Para Bauman o progresso das
sociedades e das épocas oscila como um pêndulo, não sendo unidireccional (evitaria
ele, dessa forma, a antiga visão cíclica das coisas? A Roda da Fortuna?). Os
estímulos e as energias subjacentes que movem a sociedade e a forma como esta
se organiza politicamente e progride, são por um lado o desejo de mais liberdade
e por outro, o desejo de mais segurança (tal como um
trade off entre liberdade e segurança). Por vezes viveríamos sob o
domínio da liberdade, por outras viveríamos sob o domínio da ordem “coercivamente
imposta”, mas almejada. Os efeitos dos excessos de liberdade empurrariam as
sociedades em direcção à procura da ordem, e os excessos da ordem “coercivamente
imposta” levariam à fuga das sociedades em busca da liberdade. E
assim constrói Bauman a sua dinâmica evolutiva das sociedades modernas. Entre a
liberdade e o totalitarismo.
Para dizer a verdade, e curiosamente,
o autor não coloca como motor do progresso social estímulos positivos como o
desejo de obter algo – o desejo de obter liberdade, ou o desejo de obter
segurança. Apresenta antes como energia maior para a evolução social dois
estímulos negativos: o ódio e o medo. É certo que o medo paralisa, mas o medo também
pode fazer correr. E assim correm as sociedades: ao sentir do medo.
Com base neste "modelo", Bauman,
acaba por dividir o progresso histórico ocidental das sociedades, nas seguintes
épocas:
Do final do século XIX ao início
dos anos 30 – “Longa marcha para a liberdade”: diz ele que nessa época, “no final do século XIX as bibliotecas
estavam lotadas de estudos eruditos escritos pelos Fukuyama de então,
representando a história como uma longa marcha rumo à liberdade” (Bauman
& Bordoni: 2016: pág. 87). A Iª Grande Guerra teria resultado de um excesso
de liberdade e o seu prelúdio foram os árduos anos que se lhe seguiram até à
Grande Depressão.
Dos anos 30 a meados dos anos 70 –
foram os anos do ódio e do medo da liberdade. As sociedades passaram a almejar
a ordem, e foram de tocha na mão atrás dos ditadores e do totalitarismo. Após a
IIª Guerra Mundial, é que advieram os trinta gloriosos anos (aproximadamente
entre 1945 e 1975): “Não obstante, os
sonhos de menos caos e mais ordem só sobreviveram ao seu prelúdio totalitário
durante os «trinta gloriosos anos» de guerra declarada contra a miséria, o medo
e a privação humana, sob as bandeiras do «Estado Social»”(Bauman &
Bordoni: 2016: pág. 87-88), que não deixa de ser um Estado ordenador, portanto.
De meados dos anos 70 ao final da
primeira década do século XXI – voltou agora a ser a procura de liberdade o
motor do progresso social, parecendo a civilização ter esquecido os efeitos dos
excessos da liberdade. Resultado: caiu na orgia consumista, na degradação
ambiental e na crise do crédito, que tão bem conhecemos em 2008 e anos
seguintes. E depois o pêndulo volta a balançar. E para onde penderá ele agora?
Aqui Bauman é profético, atendendo a que o seu escrito data de 2014:
“Estaremos a aproximar-nos, pela segunda vez na história recente, de uma
condição madura para ser explorada por demagogos que sejam suficientemente ocos,
iludidos e arrogantes para prometerem um atalho para a felicidade; e para traçarem
um caminho de volta ao paraíso da segurança perdida, na condição de
renunciarmos às liberdades que já são odiadas e muito mal recebidas pelos seus
possuidores, e assim também à nossa autodeterminação e à afirmação dos nossos
direitos?” (Bauman & Bordoni: 2016: pág. 89)
Zygmunt Bauman, 2014
Volto a repetir:
“Demagogos que sejam suficientemente ocos, iludidos e arrogantes para
prometerem um atalho para a felicidade; e para traçarem um caminho de volta ao paraíso
da segurança perdida, na condição de renunciarmos às liberdades que já são
odiadas e muito mal recebidas pelos seus possuidores?”
Isto lembra alguma coisa.
Leio Trump, leio Farage, leio Le
Pen, leio Putin, leio Erdogan. Leio outro mundo e outra Era que se avizinha,
agora sob a sombra do ódio e do medo à liberdade. Leio uma nova entrega a
uma outra ordem, que os ilusionistas nos prometem, segura e murada.
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Referência: Bauman, Zygmunt; Bordoni, Carlo, Estado de Crise, Relógio D’Água, 2016.