domingo, outubro 08, 2017

Ainda a questão do separatismo em Espanha

A questão do separatismo em Espanha é quase tão velha como a própria Espanha. Os seus períodos mais virulentos ocorrem quando falta cimento agregador ao projecto espanhol. O fornecimento desse cimento é da responsabilidade do Poder central. Quando enfraquece nesse seu papel mobilizador, estala o verniz dos separatismos, exactamente naquelas periferias onde a força centrífuga é maior.

É o velho jogo de equilíbrio entre forças centrípetas e forças centrífugas que deve promover o Poder central. Quando falha nesse papel, porque também ele por vezes se distancia, então enfraquece a coesão de todo o conjunto de comunidades e províncias.

E assim, pontualmente, os separatismos vão emergindo, umas vezes mais, outras menos, na história da Espanha ou das espanhas (como insinuou uma vez Michel Drain, na sua pequena Geografia da Península Ibérica: a Espanha são as espanhas). 

sábado, outubro 07, 2017

Lo que ha pasado en España

Las grandes naciones no se han hecho desde dentro, sino desde fuera: sólo una acertada política internacional, política de magnas empresas, hace posible una fecunda política interior, qui es siempre, a la postre, política de poco calado.  

Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 40



En 1900 se empieza a oír el rumor de regionalismos, nacionalismos, separatismos…Es el triste espectáculo de um larguíssimo multissecular otoño, laborado periódicamente por ráfagas adversas que arrancan del inválido ramage enjambres de hojas caducas.

El processo incorporativo consistia en una faena de totalización: grupos sociales que eran todos aparte quedaban integrados como parte de un todo. La desintegración es el suceso inverso: las partes del todo comienzan a vivir como todos aparte. A este fenómeno de la vida histórica llamo particularismo y si alguien me perguntase cual es el carácter más profundo y más grave de la actualidad española, yo contestaría con esa palabra.

Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 47

La esencia del particularismo es que cada grupo deja de sentirse a sí mesmo como parte, y en consequencia deja de compartir los sentimentos de los demás. No le importa las esperanzas o necesidades de los otros y no se solidarizará con ellos para auxiliarlos en su afán.

Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 48

El propósito de este ensayo es corrigir la desviación en la puntería del pensamiento político al uso, que busca el mal radical del catalanismo y bizcaitarrismo en Cataluña y em Vizcaya, cuando no es allí donde se encuentra. ¿Dónde, pues?
Para mim esto no ofrece duda: cuando una sociedad se consume víctima del particularismo, puede siempre afirmarse que el primero en mostrarse particularista fue precisamente el Poder central. Y esto es lo que ha pasado en España.

Ortega y Gasset, España Invertebrada, 1921, pág. 49

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O ressurgir dos particularismos regionais prende-se com o primeiro de todos os particularismos, o do Poder central. A este poder falta perícia para desencantar a magna empresa, ou se quisermos, o grande desígnio mobilizador, necessário para que se mantenham unidos os povos das espanhas. Mas hoje o quadro é diferente do de 1900. A Espanha, ou o conjunto das espanhas, se quisermos, integra-se num projecto maior que se quer agregador à escala internacional – o do aprofundamento da integração europeia no quadro da U.E.. O falhanço do Poder central espanhol em demandar uma empresa agregadora prende-se também com o falhanço da União Europeia em afirmar-se como projecto agregador de povos, regiões e países. A União Europeia, através dos seus órgãos, aliás, sublinha mais ainda a sua fraqueza ao não assumir rapidamente uma posição cristalina em relação à questão catalã ou a qualquer questão separatista que envolva a desintegração de um dos seus Estados-membros. Se a Catalunha repudia a Espanha, então repudia a União Europeia – esta deveria ser a posição da União Europeia. Se a Catalunha sai de Espanha, então sai da União Europeia, e, se quiser pertencer à União Europeia, então só deveria integrar-se nela com a anuência unânime dos seus Estados-membros, incluindo a Espanha - esta deveria ser a posição da União Europeia, que assim se afirmaria enquanto projecto agregador de povos e não, enquanto projecto desagregador dos seus Estados-membros.

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Referência: 

José Ortega Y Gasset, España invertebrada; La deshumanización del arte (Colección Grandes Pensadores Españoles), Editorial Planeta Agostini, 2010. 

domingo, setembro 10, 2017

Terra marciana

  Ponta de São Lourenço (Madeira)                                          (C) AMCD

sábado, setembro 02, 2017

Quando o Inverno chegar


Público, aqui, 1 de Setembro de 2017

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Continuamos a sacrificar o futuro pelo presente. Quem vier a seguir que pague a conta. E assim o capital vai fazendo a sua incursão nesse território que é o futuro (o capital precisa sempre de novos campos para alimentar a sua sede ilimitada de acumulação e por isso se expande no espaço e no tempo). Assim, no futuro não teremos nem território, nem soberania. Seremos escravos de credores. Outros governos terão pretextos para políticas austeras, medidas draconianas e aumentos colossais de impostos. Seremos novamente um protectorado sujeito aos ditames de funcionários de um império sem rosto. Outras troikas virão. Governar como hoje se governa, contraindo dívida, é fácil, pois o custo das decisões é sempre enviado para o futuro. É uma governação de cigarras. Depois não se queixem, quando o Inverno chegar.



quinta-feira, agosto 24, 2017

terça-feira, agosto 22, 2017

Black Hole Sun

Ponte Ravenel em Charleston, Carolina do Sul

sábado, agosto 19, 2017

Do racismo, da intolerância e do medo perante o desconhecido

A intolerância, sugere [Umberto] Eco, «chega antes de qualquer doutrina. Assim, a intolerância possui uma raiz biológica, manifesta-se no reino animal sob a forma de territorialidade, baseia-se em reacções emocionais que são, frequentemente, superficiais – não conseguimos suportar aqueles que são diferentes de nós, por a sua pele ser de outra cor; por falarem numa língua que não compreendemos; por comerem sapos, cães, macacos, porcos ou alho; por fazerem tatuagens…»  

Umberto Eco citado por Zygmunt Bauman, “Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017, pág. 38

"No one is born hating another person because of the color of his skin or his background or his religion..."

Nelson Mandela citado por Barack Obama no Twitter a 13 de Agosto, em reacção aos confrontos e agressões de Charlottesville entre supremacistas brancos e manifestantes anti-racismo. @BarackObama

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O racismo não é inato, como dizia Mandela, o que faz dele uma questão cultural. O racismo encontra, no entanto, solo fértil nesse sentimento de intolerância com raízes biológicas, a que se refere Eco, e que cada um de nós sente de forma primária e superficial. Há quem explore esse medo perante o desconhecido, essa intolerância, para incutir no outro a doutrina que proclama a superioridade racial de uns em relação aos outros. Saber que o racismo tem raízes em reacções emocionais superficiais é meio caminho andado para erradicá-lo. Os demagogos porém, como refere Bauman, exploram esse medo perante o desconhecido para expandirem ideologias de ódio:

Os demagogos fundamentalistas, integralistas, racistas e etnicamente chauvinistas podem, e precisam de, ser acusados de alimentar uma «intolerância rudimentar» pré-existente e de com ela lucrar, propagando, assim, as suas reverberações e exacerbado a sua morbidez – mas não podem ser acusados de causar o fenómeno da intolerância.

Onde procurar, então, a origem e a força motriz desse fenómeno? Esta última, a meu ver, será o medo perante o desconhecido – de que os «estranhos» ou «forasteiros» (por definição insuficientemente conhecidos, muito menos compreendidos, e praticamente imprevisíveis nas suas condutas e reacções face às nossas próprias jogadas) são o símbolo mais proeminente, o mais tangível, porque próximo e notório.

Zygmunt Bauman, “Sintomas em busca de um objecto e de um nome” in O Grande Retrocesso, Objectiva, 2017, pág. 39.


Curiosamente esse medo perante o desconhecido também tem sido ao longo da história explorado para fins de gestação e propagação religiosa, estando na raiz das religiões que dividem os seres humanos em diferentes credos. O medo perante o desconhecido é hoje ainda mais dramático, pois o contexto social e económico em que vivemos aponta no sentido da individualização do individualismo, da quebra dos laços comunitários e sociais e atomização, em que cada indivíduo se apresenta aos olhos do outro, cada vez mais, como um elemento estranho e suspeito, alguém que pode ou não encerrar todos os males do mundo (é uma incerteza, um risco), como uma caixa de Pandora, ou um terrorista. E a questão torna-se ainda mais paradoxal quando vivemos na era da omnipresença informacional. Cada vez mais informados mas desamparados perante o desconhecido à nossa porta, na nossa rua, ao nosso lado.

segunda-feira, agosto 14, 2017

"Trump" ad nauseam

Há quem se questione, perplexo, acerca das razões que levaram Trump a vencer as eleições americanas. Como foi possível? Há quem responda, mas a questão volta continuamente a ser colocada, o que prova que as respostas nunca chegam a ser conclusivas ou cabais. A perplexidade ainda persiste em muitos círculos de opinion makers que falam nas cadeias noticiosas mundiais (CNN, BBC, Sky News, etc.). Há quem considere Trump genial por conseguir ser notícia o tempo todo. Propositadamente ou não, ele tem a capacidade de ser notícia a um ritmo horário contínuo. O seu nome é pronunciado dezenas de vezes por hora, para não dizer centenas, em canais noticiosos como a CNN. Experimente o leitor ligar esse canal a qualquer sinal horário, quando vão para o ar as highlights. Era assim há um ano quando a campanha eleitoral americana estava no auge e os pivots da CNN lhe moviam um ataque cerrado, mas também é assim agora. O seu nome é matraqueado a todo o momento. "Trump" ad nauseam. "Trump" no prime time. Trump, a obsessão da CNN. Inadvertidamente o canal televisivo tornou-se o maior anunciador publicitário da marca "Trump" ainda que a maioria das notícias sobre ele não o favoreçam. Ainda assim publicitam-no. Ironicamente aparecem depois os opinion makers no mesmo canal a questionarem-se espantados acerca das razões que levaram Trump à vitória.


Não terá o facto de o canal manter a marca “Trump” no ar o tempo todo exercido um efeito em muitos telespectadores acríticos, da mesma forma que a publicidade repetitiva o faz relativamente a uma determinada marca de um produto que se quer vender?

sexta-feira, agosto 11, 2017

Nestas férias estou a ler…

…romances de cavalaria.


Quem diria que uma pechincha (custou apenas 2€ na livraria da Europa-América) daria um tão grande prazer de leitura. O livro da Europa-América está muito bem traduzido embora tenha algumas gralhas. Trata-se, no entanto, de uma edição de 1981. 

…ensaios de política e economia.


Gostei de ler acerca das origens do neoliberalismo, da incompatibilidade entre integração económica profunda, soberania nacional e política democrática ("a democracia, a soberania política e a integração económica global são mutuamente incompatíveis; entre as três é preciso escolher duas") e a desmercadorização do bem-estar...Mas existem muitos ensaios por ler. A leitura continua. 


A Segunda Guerra Mundial (a perspectiva inglesa).



É uma perspectiva inglesa com certeza. Com Martin Gilbert os ingleses saem sempre bem na fotografia. Mas é uma leitura interessante.

E falta a poesia. Mas as férias ainda não acabaram.

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