sábado, novembro 05, 2011

Também tu, Obama?!


Obama e Cameron, ao recusarem a aplicação da Taxa Tobin – a tributação dos movimentos de capitais -, mostram, mais uma vez, a sua verdadeira face: a de servidores e testas de ferro de obscuros interesses financeiros antidemocráticos. Afinal a quem servem eles, na verdade? Não deveria ser a democracia? Contudo, parecem defender mais as organizações financeiras multinacionais e os patrões da alta finança do que os povos que os elegeram. Mais uma traição à democracia.

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Já em 2002, Ignacio Ramonet alertava (os destaques são nossos):

"Podem as sociedades democráticas, durante muito tempo, tolerar o intolerável? É urgente deitar grãos de areia nestes movimentos devastadores dos capitais. De três formas: supressão dos “paraísos fiscais”; aumento da fiscalidade sobre os rendimentos do capital; tributação das transacções financeiras.

(…)

A tributação dos lucros financeiros é uma exigência democrática mínima. Esses lucros deveriam ser tributados da mesma forma que os rendimentos do trabalho. Tal não acontece em nenhum lado, nomeadamente no seio da União Europeia.

A liberdade total de circulação de capitais desestabiliza a democracia. É por isso que importa implementar mecanismos dissuasivos. Um dele é a Taxa Tobin, assim chamado pelo nome do Prémio Nobel da Economia, o americano James Tobin que a propôs em 1972. Trata-se de tributar, de forma módica, todas as transacções no mercado de capitais para os estabilizar e, simultaneamente, para encontrar receitas para a comunidade internacional. À taxa de 0,1%, a Taxa Tobin conseguiria, num ano, qualquer coisa como 166 mil milhões de euros, duas vezes mais do que o total anual necessário para erradicar a extrema pobreza em cinco anos."

Ignacio Ramonet, Guerras do Século XXI, Campo das Letras. 2ª ed. 2003. pág. 106-107.

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Parece que o Presidente Cavaco Silva vai aos EUA encontrar-se com Obama: porque não tenta convencê-lo a abraçar a Taxa Tobin? (Eu sei, eu sei…é uma piada.)

Cavaco Silva clama por unidade social. Mas como, se os lucros não são tributados da mesma forma que os rendimentos do trabalho? Como pode haver unidade social quando não há justiça na distribuição dos sacrifícios?

quarta-feira, novembro 02, 2011

Economias!

Para a social-democracia, que governa sozinha em vários grandes países europeus, a política é a economia; a economia são as finanças; e as finanças são os mercados.

Ignacio Ramonet, Guerras do Século XXI, Campo das Letras. 2ª ed. 2003. pág. 39.

E daqui recuamos cerca de 140 anos, ao criticado partido reformista por Eça de Queirós, nas suas Farpas. Aquele partido, segundo Eça de Queirós, respondia invariavelmente a todas as questões que lhe colocavam, com uma única palavra: “Economias!”


- Senhor – disseram [questionando o partido reformista]-, espalharam-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.

Espanto geral.

- Bem! E em moral?

- Economias! – bradou.

- Viva! E em educação?

- Economias! - roncou.

- Safa! E nas questões de trabalho?

- Economias! – mugiu.

- Apre! E em questões de jurisprudência?

- Economias! – rugiu.

- Santo Deus! E em questões de literatura, de arte?

- Economias! – uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada.

Eça de Queirós (1871) , Uma Campanha Alegre. Edição Livros do Brasil. Lisboa. Pág. 39-40.

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O terror a que Queirós se referia não é mais do que o horror económico que agora nos assola. Somos hoje governados por uma espécie de partido reformista à Queirós, ao qual parece faltar “um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc.” Os que nos governam submetem toda a sua política a um único fim: “Economias!”

Economias e mercados!

sábado, outubro 29, 2011

Epitáfio de Cláudia (Roma, Séc. II a.C.)

Estrangeiro, pouco tenho para dizer; pára e lê.

Este é o sepulcro não pulcro de uma pulcra mulher.

Cláudia foi o nome que lhe puseram seus pais.

Ao marido amou de todo o seu coração.

Filhos, criou dois. Destes, a um,

Deixou sobre a terra, o outro sob ela.

Aprazível a sua fala, gracioso era o seu andar.

Cuidou da sua casa, fiou lã. Disse. Podes ir-te.

Roma, Séc. II a.C.

Traduzido do original por Maria Helena da Rocha Pereira, Romana – Antologia da Cultura Latina, 6.ª ed, Guimarães, pág. 23

Imperatrix Europa


Os alemães rejubilam. O seu poder nunca foi tão grande desde a II.ª Guerra Mundial.

sexta-feira, outubro 28, 2011

O que se passa na Islândia?

O Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, diz-nos aqui: "The Path Not Taken"

Não há só uma alternativa. Isso é uma treta tatcheriana que os fundamentalistas de mercado, para não dizer pior, nos querem impor. A austeridade que estamos a atravessar é uma opção política, acima de tudo, e está longe de ser uma fatalidade.

A alternativa não é a Irlanda! É a Islândia!

domingo, outubro 23, 2011

O grande desígnio nacional

Voltar aos mercados o mais brevemente possível. Para os que agora nos governam, esse é o grande desígnio nacional. Se o conseguirmos, acreditam, poderemos continuar alegremente na senda do endividamento. Voltar aos mercados para que passe a haver dinheiro no “pote”! Pobre desígnio. Mal vai um povo quando o suor do seu rosto, do seu trabalho, não lhe basta. Passa então a viver de mão estendida. Perdeu a liberdade.

Só líderes fracos podem acalentar tal desígnio.

Já dizia o Poeta: “Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.” (Camões)

Morte

Em determinadas circunstâncias de grande esforço vêm-me à cabeça essas primeiras palavras do poema de Lorca: “Que esforço! Que esforço do cavalo para ser cão!” (É que não está na natureza do cavalo ser um cão. Não se pode ensinar um cavalo a ser um cão. Só a morte os transforma, ou pode transformar um no outro. Porque na verdade, nada se perde, tudo se transforma e por isso nada morre. )

Dizem que o cavalo é o mais poderoso símbolo onírico da morte. É, curiosamente, por aí que o poeta começa.


Morte

Que esforço!

Que esforço do cavalo

para ser cão!

Que esforço do cão para ser andorinha!

Que esforço da andorinha para ser abelha!

Que esforço da abelha para ser cavalo!

E o cavalo,

que flecha aguda exprime da rosa!,

que rosa de cinza seu bafo levanta!

E a rosa,

que rebanho de alaridos e de luzes

ata ao vivo açúcar da sua haste!

E o açúcar

que punhais vai sonhando em vigília!

E os punhais,

que lua sem estábulos, que nudez,

pele eterna e rubor andam buscando!

E eu, pelos beirais,

Que serafim de chamas busco e sou!

Porém o arco de gesso,

que grande, e invisível, e diminuto,

sem nenhum esforço!

Garcia Lorca

(traduzido por Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940 – 1986], II Volume, 3ª edição aumentada, Circulo de Leitores.

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Os poemas de Lorca são como os quadros do Dali. Os seus versos, por vezes, parecem sucessões de imagens surreais. Lorca é o surrealismo na poesia.

sábado, outubro 22, 2011

sexta-feira, outubro 21, 2011

O Cavalo de Tróia para o assalto à Constituição


Gomes Canotilho, constitucionalista e Professor jubilado esta semana em Coimbra
(citação extraída do blogue Almocreve das Petas)

Havia na Roma Antiga uma designação legal para uma situação de excepção, à qual não se aplicava a Lei geral – o homo sacer. Tratava-se de uma pessoa que podia ser morta ou assassinada por qualquer outra, sem que a sua morte fosse reconhecida, em qualquer sentido legal, como sendo um homicídio ou sacrifício religioso. Tratava-se de uma pessoa à qual não se aplicavam os direitos civis porque se encontrava num estado de excepção mediante o qual a lei era preservada através da sua suspensão autorizada (Barkan, 2011). Por outras palavras, para se poder contrariar a lei geral, criava-se uma situação de excepção, para justificar todo o tipo de violações dessa mesma lei.

À escala das nações e dos Estados, a criação ou existência de situações de excepção tem servido para justificar violações de Direitos Humanos entre outros direitos. É conhecida a situação da base Guantanamo e a tortura dos prisioneiros. Também sobre eles não recai a lei geral que os poderia proteger legalmente da tortura. Os prisioneiros são mantidos numa base distante do solo continental dos EUA: não convém violar os Direitos Humanos dentro de casa e à vista dos olhares do cidadão comum. As vergonhas têm de ser escondidas. Na verdade, aos prisioneiros de Guantanamo não se aplica a lei geral que vale para o comum dos cidadãos, porque a situação excepcional da Guerra ao Terror assim o determina. Homo sacer, portanto.

Tudo isto para dizer que a criação de cenários que envolvam situações de excepção, situações de crise, como a que vivemos actualmente, pode constituir uma estratégia política para se tomarem decisões que vão contra a lei geral, a Constituição ou os direitos sociais de que fala Canotilho.

Os cidadãos devem permanecer alerta pois a crise que atravessamos é muitas vezes referenciada, e não por acaso, como uma situação de emergência ou uma espécie de estado de guerra – situações de excepção, portanto. Os que alimentam este discurso, geralmente os políticos que nos governam e certos comentadores, tentam dessa forma, justificar as medidas de austeridade que estão a ser tomadas e que obrigam os cidadãos ao seu cumprimento, ainda que em violação da Constituição do País. O estado de crise ou de emergência enquadra medidas que violam a lei geral: cortam-se ou reduzem-se salários à revelia do diálogo social, da concertação entre Estado, sindicatos e entidades patronais, por exemplo, quando a Constituição determina que assim seja. Atropelam-se direitos laborais e outro tipo de direitos sociais. Tudo à nossa vista.

Não foi por acaso que, ao abrigo da situação excepcional em que vivemos, Manuela Ferreira Leite, sem qualquer pudor, vem propor, em alternativa aos cortes do subsídio de férias e do 13.º mês por dois anos na função pública, que os cidadãos passassem a pagar os serviços de saúde e de educação prestados pelo Estado durante igual período, quando a Constituição determina a sua gratuitidade ou a tendência para tal (é óbvio que nada é gratuito e que são os contribuintes que, mediante os seus impostos, asseguram os serviços do Estado, ainda que a Constituição se refira a gratuitidade). A gratuitidade da educação e da saúde é um direito que lhes assiste. Suspendia-se a Constituição portanto. Já antes Manuela Ferreira Leite tinha sugerido a suspensão da democracia durante uns meses, como se os males do país fossem a democracia ou a Constituição.

Vivemos tempos excepcionais dizem eles, para que possam fazer vingar a sua agenda política de leis excepcionais.

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Referência

Barkan, Joshua (2011), "Law and the geographic analysis of economic globalization", Progress in Human Geography, 35(5), 589 - 607,

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