Só uma vida de luxo pode dar extrema atenção ao desnecessário.
Gonçalo M. Tavares
Só uma vida de luxo pode dar extrema atenção ao desnecessário.
Gonçalo M. Tavares
“Analisar o que se passa nos comportamentos dos mais jovens
dá-nos a medida do fracasso do presente. É uma geração de direitos que esqueceu
os deveres, apta para as tecnologias e inapta para o resto, hiper-sensível, egoísta,
que exige mas não dá. É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada,
que se quebra à mínima contrariedade, sempre conectada a terminais de
informação e diversão, mas desligada do que importa e incapaz de distinguir o
essencial do irrelevante.
Excesso de população, a miséria, a pobreza, as injustiças
sociais (por exemplo 63 pessoas detêm mais riqueza que 50% da população
mundial), guerras permanentes, precariedade dos recursos naturais, aumento das
doenças mentais e problemas ecológicos são secundários e mero joguete político.
São outros os temas principais da sociedade ocidental: os pelos nas axilas da
filha da cantora Madonna, o novo estatuto jurídico dos animais como membros da
família, homens grávidos, proibição de livros que fazem distinção entre
raparigas e rapazes, negação das diferenças entre masculino e feminino, etc.
O ruído dos debates pós-modernos distrai-nos do essencial e
potencia grandes negócios. No sistema capitalista democrático, a bandeira da
emancipação foi transformada no principal veículo da publicidade e do consumo.”
João Maurício Brás, O Mundo às Avessas: o Manicómio
Contemporâneo, Opera Omnia, 2018, pág. 16.
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Inversões: direitos sem deveres. O acessório tomou o lugar do
essencial. O que era elevado rebaixou-se e o que era baixo, elevou-se. Inversão
de valores, desorientação, alucinação, eis onde estamos. A educação já não é a paideia.
O ensino empacota-se e vende-se, em particular na universidade. A universidade
já não é a Universidade. É toda uma indústria.
Andamos distraídos como sonâmbulos, aos grandes movimentos
do mundo. Entregues aos opiáceos da publicidade e do consumo e aos bufões das
televisões – curiosamente cada canal tem o seu, saltaricando nos programas da
manhã - enredados nas insignificâncias da espuma dos dias.
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“É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada,
que se quebra à mínima contrariedade” diz João Brás. São a “geração mais bem preparada de sempre” refere uma campanha publicitária da SIC. Uma bajulação que
esconde uma ironia.
É a geração mais mal preparada de sempre. Mas como em todas
as gerações, a vida vai tratar dela, mais cedo ou mais tarde.
Juliette Gréco (1923-2020)
A minha humilde homenagem, antes que passe mais um dia.
Uma das melhores senão a melhor cantora francesa de sempre.
Até sempre.
Não tardou muito e apareceram logo os sabujos e os lacaios do patronato aflito, nos jornais habituais, a opinar sobre a necessidade de se sair para a rua mesmo em tempo de pandemia, que a saúde de pouco valia face aos mais altos valores da economia.
Ainda crocitam por aí.
O riso daquela mulher assemelhava-se ao crocitar de uma ave de carniça. Era um corvo que ria na praia um riso galhofeiro, boçal, à passagem de um barrigudo emproado que pelas narinas sorvia o ar fresco da tarde. Caminhava bamboleando-se pela beira do mar. Ao longe o horizonte do mundo, alheio e esquecido, amigo íntimo do mar profundo.
As mentes não se conquistam pela força, mas pelo amor e pela elevação espiritual.
Baruch Espinosa, Ética,
1677
(citado em por Ann Druyan, Cosmos: Mundos Possíveis, Gradiva, 2020)
Reflicto na sua frase e constato
que nos nossos tempos já não se aplica.
Se não, então como justificar a ascensão de Trump, de Bolsonaro ou de Duterte,
assim como de outros ignorantes, aos lugares cimeiros da governação das respectivas
nações? Como conquistaram eles as mentes dos homens? Com amor? Com elevação
espiritual? Não me parece. Outros valores pesam mais hoje na conquista das
mentes. Ou as mentes são outras. Mentes maleáveis e empobrecidas pela
deseducação metralhada dos mass media, do marketing e da
propaganda. Mentes acríticas, incapazes de formular uma sábia avaliação.
Mentes que votam sem saber distinguir a forma do conteúdo. Mentes que formam
maiorias eleitorais expressivas.
O amor e a elevação espiritual
perderam valor nos nossos dias. Parecem já não contar na batalha pelas mentes. A boçalidade triunfa.
Basta ver como até na academia, particularmente nas
ciências sociais e humanas, o conhecimento é ativismo e ignorância. Os estudos
culturais, de género, pós-colonialismos, literaturas disto e daquilo, estudos críticos
e mesmo algumas derivas mais loucas e disparatadas que tanto podem ser estudos homossexuais,
guionismo pós-pornografias, seminários de masturbação feminina como promoção da
diversidade, os mais de cem géneros, as monomanias libertistas, a afro-matemática,
as denúncias sobre geografia machista, seriam apenas hilariantes, se não fossem
levadas a sério.