sexta-feira, julho 13, 2012

Rumo ao subdesenvolvimento


«Segundo o INE, os resultados para os indicadores de desigualdade na distribuição dos rendimentos foram em 2010 superiores aos registados em 2009, todavia inferiores ao observado nos restantes anos.
Em 2010, o rendimento monetário líquido equivalente dos 20% da população com maiores recursos correspondia a 5,7 vezes o rendimento dos 20% da população com mais baixos recursos.» Aqui.

***

O escândalo da elevada desigualdade na distribuição de rendimento em Portugal continua, e não é preciso ser Cassandra para saber que irá aumentar.

Relembramos aqui as palavras do economista britânico Dudley Seers (1920-1983): “as perguntas a formular acerca do desenvolvimento de um país, de uma região, são simplesmente estas: o que é que vem acontecendo com a pobreza? Com o desemprego? Com as desigualdades? Se os três se têm reduzido (a pobreza, o desemprego, as desigualdades), não pode duvidar-se de que houve desenvolvimento no país ou região em questão.” (1)



Ainda alguém duvida que o "ajustamento" proferido pelos políticos e economistas que nos governam é um eufemismo de "empobrecimento" e que o país se está a subdesenvolver?
-----------------------------------------------------------------
(1) – Citado por Simões Lopes (2006), "Encruzilhadas de desenvolvimento: falácias, dilemas, heresias", Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 75, Outubro 2006, pp. 41-61.

Uma geração perdida, caso não lute



«Mas é bom lembrar também que grande parte da presente geração de jovens jamais experimentou grandes privações, como uma depressão económica prolongada, desprovida de perspectivas e com desemprego em massa. Eles nasceram e cresceram num mundo em que podiam se abrigar sob guarda-chuvas socialmente produzidos e administrados, à prova de ventos e tempestades, que pareciam estar ali desde sempre para protegê-los do mau tempo, da chuva fria e dos ventos gelados. Um mundo em que cada manhã prometia um dia mais ensolarado que o anterior e mais rico de aventuras agradáveis.
Enquanto escrevo estas linhas, as nuvens se acumulam sobre esse mundo. A feliz, confiante e promissora condição que os jovens acabaram por considerar como o estado "natural" do mundo pode estar desmoronando. Uma depressão económica (que, como dão a entender alguns observadores, ameaça se revelar tão ou mais profunda que as crises que a geração dos pais sofreu na juventude) talvez esteja à espreita na primeira esquina

Zygmunt Bauman (2010); Capitalismo Parasitário e Outros Temas Contemporâneos, Zahar Editores. Rio de Janeiro. Pág. 71-72.

***

Neste momento já se abate a tempestade e o guarda-chuva já lá vai, levado pelo vento neoliberal. Pobre juventude. Venceram os poucos que astutamente procuraram abrigo nas juventudes partidárias e trataram de assegurar, por portas e travessas, um lugar no mundo do tráfico de influências.

quarta-feira, julho 11, 2012

Não é uma utopia. Longe disso.


A quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo do capitalismo global cresce inexoravelmente e agora está perto de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta.
Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos.

terça-feira, julho 10, 2012

Afinal, quando nasce a utopia?



Zygmunt Bauman, como é referido na contracapa de uma das suas obras, é “talvez o mais eloquente anatomista da modernidade e da pós-modernidade a escrever em inglês”. A sua análise das sociedades ocidentais modernas e pós-modernas num contexto de globalização é certeira e estamos em consonância com o que escreve no Tempos Líquidos  (2007). Nessa obra o sociólogo refere que as utopias são filhas da modernidade e cita o escritor Anatole France para depois o contraditar. Anatole France dizia que:

Sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram os utopistas que traçaram as linhas da primeira cidade... Sonhos generosos geram realidades benéficas. A utopia é o princípio de todo progresso, e o ensaio de um futuro melhor.

É um raciocínio que concorda, por exemplo, com o de Fernando Pessoa - “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”. Para a obra nascer é preciso que o homem sonhe. E para quem não creia em Deus, então que conceda apenas que o Homem sonha e a obra nasce. É que o sonho precede a obra, pois “o sonho comanda a vida” (António Gedeão, Pedra Filosofal). E que se saiba o Homem sonha desde que é Homem. E, diga-se de passagem, alguns animais que não o Homem também sonham, mas isso é outra história.
Mas regressando a Bauman, diz ele:

E, no entanto, ao contrário da opinião proclamada por Anatole France e com base no senso comum de seus contemporâneos, as utopias nasceram junto com a modernidade e só na atmosfera moderna puderam respirar.
Em primeiro lugar, uma utopia é uma imagem de outro universo, diferente daquele que conhecemos ou de que estamos a par. Além disso, ela prevê um universo originado inteiramente da sabedoria e devoção humanas. Mas a idéia de que os seres humanos podem substituir o mundo que é por outro diferente, feito inteiramente à sua vontade, era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos modernos. (Bauman, 2007: 102-103). [Os itálicos são nossos].

A utopia enquanto imaginação de uma sociedade ideal criada inteiramente pelo Homem "era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos modernos"? É uma afirmação questionável. Na Antiguidade, não formula Platão uma utopia na sua República? E a Cidade de Deus, de Santo Agostinho, não é utópica? A própria Utopia de Thomas More foi publicada em 1516.

E se alargarmos o conceito não a sociedades mas a lugares idealizados pelo Homem, então temos de considerar, o Paraíso, a Terra Prometida e a Ilha dos Amores, como exemplos pré-modernos de lugares supostamente ideais que não têm lugar neste mundo. 

_______________
Referência:

Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro. 

Sobre utopias:

Lewis Mumford (2007), História das Utopias. Antígona. Lisboa

domingo, julho 08, 2012

Praia de Cabanas, 15:00, 22º C



© AMCD

© AMCD

sábado, julho 07, 2012

O acórdão do TC e a austeridade


O acórdão do Tribunal Constitucional não podia ter vindo em melhor hora para Pedro Passos Coelho (PPC) e o seu Governo. Acaba por servir como mais um amparo à tomada de decisões de austeridade que por certo já estavam a ser ponderadas face ao novo e ampliado buraco orçamental. (Já antes tínhamos dito aqui - naquela noite de 13 de Outubro de 2011 de má memória - que iríamos caminhar de buraco em buraco até ao buraco final. Parece que se confirma.)

Na verdade, neste momento a Constituição é apenas um papel pintado com tinta. Não admira que PPC e os seus tenham deixado de falar na necessidade de proceder a alterações à Constituição. Afinal, nem sequer é preciso, pois há muito que deixou de ser respeitada, e principalmente pelos que tinham por missão a sua salvaguarda.

Os acordos com quem trabalha e com os pensionistas (os direitos sociais e laborais) foram prontamente rasgados e desrespeitados, dada a “situação de grave e extrema emergência financeira" (Acórdão do TC n.º 353/2012), mas a renegociação e anulação dos acordos ruinosos com as parcerias público-privadas (PPP), por exemplo, foram deixadas para as calendas gregas.

Eles que continuem a minar a maioria da sua própria base eleitoral – a classe média, que empobrece – que acabarão por cair com estrondo. É uma questão de tempo. A não ser que - e é o mais provável - antes saiam "de fininho", dada a sua manifesta incompetência.

As forças globais que os Estados não controlam


A desintegração da solidariedade significou o fim da maneira sólido-moderna de administrar o medo. Era chegada a vez de as protecções modernas, artificiais e administrativas serem afrouxadas, desmontadas ou removidas. A Europa, primeira região do planeta a passar pela rectificação moderna e a percorrer todo o espectro das suas sequelas, está agora atravessando, de modo muito semelhante aos Estados Unidos, uma “desregulamentação-com-individualização do tipo 2” – embora desta vez não o faça por escolha própria, mas sucumbindo à pressão de forças globais que não controla mais nem espera refrear.”

Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro.  Pág. 73

E que forças globais são essas? Bem, o Ouriço responde de certa maneira neste post.

domingo, julho 01, 2012

Haliaeetus albicilla

sábado, junho 30, 2012

O medo


Uma vez investido sobre o mundo humano, o medo adquire um ímpeto e uma lógica de desenvolvimento próprios e precisa de poucos cuidados e praticamente nenhum investimento adicional para crescer e se espalhar – irrefreavelmente.

Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro.  Pág. 15.

O medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demónios que se aninham nas sociedades abertas da nossa época. Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável.

Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro.  Pág. 32


O medo?! Conhecemo-lo bem e não é de agora, ao contrário do que diz Bauman, que o associa às "sociedades abertas da nossa época". Como se o medo não nos tivesse acompanhado desde sempre, associado a essa incerteza do futuro e à imprevista aparição da morte. É um demónio intemporal. Recuemos. Após a IIª Grande Guerra, as sociedades ocidentais não estavam mais resguardadas do medo do que “as sociedades abertas da nossa época”. Dos céus, a qualquer momento, poderia abater-se sobre elas, uma intensa chuva de mísseis nucleares. Alguém teria carregado no botão, do outro lado, e restariam alguns segundos para o adeus. A ilusória “segurança” dos trinta gloriosos anos estava assombrada por uma ténue cortina de medo. Vivia-se então o equilíbrio do terror nuclear, o que gerava um nervoso miudinho, quase imperceptível entre os viventes conscientes.

Mas se recuarmos ainda mais, até à Idade Média, encontraremos o medo em cada cidade, em cada castelo, em cada aldeia, em cada caminho. Fomes, pestes, guerras, assomavam-se com frequência no horizonte, quando não investiam implacavelmente sobre os mortais. Cada castelo, cada muralha, cada catedral são monumentos ao medo. Nas catedrais procurava-se o amparo divino do mundo celestial contra as ameaças do mundo terreno. Buscava-se a salvação, acima de tudo, e os ricos compravam indulgências. Foi uma Era de terror profundo e reduzida esperança média de vida.

Nos Descobrimentos, o medo embarcava em cada navio – adamastores e pesadelos de escorbuto…O medo despertava a imaginação dos homens e navegar para o tórrido sul poderia significar rumar para o Inferno. Quantos dos que partiram à descoberta jamais regressaram? Navegava-se para o desconhecido, e o desconhecido é a casa do medo.

Mas Bauman, um dos mais lúcidos pensadores do mundo actual, não deixa de ter razão quando afirma que “a insegurança do presente e a incerteza do futuro produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável”. Era suposto vivermos já com maior segurança, mas a doutrina económica e política dominante no planeta tem tornado a vida da larga maioria dos seres humanos cada vez mais precária. Injustamente.

***

PS - Há uma canção de Zeca Afonso em que o cantor trata o medo por amigo. Um amigo que nos alerta e nos faz escapar mais depressa à aproximação dos que pela madrugada, ameaçadoramente, nos querem  prender, torturar e matar.

Etiquetas