quarta-feira, março 09, 2011

Lampedusa


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Adenda
Dirão: não é Lampedusa, é um barco cheio de imigrantes clandestinos. Lampedusa é uma pequena ilha no meio do mar Mediterrâneo.
Não, direi eu! Lampedusa é um barco cheio de imigrantes clandestinos (ou refugiados se quiserem), no meio do mar Mediterrâneo.
Esta fotografia é, toda ela, uma metáfora.

terça-feira, março 08, 2011

A “deolindalização” de uma geração ou Da dificuldade dos recém-licenciados em arranjarem emprego

Há uns anos atrás, o então Ministro da Educação, David Justino, avisou que as portas do Ensino iriam fechar-se. Avisou que haviam demasiados professores e que era preciso reduzir o número de entradas nessa profissão. Posteriormente, Sócrates prossegue nessa via, tentando limitar ao máximo o acesso à profissão por novos candidatos, chegando a introduzir mecanismos de barragem à entrada da carreira de professor, como a prestação de provas escritas selectivas, e desincentivos, como a retirada da remuneração aos grupos de estágio profissionalizante nas escolas. Simultaneamente, promovia-se a política baseada no princípio de “por cada duas saídas da função pública, apenas uma entrada”. Os sinais estavam portanto aí para quem os quisesse ver.

O Ensino nas escolas básicas e secundárias deixou de funcionar como válvula de escape para as “fornadas” de licenciados que todos os anos saíam das universidades e politécnicos. Simultaneamente, o Tratado Bolonha reduziu o período de formação de licenciados de 4 anos para 3, ou seja, num curto período o número habitual de licenciados à saída das universidades aumentou consideravelmente, quando se reduziam as oportunidades de trabalho no sector Estado.

O resultado está à vista agora em 2011: a “deolindalização” de uma geração.

A crise pressentida há duas décadas atrás

David Harvey, um dos marxistas mais determinados e esclarecidos da nossa época, já em 1987 parecia adivinhar o que aí vinha:

There abundant cracks in the shaky edifice of modern capitalism, not a few of them generated by the stresses inherent in flexible accumulation. The world’s financial system – the central power in the present regime of accumulation – is in turmoil and weighed down with an excess of debt that puts such huge claims on future labour that is hard to see any way to work out of it except through massive defaults, rampant inflation, or repressive deflation.”

David Harvey (1987), ‘Flexible Accumulation through Urbanization: Reflections on “post-modernism” in the American City’, Antipode 24: 300-326.


Parece que Marx se enganou, mas não em tudo. Não se enganou, por exemplo, na questão das crises cíclicas do capitalismo e as suas consequências na economia das nações.

segunda-feira, março 07, 2011

As línguas em vias de extinção


Pieter Bruegel "O Velho", Torre de Babel, 1563

Steiner lamenta o desaparecimento das línguas, que considera um dano irreparável, tão ou mais irreparável do que a extinção das espécies. E a quem atribui ele a potenciação deste facto? Ao “mercado de massa” e à “tecnologia da informação”. Outros chamam-lhe capitalismo e globalização.
Na verdade vai tudo dar ao mesmo.

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«Sustentei em After Babel (1975) que a multiplicidade de milhares de línguas mutuamente ininteligíveis outrora faladas nesta Terra – e das quais muitas desapareceram hoje, ou se encontram em vias de extinção – não é, como as mitologias e alegorias do desastre entendem, uma maldição. São, pelo contrário, uma bênção e um motivo de regozijo. Cada uma, entre todas as línguas, é uma janela que abre sobre o ser, sobre a criação. Uma janela como nenhuma outra. Não há línguas “menores” por reduzido que seja o seu quadro demográfico ou o seu meio. Certas línguas faladas no deserto do Calahari traçam ramificações do conjuntivo mais numerosas e mais subtis do que as que encontramos em Aristóteles.»

George Steiner (2008); Os Livros que Não Escrevi, Gradiva, pág. 97
(…)

«A verdadeira catástrofe de Babel não é a divisão das línguas: é a redução do discurso humano a meias dúzia de línguas “multinacionais” planetárias. Esta redução, formidavelmente potenciada pelo mercado de massa e pela tecnologia da informação, está hoje a remodelar o globo. A megalomania tecnocrático-militar, os imperativos da avidez mercantil, estão a tornar o vocabulário e a gramática de um anglo-americano estandardizado num novo esperanto. Devido às suas dificuldades, o chinês não poderá usurpar esta triste soberania. E quando a Índia o fizer, a sua língua será já uma variante do anglo-americano. Por isso houve um simulacro tão inquietante como infame do mistério de Babel na queda das torres gémeas do World Trade Center no 11 de Setembro.»

George Steiner (2008); Os Livros que Não Escrevi, Gradiva, pág. 100

quinta-feira, março 03, 2011

Ainda sobre o descontentamento do mundo

O filósofo francês Gilles Lipovetsky lá tenta pôr água na fervura ao analisar a sociedade hipermoderna. Afirma ele que “a depreciação dos valores supremos não continuará sem limites, o futuro continua aberto” (2011 [2004], pág. 106). Ou seja, ainda há esperança, ainda é possível inverter o rumo que nos arrasta para o fim. Como se não houvessem pontos de não retorno. Como se os limites a não transpor, e a partir dos quais não se pode voltar atrás, se fossem afastando sempre à nossa frente. Como se fosse possível trazer à vida as culturas tribais com todo o seu património perdido, a sua arte, a sua língua…perdidos para todo o sempre. Como se fosse possível voltar a ver os dodós nas ilhas Maurícias.

Não se trata só de uma “depreciação” de valores. Trata-se de uma destruição de valores.

Lipovetsky esquece a geografia. Como se todas as sociedades do mundo fossem hipermodernas. A maior parte delas não é. O mundo está longe de ser plano. Se há sociedades que são realmente hipermodernas, conforme lhes chama, outras ainda vivem na Era Moderna, outras na Idade Média e outras na Idade da Pedra - sociedades de caçadores recolectores encontradas nas selvas, ameaçadas agora pelas sociedades hipermodernas, hiperconsumistas, hiperdestrutivas.

Esta é uma visão pessimista e niilista, quase apocalíptica, eu sei. Mas assim é. O mundo transforma-se, sempre se transformou, na verdade. Mas esta transformação, hoje, abeira-se da destruição. Estamos cada vez está mais longe de um paraíso na Terra. Estamos cada vez mais longe do Paraíso.

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Fica a citação completa de Lipovetsky:

Ninguém negará que o mundo, tal como está, provoca mais inquietação do que um optimismo desenfreado: alarga-se o abismo Norte-Sul, as desigualdades sociais aumentam cada vez mais, o mercado mundializado reduz o poder que as democracias têm para se governarem. Mas será que isto nos autoriza a diagnosticar um processo de «rebarbarização» do mundo, no qual a democracia não é mais do que uma «pseudo-democracia» e um «espectáculo comemorativo»? Seria subestimar o poder de autocrítica e de auto-correcção que continua a habitar no universo democrático liberal. A era presentista está tudo menos fechada, encerrada em si mesma, dedicada a um niilismo exponencial. Porque a depreciação dos valores supremos não continuará sem limites, o futuro continua em aberto. A hipermodernidade democrática e mercantil não disse a sua última palavra: ela apenas está no início da sua aventura histórica.”

Charles, Sébastien; Lipovetsky, Gilles (2011 [2004]); Os Tempos Hipermodernos, Edições 70, páginas 105-106.

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segunda-feira, fevereiro 28, 2011

O olhar crítico de Orlando

"É duvidoso que o turismo sirva a aproximação compreensiva dos homens e é certo que, para além de uma importante fonte de divisas estrangeiras, traz consigo vários malefícios. O turista olha com sobranceria o «indígena» que o serve, desloca-se em rebanhos, não tem iniciativa para descobrir os valores locais, tanto da natureza como da tradição. Esta sofre o mais rude embate, pois tudo tende a descaracterizar-se ou a imitar aquilo que foi espontâneo e desprezado. O custo de vida sobe e torna-se incomportável para os nacionais, sempre mal servidos onde prepondera a única clientela de interesse - os estrangeiros."

Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 6.ª ed., Livraria Sá da Costa, 1991.

domingo, fevereiro 27, 2011

Razões para ser crítico

Ser descontente é ser homem.

Fernando Pessoa, Mensagem


Como podemos nós estar contentes com o mundo, tal qual se nos apresenta hoje? Há mil razões para ser crítico. Não compreendo por isso os contentes deste mundo. Os alinhados do capitalismo. Os felizes com tanta infelicidade, quando caminhamos cada vez mais rapidamente para o precipício. Esse precipício que nos chama e ao qual hipnoticamente respondemos, avançando paulatinamente na sua direcção. É preciso travar a lenta marcha que a ele nos conduz. É preciso ser crítico. Há fortes razões, económicas, sociais e ambientais que reforçam o nosso descontentamento.


Podemos sentir-nos contentes quando destroem florestas equatoriais inteiras para as transformar em lucrativos palmeirais ou em extensos desertos verdes de soja?

Podemos sentir-nos contentes com o aumento das desigualdades socioeconómicas ao nível planetário, com o depauperamento de vastas camadas da população mundial, com o desemprego, só para alimentar a injusta concentração de riqueza nuns poucos?

Podemos sentir-nos contentes com a extinção das espécies e das tribos das florestas sempre verdes, com a sua rica cultura?

Podemos sentir-nos contentes com a transformação em mercadoria do planeta inteiro e de tudo o que ele contém?

Podemos sentir-nos contentes com a continuada exploração do Homem pelo Homem?

Podemos sentir-nos contentes com o aquecimento global e com as alterações climáticas?

Enfim, poderia continuar, ad aeternum, com estas questões. Mas sabem que mais? Há quem esteja contente. É contra esses e contra o sistema que defendem – o neoliberalismo - que deveremos dirigir o nosso descontentamento e assestar as nossas armas. É preciso desacreditá-los. Há que ser crítico portanto.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

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