conrad, “Karain: uma recordação” in Histórias Inquietas, Assírio & Alvim, 2010, pág. 28


domingo, janeiro 10, 2016

Deus fantástico

Deus, inventado gradualmente, é talvez a maior obra de literatura fantástica.

Harold Bloom

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, 5ª ed., Círculo de Leitores, 2013, pág.464.

quinta-feira, janeiro 07, 2016

sábado, janeiro 02, 2016

O "pragmatismo"

No Conselho da Diáspora Portuguesa, Cavaco Silva sublinhou que o pragmatismo tem dominado as decisões dos governos da União Europeia face a uma realidade que se impõe às governações ideológicas. Na verdade trata-se de uma realidade que se impõe à própria democracia. O “pragmatismo” de que fala o presidente faz lembrar o do presidente Benes que, em 1938, para poupar o seu povo à guerra e ao sofrimento, foi forçado a ser pragmático ao ter de abrir as fronteiras da Checoslováquia à invasão dos nazis.

O “pragmatismo” de que fala Cavaco Silva é a única escolha que resta aos governos da União Europeia face ao poder avassalador dos mercados. E ai do governo que rejeite esse “pragmatismo”. Será forçado a ser "pragmático". Até os mais rebeldes, como o governo grego liderado por Tsipras, tiveram de atalhar caminho, aprendendo rapidamente a serem “pragmáticos”. Hoje a democracia na Europa está ferida. Às democracias europeias e aos povos da Europa resta apenas o “pragmatismo” da ideologia do mercado, o único caminho, a única via, a única alternativa. Outros poderes se erguem já, na determinação do destino dos povos, que não obedecem à sua livre escolha democrática. Poderes que alguns divinizam, mas que estão longe de ser divinos.

terça-feira, dezembro 29, 2015

As cidades são os cidadãos

Escrevo da invicta cidade do Porto acerca da defunta cidade de Ramadi, no Iraque.

Os ecrãs de televisão mostram-nos soldados vitoriosos a festejar a conquista da outrora cidade. Restam agora apenas os escombros. Nenhum cidadão ficou para acolher de braços abertos os libertadores. Nem mulheres, crianças ou flores. As cidades são os cidadãos.

Ali existiu uma cidade.

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