«O que parece ser novo neste domínio [da globalização da economia] é o aumento exponencial da exportação da cultura de massas produzida no
centro para a periferia e com ela das “estruturas de preferências” pelos
objectos de consumo ocidental. Está-se a criar assim uma ideologia global consumista que se propaga com relativa
independência em relação às práticas concretas de consumo de que continuam
arredadas as grandes massas populacionais da periferia. Estas estão duplamente
vitimizadas por este dispositivo ideológico: pela privação do consumo efectivo e pelo aprisionamento do desejo de o ter. Pior do que reduzir o
desejo ao consumo é reduzir o consumo ao desejo do consumo.
Esta dupla vitimização é também uma dupla
armadilha. Por um lado, nem o desenvolvimento desigual do capitalismo, nem os
limites do eco-sistema planetário permitem a generalização a toda a população
mundial dos padrões de consumo que são típicos dos países centrais.»
Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 9ª
ed., Almedina, 2013, Pág. 269
(os sublinhados são nossos)
Dizia bem Boaventura de Sousa Santos, que “as grandes massas populacionais da periferia” estavam “arredadas”
das práticas de consumo vigentes no centro, mas não da publicidade suscitadora
de novos desejos e de insuspeitas "necessidades", individuais e colectivas. Pois
bem, essa realidade, que já muda, irá alterar-se rápida e profundamente.
A China ao decidir aprofundar mais a sua política económica no sentido de “mais
mercado e menos Estado”, alargando-a ao seu mercado interno, abraça definitivamente a biopolítica. Mais mercado,
mais consumo interno, mais população (a China vai relaxar a sua política demográfica antinatalista), mais consumidores, mais contribuintes -
esses novos escravos a formar… Mas também, mais poluição, mais consumo de
energia, mais consumo de recursos naturais, mais ameaça à biodiversidade, mais,
mais, mais… Se enriquecer era glorioso, é agora o consumo que passa a sê-lo. E
assim se vai imiscuindo o deus mercado, insidiosamente, em todas as esferas da
vida (e da Vida).
O mercado é o fetiche da China,
esse país mutante. Comunista e capitalista, neoliberal e consumista.